Renata Fan vs Pabllo Vittar: liberdade de expressão ou crime de homofobia?

Renata Fan vs Pabllo Vittar: liberdade de expressão ou crime de homofobia?

Não sei se você viu. Mas esse assunto parou a internet. Ou melhor, parou as redes sociais.

Entenda o caso

  • Na terça-feira (14/1), Renata Fan compartilhou um meme nas redes sociais brincando com a com saída de Denilson do Jogo Aberto. O ex-jogador deixou o programa esportivo da Band no final de dezembro, após 15 anos de trabalho, e anunciou o novo contrato com o grupo Globo no início deste mês.
  • “Internet sua Danada! Recebi umas 10 vezes esta publicação hoje! E na real, chorei de rir! Sempre serei do time da zoeira!”, escreveu a apresentadora numa imagem que mostrava o antes e depois do ex-boleiro na emissora.
  • No registro, Denilson aparece nos estúdios do canal ao lado de Renata e, na legenda: “Na Band”. Embaixo, o cunhado de Zezé Di Camargo surge conversando com Pabllo Vittar: “Na Globo”.
Liberdade de expressão

Nesse sentido, comentaremos na análise jurídica, esse caso envolvendo o tema sobre os limites entre a liberdade de expressão e a caracterização do crime de homofobia.

Homofobia é crime?

Sim, na visão do STF é inclusive equiparado a penalidade ao crime de “racismo”.

Entretanto, vale ressaltar que a Lei nº 7.716/89 não traz, expressamente, previsão para punição de condutas homofóbicas e transfóbicas.

A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, afirmavam que o rol de elementos de preconceito e discriminação do art. 20 era taxativo. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Inq 3590/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/8/2014.

Inclusive, tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei buscando incluir, expressamente, na Lei nº 7.716/89, como crime, as condutas homofóbicas e transfóbicas. Contudo, sempre se observou uma resistência muito grande de certos setores da sociedade com a punição de tais condutas e, em razão disso, esses projetos nunca foram aprovados.

Diante do cenário acima descrito, em 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) impetrou mandado de injunção no STF no qual pediu o reconhecimento de que a homofobia e a transfobia se enquadrassem no conceito de racismo ou, subsidiariamente, que fossem entendidas como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais.

Com fundamento nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição Federal, a ABGLT sustentou que a demora do Congresso Nacional é inconstitucional, tendo em vista o dever de editar legislação criminal sobre a matéria.

E o que decidiram os Ministros do STF?

Ausência de proteção estatal a condutas homofóbicas e transfóbicas

O gênero e a orientação sexual constituem elementos essenciais e estruturantes da própria identidade da pessoa humana e integram uma das mais íntimas e profundas dimensões de sua personalidade.

No entanto, devido à ausência de adequada proteção estatal, especialmente em razão da controvérsia gerada pela denominada “ideologia de gênero”, os integrantes da comunidade LGBT acham-se expostos a ações de caráter segregacionista, com caráter homofóbico, que têm por objetivo limitar ou suprimir prerrogativas essenciais de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, entre outros.

Tais práticas culminam no tratamento dessas pessoas como indivíduos destituídos de respeito e consideração, degradados ao nível de quem não tem nem sequer direito a ter direitos, por lhes ser negado, mediante discursos autoritários e excludentes, o reconhecimento da legitimidade de sua própria existência.

Existe um dever imposto pela CF/88 ao Congresso Nacional para que se crie normas de punição das condutas discriminatórias

A Constituição Federal possui dois mandados de incriminação para condutas discriminatórias: art. 5º, incisos XLI e XLII.

Assim, é possível concluir que a omissão do Congresso Nacional em produzir normas legais de proteção penal à comunidade LGBT traduz situação configuradora de ilicitude, em afronta ao texto da CF/88.

Há descumprimento, por inércia estatal, de norma impositiva de comportamento atribuído ao Parlamento

Na tipologia das situações inconstitucionais, estamos diante do descumprimento, por inércia estatal, de uma norma impositiva de determinado comportamento atribuído ao poder público pela própria Constituição.

Trata-se, portanto, de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa.

Assim, o STF definiu que

“até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989,constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);”

STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Informativo 944).

Qual seria a pena de praticar homofobia?

De acordo com a Lei nº 7.716/1989, a pena varia conforme o tipo de discriminação praticada. Exemplos:

  1. Praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito em geral (art. 20):
    • Pena: Reclusão de 1 a 3 anos e multa.
    • Agravante: Se o crime for cometido por meios de comunicação ou publicação, a pena pode ser aumentada para 2 a 5 anos e multa.
  2. Para injúria racial com conotação LGBTfóbica, aplica-se o artigo 140, § 3º do Código Penal, que prevê:
    • Pena: Reclusão de 1 a 3 anos e multa.
    • Esse crime é considerado inafiançável e imprescritível.

E no caso, em comento, Renata Fan cometeu homofobia?

Há um intenso debate, e queremos que você opine.

Sim:

Base LegalArgumento JurídicoFundamentação
ADO 26 (STF)O conceito de racismo projeta-se além de aspectos biológicosA discriminação resulta de construção histórico-cultural visando justificar desigualdades
Lei 7.716/89Equiparação da homofobia ao racismoProteção legal contra discriminação por orientação sexual tem mesmo status do racismo
Art. 140, §3º CPInjúria qualificada por preconceitoO uso de elementos discriminatórios qualifica a injúria, aumentando sua gravidade
Princípio da Dignidade Humana (CF, art. 1º, III)Proteção à dignidade de grupos vulneráveisA “zoeira” que diminui pessoas por sua orientação sexual viola direitos fundamentais
REsp 1.799.346/SP (STJ)Limites da liberdade de expressãoO humor não pode servir de salvaguarda para manifestações discriminatórias

Não:

Base LegalArgumento JurídicoFundamentação
Art. 5º, IX CFLiberdade de expressãoProteção constitucional à manifestação do pensamento
Elemento subjetivo do tipo penalNecessidade de demonstrar intenção discriminatóriaA configuração do crime requer comprovação do dolo específico
Princípio da taxatividade penalInterpretação restritiva da lei penalNão se pode ampliar interpretação de tipos penais além do texto legal
Art. 1º da Lei 7.716/89Necessidade de conduta discriminatória concretaMero dissabor ou inconveniência não configura crime
Decisões dos Tribunais SuperioresExigência de prova inequívoca do intuito discriminatório“Não basta o mero dissabor ou inconveniência, devendo estar presente o elemento volitivo direcionado à discriminação”

Aprofundamento

Vale ressaltar que o STF estabeleceu no julgamento da ADO 26 que a repressão penal à homofobia não restringe a liberdade de expressão desde que as manifestações não configurem discurso de ódio.

Nesse sentido, para caracterização do discurso de ódio, deve-se analisar se a exteriorização:

  1. Incita discriminação;
  2. Promove hostilidade;
  3. Estimula violência;
  4. Nega a dignidade do grupo protegido.

No caso concreto, a análise judicial deverá considerar portanto:

  • O contexto da publicação;
  • O alcance e repercussão do conteúdo;
  • O potencial lesivo à dignidade do grupo;
  • A presença de elementos que caracterizem discriminação;
  • O conflito entre liberdade de expressão e proteção contra discriminação.

Como o tema já caiu em provas

(Exame Nacional da Magistratura – ENAM II – FGV – 2024)

Uma mulher transgênero foi admitida, em 2024, em uma sociedade empresária para exercer a função de auxiliar no Departamento de Recursos Humanos. A funcionária trajava-se e portava-se como mulher, mas foi impedida de acessar o banheiro feminino da sociedade empresária, porque no seu registro civil ainda constava o nome masculino. Diante dos fatos, da previsão constitucional e do entendimento do STF, assinale a afirmativa correta:

(A) A sociedade empresária agiu de modo incorreto, porque, diante das peculiaridades do caso apresentado, a pessoa tem o direito de acessar o banheiro conforme o gênero com o qual se identifica.

(B) A sociedade empresária está correta, porque a transição ainda não se completou, uma vez que o registro civil continua identificando a pessoa com o gênero biológico masculino.

(C) A sociedade empresária está parcialmente equivocada, porque o reconhecimento e a visibilidade atuais da transexualidade exigem que ela construa um banheiro apenas para pessoas trans.

(D) A sociedade empresária está correta, porque está preservando a segurança e a intimidade das mulheres cis que nela trabalham.

(E) A sociedade empresária deve preservar o meio ambiente de trabalho, que é bem indivisível e de todos, de modo que a situação deve ser debatida, votada e decidida pelas empregadas cisgênero.

Gabarito: A.

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