A nova Lei nº 14.994/24 e o Feminicídio como crime autônomo

A nova Lei nº 14.994/24 e o Feminicídio como crime autônomo

A Lei nº 14.994/24, sancionada no último dia 9 de outubro, promoveu mudanças substanciais no Código Penal, incluindo a criação do art. 121-A, que tipifica o feminicídio como crime autônomo, elevando a pena mínima para 20 anos de reclusão e a pena máxima para 40 anos.

A referida alteração legislativa marca um avanço significativo no combate à violência contra a mulher, além de destacar o reconhecimento da violência de gênero como uma questão estrutural e cultural em nossa sociedade.

Registre-se, ademais, que a alteração legislativa, em uma vertente internacional, se alinha a um compromisso firmado pelo Estado Brasileiro na denominada Convenção do Pará, que tem por finalidade prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (promulgada pelo Decreto nº 1.973 de 1996).

Antes dessa reforma, o feminicídio era tratado como uma qualificadora do homicídio. O novo artigo, por outro lado, consagra o feminicídio como um tipo penal próprio, fortalecendo a resposta punitiva estatal e alinhando a legislação brasileira aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos das mulheres, como a Convenção de Belém do Pará.

A definição de feminicídio no artigo 121-A é clara: matar uma mulher por razões da condição do sexo feminino.

Além disso, para qualificar o crime como feminicídio, a lei estabelece dois elementos centrais: a violência doméstica e familiar e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Tais critérios refletem a realidade de muitos casos de violência letal contra a mulher. Nesses casos, o agressor age movido por um sentimento de posse ou inferiorização da vítima. Isso acontece num contexto que muitas vezes reflete o machismo estrutural da nossa sociedade.

Com a nova tipificação, a pena para o feminicídio passa a ser de 20 a 40 anos de reclusão. Isso supera os limites do homicídio qualificado, cuja pena variava de 12 a 30 anos.

Assim, vejamos a redação:

Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino:

Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos.

§ 1º Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;

II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

§ 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado:

I – durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade;

II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;

III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;

IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);

V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do  art. 121 deste Código.

Coautoria

§ 3º Comunicam-se ao coautor ou partícipe as circunstâncias pessoais elementares do crime previstas no § 1º deste artigo.”

Note-se que o novo crime passa a ser a maior pena prevista na legislação penal brasileira, ultrapassando até mesmo o limite máximo de 40 anos de cumprimento de pena previsto no art. 75 do Código Penal quando incidente alguma das causas de aumento de pena a seguir mencionadas.

Causas de aumento de pena

Além da pena-base bastante acentuada, a Lei nº 14.994/2024 também introduziu causas de aumento de pena. Elas podem majorar a sanção até a metade, chegando a 60 anos de reclusão.

Entre as principais hipóteses, estão os feminicídios cometidos durante a gestação, nos três meses após o parto, ou contra mães responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência (§2º do art. 121-A).

A exposição de descendentes ou ascendentes da vítima ao crime, seja física ou virtualmente, também majora a pena (inciso I), assim como a prática do crime em descumprimento de medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha (inciso IV).

Mudanças no Código Penal e na Lei de Execução Penal

Além de criar o tipo penal autônomo de feminicídio, a Lei nº 14.994/2024 promoveu diversas alterações em outros dispositivos do Código Penal, aumentando a punição para crimes cometidos contra a mulher.

No caso do crime de lesão corporal (art. 129), a pena foi ampliada para 2 a 5 anos de reclusão, quando a violência for motivada por questões de gênero. Da mesma forma, crimes de injúria, calúnia e difamação cometidos contra mulheres passaram a ter a pena duplicada.

nova lei 14.994/2024

As mudanças demonstram a preocupação do legislador em tratar com rigor não só a violência física, mas também a violência moral e psicológica. Muitas vezes, esses são os primeiros sinais de um ciclo de violência que pode culminar no feminicídio. Ao aumentar as penas para crimes de menor gravidade, a lei busca prevenir a escalada da violência e reafirmar a proteção à dignidade da mulher.

Por sua vez, na Lei de Execução Penal, a reforma trouxe importantes avanços. Um deles é a proibição de visitas íntimas para presos condenados por crimes contra a mulher (atual redação do §2º do artigo 41 da LEP).

Outra inovação foi a determinação de que os condenados por feminicídio ou violência doméstica possam ser transferidos para estabelecimentos penais distantes da residência da vítima. Isso garante maior proteção às mulheres que denunciam seus agressores (art. 86, §4º).

Ademais, a progressão de regime também sofreu alterações, com o aumento do tempo necessário para que o condenado por feminicídio possa progredir do regime fechado para o semiaberto.

Agora, o apenado deve cumprir 55% da pena, sem direito ao livramento condicional (art. 112, inciso VI-A, da LEP – redação atual). Essa medida visa garantir que os condenados por crimes de extrema gravidade cumpram uma parcela significativa de suas penas em regime fechado, reforçando o caráter punitivo da lei.

Lei dos Crimes Hediondos

Por conseguinte, além das alterações mencionadas, a novidade legislativa ainda incluiu de forma expressa o feminicídio no rol dos crimes hediondos, previsto na Lei nº 8.072/90 (art. 1º, inciso I).

Embora o feminicídio já fosse tratado como hediondo de forma implícita, por ser até então uma qualificadora do homicídio (homicídio qualificado possui previsão expressa), a Lei nº 14.994/2024 inseriu, então, de forma expressa tal delito no inciso I-B do art. 1º da lei nº 8.072/90.

Os crimes hediondos, como é sabido, possuem regime mais severo de cumprimento de pena. Nesses casos, vedam-se benefícios como anistia, graça e indulto, além de estabelecer regras mais rígidas para a progressão de regime.

A Lei nº 14.994/2024, ao transformar o feminicídio em crime autônomo e aumentar as penas para crimes cometidos contra mulheres, trazendo a maior pena dentre todos os crimes previstos no Código Penal, mostra a preocupação do legislador com a maior sanção dos crimes que envolvem a violência de gênero.

Vale destacar que, segundo as estatísticas nacionais, somente no ano de 2023, a cada 06 (seis) horas uma mulher foi vítima de feminicídio no Brasil. A estatística é assustadora e a intenção do legislador reflete a necessidade de se reprimir com maior veemência tais crimes, em uma verdadeira resposta do Poder Público a estes dados bastante alarmantes.


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