Juiz das Garantias: evolução ou retrocesso?

Juiz das Garantias: evolução ou retrocesso?

Sou o professor Allan Montoni Joos, defensor Público do Estado de Goiás, professor universitário e de pós-graduação, pós-graduado em Direito Público, autor e palestrante, e coordenador no Estratégia Carreira Jurídica.

Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: Juiz das Garantias: evolução ou retrocesso?

Conceito e fundamento legal

O denominado juiz das garantias, positivado no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.964/2019, é aquele magistrado responsável pelas decisões cautelares, pré processuais, inda na fase investigativa, distinto do juízo que irá decidir sobre o mérito da ação penal.

Nos termos do que prevê o artigo 3º-B do Código de Processo Penal (suspenso pelas ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305), o juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário. Dentre as várias atribuições previstas nos incisos I a XVIII do aludido dispositivo legal, está o controle da legalidade do auto de prisão em flagrante, a decisão sobre a eventual decretação da prisão preventiva e sobre intercepção telefônica, busca e apreensão, dentre outras diligências investigativas que demandem reserva de jurisdição.

Direito comparado

A existência do referido juízo não é novidade criada pela legislação brasileira. Pelo contrário, a figura do juiz das garantias é consagrada pelo Chile, Portugal, Paraguai, Uruguai e tantos outros países. Vale destacar, inclusive, que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), especificamente nos casos Piersack (1982) e De Cubber (1984), entendeu que o juiz com poderes investigativos é incompatível com a função de julgador, ressaltando que se o juiz realizou algum ato de investigação, não poderá, na fase processual, ser a autoridade sentenciante. Para o TEDH, a contaminação resultante de pré-juízos conduzem à falta de imparcialidade tanto objetiva, quanto subjetiva.

A imparcialidade do juiz

Os autores favoráveis à referida figura (juiz das garantias) ressaltam que pela “Teoria da Dissonância Cognitiva” o juiz que atua na fase investigativa constrói uma imagem mental dos fatos e em razão disso decidirá buscando a autoconfirmação de hipóteses, superestimando as informações anteriormente consideradas corretas e fará uma verdadeira busca seletiva de informações, em especial buscando aquelas que confirmem a hipótese previamente aceita durante as investigações. A decisão de um juiz contaminado tenderá a buscar um efeito confirmador-tranquilizador, sempre ratificando o que já foi decidido anteriormente.

ADIs em trâmite perante o STF

Após positivada a figura do juiz das garantias, foram ajuizadas as ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305 que questionam a constitucionalidade do referido instituto.

Na ADI 6298, a Associação de Magistrados do Brasil (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) alegam que a União teria ultrapassado sua competência ao impor a observância imediata do juiz das garantias no âmbito dos inquéritos policiais. Segundo as entidades, a criação de uma classe própria de juiz contraria a regra constitucional que reserva ao STF a iniciativa de lei complementar sobre o Estatuto da Magistratura.

Por sua vez, partidos políticos Podemos e Cidadania, autores da ADI 6299, alegam que a norma viola o princípio da razoável duração do processo e impõe ao Judiciário gastos obrigatórios sem nenhum estudo de impacto sobre os recursos necessários para a implantação da medida. Já PSL, autor da ADI 6300, sustenta que seria inviável a adaptação dos Tribunais para a aplicação das novas regras em 30 dias, como previsto na lei.

Na ADI 6305, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) questiona, entre outros argumentos, a regra que obriga o membro do MP a comunicar ao juiz das garantias todo inquérito ou investigação instaurada, que autoriza o juiz a determinar de ofício (sem provocação das partes) o trancamento de uma investigação. Também é objeto da ação um trecho que determina a criação de sistema de rodízios desses juízes nas comarcas onde há apenas um magistrado.

A eficácia das regras está suspensa desde janeiro de 2020, por liminar deferida pelo ministro Luiz Fux.

O julgamento das referidas ADIs foi retomado neste ano de 2023, com voto do Ministro Cristiano Zanin apresentado neste último dia 10/08/23 e com previsão de retomada para o próximo dia 16/08.

Atualmente, o placar é de 2×1 pela implementação do juiz das garantias.

Em seu voto, Zanin destaca que o juiz das garantias garante um sistema mais justo, com maior probabilidade de julgamentos imparciais. O Ministro ainda destacou que a implementação do juiz das garantias combaterá decisões injustas que acabam por refletir preconceitos raciais e sociais, ressaltando que o Brasil hoje tem a terceira maior população carcerária do mundo e que é composta majoritariamente por pessoas negras, pobres e de baixo grau de escolaridade.

As referidas ADIs contam com votos dos ministros Luiz Fux, e dias Toffoli. Para Fux, as regras que presumem a imparcialidade do juiz são inconstitucionais. Para o Ministro, a existência de estudos científicos comprovando que seres humanos desenvolvem vieses em seus processos decisórios “não autoriza a presunção generalizada de que qualquer juiz criminal do país tem tendências comportamentais típicas de favorecimento à acusação”. O referido ministro votou pela parcial procedência das mencionadas ADIs, em especial destacando que a obrigação de os Estados instalarem Varas para atuação do Juiz das Garantias com competência exclusiva para a fase do inquérito é inconstitucional. Destaca o Ministro que a União não poderia definir normas de funcionamento da justiça criminal dos demais entes federativos. Para o magistrado, “a norma geraria verdadeiro caos nas unidades judiciárias de todo o país, pois exigiria a interrupção automática de todas as ações penais em andamento, obrigando as localidades a providenciarem a substituição dos juízes nos processos de natureza criminal”[1].

Por sua vez, Toffoli, no mesmo sentido de Zanin, votou pela constitucionalidade do instituto e pela necessidade de sua implementação. O referido Ministro propôs um prazo de 12 meses para a implementação do juiz das garantias, prorrogáveis por mais 12 meses.

Conclusão

A criação do juiz das garantias no Código de Processo Penal foi uma importante inovação legislativa e tende a garantir uma atuação imparcial e eficaz do juízo que conduzirá a ação penal.

Como já indicado, a existência de um juiz que atua na fase investigativa, tendo contato com elementos informativos dotados de cautelaridade e que demandam confirmação posterior, diverso daquele que conduzirá a ação penal e decidirá, é fundamental para a garantia de um juízo imparcial e livre de pré-conceitos que maculam a decisão final, consistindo em um verdadeiro avanço legislativo.

Aguardemos a conclusão do Julgamento pelo STF com a esperança de que o juiz das garantias efetivamente será implementado em nosso ordenamento, garantindo, assim, um devido processo penal justo, imparcial e livre de preconceitos.


[1] <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=509398&ori=1> acessado em 10/08/2023.

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