A crescente preocupação com as mudanças climáticas impulsionou uma nova vertente no campo jurídico: a litigância climática.
O desequilíbrio provocado pela emissão descontrolada de gases de efeito estufa tem resultado em danos ambientais significativos, desafiando as políticas públicas e a atuação dos poderes estatais.
Diante da inércia dos órgãos competentes, o Poder Judiciário emerge como um agente crucial na defesa do meio ambiente, sendo convocado a deliberar sobre direitos e obrigações relacionados às mudanças climáticas.
Nesse artigo, vamos analisar os desafios e os desdobramentos da litigância climática, destacando seu papel na busca por soluções eficazes e na promoção da responsabilização dos agentes públicos e privados pela prevenção e reparação relacionados a danos ambientais.
Litigância climática
A intensificação na emissão de gases de efeito estufa pelas atividades antrópicas ao longo dos séculos interferiu negativamente no equilíbrio da atmosfera terrestre, causando graves danos ao meio ambiente e à existência digna do ser humano na terra.
A criação de normas definidoras de políticas públicas voltadas à preservação do meio ambiente, ao controle da emissão de gases de efeito estufa, à preservação florestal e ao combate ao desmatamento deve ser empreendida pelo Poder Legislativo e executada pelo poder Executivo, tendo em vista suas funções institucionais.
Entretanto, diante da omissão dos poderes estatais e dos organismos internacionais relativos ao enfrentamento das mudanças climáticas, nos últimos anos o Poder Judiciário têm sido chamado a se manifestar sobre a aplicação de direitos e obrigações afetas ao Direito Ambiental.
Dessa forma, a litigância climática (ou tutela processual do meio ambiente) consiste na interposição de ações judiciais para obrigar agentes públicos e privados, nacionais e internacionais a adotarem medidas eficazes em prol da preservação do meio ambiente, principalmente no que concerne à adoção de medidas para evitar o aumento da temperatura global, para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas e para garantir a reparação de danos ambientais.
Os principais instrumentos jurídicos da litigância climática são as ações judiciais coletivas (mandado de segurança, ação civil pública, ação popular) e as ações do controle abstrato de constitucionalidade (ADIn, ADO e ADPF).
Litigância climática e a separação dos poderes
Há um debate relacionado à separação dos poderes que divide opiniões entre a autoconteção do Poder Judiciário e o ativismo judicial quando há uma proeminência do judiciário no campo das políticas públicas.
Os argumentos favoráveis à interferência do judiciário em matéria ambiental defendem que a inafastabilidade da jurisdição, a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana e o princípio do equilíbrio ambiental justificam a atuação do judiciário diante da inércia dos demais poderes.
Por outro lado, pode se entender que se trata de uma forma de ingerência indevida do Poder Judiciário, que usurpa a competência dos demais poderes.
Atualmente, pesam mais as opiniões favoráveis à litigância climática, tendo em vista que a procedência do pleito em uma ação judicial climática traz resultados positivos de controle e responsabilização que extrapolam as partes envolvidas, em razão da natureza pública da matéria.
Mesmo diante da negativa do pleito, a litigância climática repercute publicamente e politicamente, podendo interferir nas ações governamentais e privadas, sendo um valoroso instrumento de governança.
Litigância climática no Brasil
No Brasil, a litigância climática tem ganhado cada vez mais força, principalmente quando se trata das ações civis públicas propostas pelo Ministério Público em face de condutas comissivas e/ou omissivas do poder público e de agentes privados em prejuízo à natureza.
Também merecem destaque as ações do controle concentrado de constitucionalidade que têm criado uma forte jurisprudência protetiva do meio ambiente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Cita-se como exemplo recente as ADPFs 743, 746 e 857, processos que integram a chamada “pauta verde”.
Em seu julgamento, o STF, apesar de não ter reconhecido a existência de um estado de coisas inconstitucional na política de proteção ambiental da Amazônia e do Pantanal, enfatizou que persistem algumas falhas estruturais em matéria ambiental e determinou a adoção de diversas providências para “o efetivo cumprimento do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do respectivo dever do Poder Público em defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF/1988, art. 225)”, quais sejam:
“(….) deve o Governo federal apresentar, no prazo de 90 dias, um plano de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia que abarque medidas efetivas e concretas para controlar ou mitigar os incêndios, bem como um plano de recuperação da capacidade operacional do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PREVFOGO).
De igual modo, as ações e resultados das medidas adotadas na execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) devem ser disponibilizados publicamente em formato aberto pela União em relatórios semestrais.
Por sua vez, ao Ibama e aos Governos estaduais, por meio de suas secretarias de meio ambiente ou afins, é dada a incumbência de garantir a publicidade dos dados referentes às autorizações de supressão de vegetação.
Por fim, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário, ficará responsável por monitorar os processos com grande impacto sobre o desmatamento, em conjunto com este Tribunal (…)”.
Ainda, em relação ao Fundo Clima, foi proposta ADPF em 2020 sob alegação de que a União, desde 2019, estava se omitindo em suas obrigações constitucionais de proteção do meio ambiente, uma vez que estava deixando de aplicar os recursos necessários no Fundo.
O Plenário do STF, por maioria, reconheceu que a União foi omissa por não ter feito a alocação integral dos recursos do Fundo Clima referentes ao ano de 2019. Em razão disso, a Corte determinou que a União se abstenha de se omitir em fazer funcionar o Fundo Clima ou em destinar seus recursos e que a União fique proibida de fazer o contingenciamento das receitas que integram o Fundo:
“O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, § 2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 9º, § 2º, LRF). STF. Plenário. ADPF 708/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/7/2022 (Info 1061)”.
Conclusão
A litigância climática surge como uma resposta essencial diante da urgência em enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Ao exigir ações concretas dos poderes públicos e privados, as ações judiciais desempenham um papel fundamental na proteção do meio ambiente e na promoção da justiça climática.
Embora haja debates sobre os limites da intervenção judicial, a tendência atual favorece a ampliação do escopo da litigância climática, reconhecendo-a como um valioso instrumento de governança e proteção ambiental.
O exemplo recente das decisões do Supremo Tribunal Federal no Brasil ilustra o potencial transformador dessas iniciativas legais, reforçando a importância do engajamento multidisciplinar e da cooperação internacional na busca por soluções sustentáveis para os desafios climáticos globais.