Litigância Predatória em Minas Gerais: Ação pode ser extinta? O que pensa o STJ?

Litigância Predatória em Minas Gerais: Ação pode ser extinta? O que pensa o STJ?

Litigância predatória

Litigância predatória: introdução

O fenômeno da litigância predatória tem sido objeto de diversos estudos e levantamentos pelos tribunais brasileiros. Esses estudos buscam combater práticas abusivas que sobrecarregam o Poder Judiciário.

Em decisão recente, o juiz José Paulino de Freitas Neto, da 4ª Vara Cível de Uberaba/MG, extinguiu uma ação judicial contra uma instituição financeira, apontando:

  • Indícios de litigância predatória e;
  • Captação ilícita de clientela pelo advogado responsável. Essa decisão é um exemplo claro das consequências dessa prática prejudicial.

Mas, afinal, existe “litigância predatória”?

Litigância predatória: o caso

O advogado em questão ajuizou 927 ações no Estado de Minas Gerais, sendo 824 delas apenas em 2024. Muitas dessas ações foram movidas contra instituições financeiras, geralmente com petições genéricas e semelhantes, sugerindo a falta de autorização ou consciência das partes envolvidas.

Relatos indicaram que o advogado, ou seus representantes, visitavam residências de beneficiários do INSS, informando sobre descontos indevidos em benefícios previdenciários e oferecendo serviços jurídicos.

A maioria dos clientes era composta por idosos de pouca escolaridade, considerados hipervulneráveis, que muitas vezes desconheciam as ações movidas em seus nomes.

Litigância Predatória: Conceito e Características

A litigância predatória consiste no ajuizamento de ações em massa, comumente em várias comarcas ou varas, geralmente envolvendo temas idênticos, com petições iniciais similares, muitas vezes apenas alterando o nome da parte e o endereço.

Assim diz o site do TJDFT:

Demandas predatórias são ações ajuizadas em massa, geralmente em várias comarcas, com petições quase idênticas. Caracterizam-se pela ausência de documentos essenciais, como comprovantes de residência, e muitas vezes são movidas sem o conhecimento das partes, incluindo captação ilegal de clientes.
Essas práticas aumentam o número de processos, prolongam a tramitação e prejudicam a eficiência do Judiciário.
Não há consenso sobre o conceito de demandas predatórias, sendo identificadas por suas características. Diferem das demandas frívolas e repetitivas, que, embora numerosas, pleiteiam direitos legítimos. O grande volume de demandas predatórias impede a celeridade processual, exigindo análises detalhadas dos magistrados.
Exemplos incluem a extinção de 3.488 ações na 1ª Vara Cível de Araripina e na Vara Única de Ipubi, ambas em Pernambuco, para combater a advocacia predatória.
Embora haja críticas à extinção de processos por prejudicar o direito de ação, a classificação das demandas predatórias é criteriosa. Fonte: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2022/litigancia-predatoria-compromete-garantia-constitucional

Fundamentação Jurídica

Na sentença, o juiz destacou o uso indevido de dados pessoais, possivelmente obtidos de forma ilícita, configurando violação à privacidade e aos direitos garantidos pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Além disso, a captação indevida de clientela infringe o Código de Ética e Disciplina da OAB, que proíbe a oferta de serviços profissionais para angariar clientes.

A decisão judicial foi baseada nos artigos 485, incisos IV e VI do CPC, que permitem a extinção do processo sem resolução de mérito em casos de irregularidades processuais. O advogado foi condenado ao pagamento das custas processuais e incluído como terceiro interessado no feito.

Impactos da Litigância Predatória

A prática de ajuizamento massivo de ações infundadas e repetitivas, conhecida como litigância predatória, consome recursos significativos do Poder Judiciário, aumentando a morosidade na prestação jurisdicional e causando prejuízos financeiros ao Estado.

O Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (NUMOPED) e o Centro de Inteligência da Justiça de Minas Gerais (CIJMG) já identificaram os impactos financeiros dessas práticas, destacando a necessidade de medidas para coibi-las​​.

Outro lado da moeda

No artigo “A falácia do termo ‘litigância predatória’”[1] há autores que destacam que a profissão de advogado existe desde sua antiguidade e importância desde a Suméria antiga, passando por figuras como Marco Túlio Cícero, que exemplificam a relevância da defesa jurídica ao longo dos séculos. Essa introdução serve para valorizar o papel do advogado e a necessidade de defesa justa.

Os autores argumentam que o termo “litigância predatória” não é um conceito jurídico válido. Trata-se, na verdade, de uma construção utilizada para desqualificar a defesa dos direitos dos consumidores.

O Código de Processo Civil (CPC) já aborda a litigância de má-fé nos artigos 79 a 81, mas “litigância predatória” é um termo pejorativo que sugere um comportamento desonesto e predatório por parte dos advogados.

Mero aborrecimentos

Ademais, denunciam que a rotulação da defesa dos consumidores como “litigância predatória” visa deslegitimar suas reivindicações, transformando violações de direitos em “meros aborrecimentos”.

Essa pecha imposta aos advogados e consumidores prejudica a luta legítima por reparação e justiça.

Assim, os autores concluem que a criação e uso do termo “litigância predatória” é uma manobra para:

  • Desqualificar a advocacia de defesa dos consumidores e;
  • Diminuir a responsabilidade dos fornecedores.

Questão da ética

Eles afirmam que qualquer questão ética envolvendo advogados deve ser tratada pelos tribunais de ética da OAB. A litigância, defendem, só existe porque há litígio pré-existente, e punir advogados por defenderem os direitos de seus clientes é uma distorção da justiça.

O artigo termina evocando o espírito de grandes defensores históricos, como Marco Túlio Cícero, para reforçar a importância da defesa jurídica contra práticas injustas e predatórias de grandes fornecedores.

Tema pendente de discussão no STJ – Tema 1.198

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento do Tema Repetitivo 1.198. Esse julgamento visa definir se o juiz pode exigir que a parte autora emende a petição inicial e apresente documentos, caso haja suspeita de litigância predatória.

O relator, ministro Moura Ribeiro, defendeu essa exigência para fundamentar minimamente as pretensões no início da ação, desde que a decisão seja fundamentada e considere as peculiaridades do caso. O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Humberto Martins.

O objetivo é determinar em que medida o juiz pode exigir documentos para confirmar a seriedade dos pedidos e evitar processos infundados que comprometem a eficiência da Justiça. Moura Ribeiro explicou que tanto o STJ quanto o STF admitem essa prática para evitar o uso fraudulento do processo judicial.

Tema pendente de discussão no STJ

Veja o tema pendente de discussão no STJ:

“Possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários”. Fonte: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1198&cod_tema_final=1198

Documentos como extratos bancários, contratos, comprovantes de residência e procuração atualizada podem ser exigidos.

Especificamente, se a procuração apresentada pelo advogado for muito antiga, o juiz pode solicitar uma atualização para confirmar a relação atual entre cliente e advogado.

A retomada do julgamento ainda não tem data marcada, mas o prazo para devolução do processo é de 60 dias, prorrogável por 30 dias.

O que realmente será analisado pelo STJ?

O processo em análise no tema 1.198 trata de um recurso especial interposto por Maria Cleonice dos Santos contra decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

O caso envolvia uma ação declaratória de inexistência de relação jurídica com repetição de valores descontados e indenização por danos morais. A decisão do TJMS foi baseada na suspeita de litigância predatória, ou seja, o ajuizamento de ações em massa com fundamentos genéricos e sem documentos comprobatórios mínimos.

Pontos Principais do Recurso

  1. Exigência de Documentos: O ministro relator, Moura Ribeiro, defendeu a fixação de uma tese permitindo que o juiz, diante da suspeita de litigância predatória, possa exigir que a parte autora emende a petição inicial e apresente documentos que embasem minimamente os pedidos, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e extratos bancários.
  2. Litigância Predatória: A decisão do TJMS foi baseada em dados que mostraram um número expressivo de ações idênticas ajuizadas pelo mesmo advogado, muitas vezes envolvendo idosos e pessoas vulneráveis, sem a devida comprovação documental. Essas ações aumentam a carga de trabalho do Judiciário e muitas vezes são julgadas improcedentes.
  3. Poder Geral de Cautela: A proposta de afetação ao rito dos recursos repetitivos busca consolidar o entendimento de que o juiz pode exigir documentos adicionais para evitar o abuso do direito de ação e garantir que os processos tenham um fundamento mínimo antes de prosseguir.
  4. Debate sobre Acesso à Justiça: A decisão de exigir documentos adicionais foi contestada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MS), que argumentou que isso poderia dificultar o acesso à Justiça para partes vulneráveis. A tese foi vista como uma forma de conceder discricionariedade excessiva aos juízes para indeferir petições iniciais.

Conclusão

A decisão do juiz José Paulino de Freitas Neto é um passo importante para combater a litigância predatória e proteger os direitos dos cidadãos hipervulneráveis.

A depender do julgamento do Tema 1.198 do STJ,  a questão poderia ser solicitado a emenda de documentos antes de extinguir o processo sem resolução de mérito.

Entretanto, a extinção do processo e a condenação do advogado servem como:

  • Alerta para a importância da ética e;
  • Responsabilidade no exercício da advocacia.

REFERÊNCIAS:

[1] https://www.conjur.com.br/2023-nov-22/a-falacia-do-termo-litigancia-predatoria/

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