O argumento utilizado pelo Ministro foi que a competência para legislar sobre o tema é da União.
Linguagem neutra – O caso
O Ministro Alexandre de Moraes, em decisão monocrática, concedeu medida cautelar para suspender os efeitos de duas leis municipais que proíbem o uso de linguagem neutra na Administração Pública e nas escolas públicas e privadas.
As normas são dos municípios de Ibirité (MG) e de Águas Lindas (GO). Essas foram apenas 2 ações que tramitam na Corte Suprema sobre o tema.
Existem diversas outras ações questionando leis com o mesmo teor. Esse é o caso do Estado do Amazonas e dos municípios de:
- Balneário Camboriú (SC)
- Belo Horizonte (MG)
- Betim (MG)
- Boa Vista (RR)
- Jundiaí (SP)
- Marituba (PA)
- Muriaé (MG)
- Navegantes (SC)
- Novo Gama (GO)
- Petrópolis (RJ)
- Porto Alegre (RS)
- Rondonópolis (MT)
- São Gonçalo (RJ)
- Uberlândia (MG) e
- Votorantim (SP).
Competência legislativa
De acordo com o relator, os municípios não podem legislar sobre normas que tratem de currículos, conteúdos programáticos, metodologias de ensino ou modos de exercício da atividade docente. Esses temas são de competência privativa da União, porque devem ter tratamento uniforme em todo o país.
A Corte Suprema não discutiu o mérito da questão, ou seja, ainda não ingressou no debate acerca da validade ou não do uso da “linguagem não binária”. Isso só deve ocorrer se a União editar lei versando sobre o tema.
O artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal, estabelece que compete privativamente à União editar normas sobre as diretrizes e bases da educação nacional.
Já o art. 24, inciso IX, define competência concorrente para a União, Estados e Distrito Federal legislarem sobre educação, cultura e ensino. Contudo, cabe à União editar normas gerais e aos Estados editarem normas suplementares (artigo 24, §2º).
Com fundamento nessas competências, a União editou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394/1996) que trata de currículos, conteúdos programáticos, metodologia de ensino ou modo de exercício da atividade docente.
Cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios editarem normas suplementares que não conflitem com a LDB.
Não obstante, a referida lei geral é muito clara ao exigir o uso da língua portuguesa nas instituições de educação no país e é evidente que a língua portuguesa não envolve a utilização de expressões “não binárias”.
Portanto, o STF parece ignorar que a legislação editada pela União já trata do assunto ao exigir o uso da língua portuguesa, de maneira que os Estados e Municípios que editaram normas proibindo o uso da “linguagem neutra” apenas estão seguindo o que determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – o uso da língua portuguesa.
Outras decisões
Vale ressaltar que o STF já havia proferido decisões com o mesmo teor. Na ADI 7019, o Plenário da Corte declarou inconstitucional uma Lei do Estado de Rondônia que proibia “linguagem neutra” em instituições de ensino e em editais de concurso público.
A decisão unânime, de relatoria do Ministro Edson Fachin, entendeu que a norma violou a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre diretrizes e bases da educação. A Corte Suprema entende que a matéria deve ter tratamento uniforme para todo o Brasil em lei nacional.
Linguagem neutra – O mérito da questão
A linguagem neutra é uma forma de comunicação que busca adotar termos neutros no lugar de expressões femininas ou masculinas (por exemplo, artigos e pronomes com marcadores de gênero).
Argumentos
As ações que objetivam invalidar as leis que proíbem o uso de “linguagem neutra” argumentam, além da violação da competência da União, que a “linguagem não binária” tem por objetivo tornar a comunicação inclusiva e evitar a discriminação de gênero e sobre outros aspectos de identidade.
Ademais, defendem que as leis proibitivas impõem censura e comprometem tanto a liberdade de expressão quanto o direito de ensinar e de aprender.
No entanto, é importante recordar que a “língua de um país é fruto de séculos de evolução e reflete, para além da própria cultura, aspectos fundamentais da estruturação lógica do pensamento do povo”.
A linguagem é o meio pelo qual a sociedade se comunica, não apenas entre si, mas com as gerações passadas e futuras. Ela forma um vínculo histórico e cultural com as gerações de um país e de outros países de Língua Portuguesa, fortalecendo o intercâmbio cultural e a difusão das criações intelectuais.
Dessa maneira, é imprescindível a preservação de um vocabulário ortográfico geral comum da língua portuguesa, sem alterações que comprometam o intercâmbio histórico, cultural e intelectual entre as gerações.
Seria impossível, para um estudante, a leitura de um livro de Machado de Assis, caso fosse ensinado por meio da “linguagem não binária” pretendida.
E nem se argumente que deve existir uma revisão da literatura histórica, com a inclusão do dialeto neutro, por promover violação da produção intelectual e artística do autor, bem como severo comprometimento do seu real conteúdo.
Transformação x preservação da linguagem
É verdade que a língua portuguesa está em constante transformação. Mas essa transformação não deve ocorrer a ponto de se perder as suas características histórico-culturais.
Nesse ponto, é preciso lembrar que a lei e as instituições precisam ser intransigentes no combate ao preconceito em qualquer forma de manifestação. Rejeitar a alteração da língua portuguesa não é o mesmo que rejeitar o combate ao preconceito e a inclusão.
Assim, a inclusão e o combate à discriminação em todas as áreas e instituições da nossa sociedade deve ocorrer por meio de políticas públicas bem planejadas de conscientização e especialmente com a sanção daqueles que manifestam discriminações de qualquer natureza.
Porém, esse combate não deve ser feito com a deterioração da linguagem. Até porque qualquer tentativa de se impor mudanças na linguagem por meio de lei ou de decreto será ineficaz, haja vista que as transformações da linguagem ocorrem por meio de um fenômeno histórico-social.
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