Inconstitucionalidade de lei estadual que proíbe a limitação no tratamento do autismo

Inconstitucionalidade de lei estadual que proíbe a limitação no tratamento do autismo

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a lei nº 5.863/22, do Mato Grosso do Sul, que proíbe planos de saúde de limitar consultas e sessões a pessoas com transtorno do espectro autista – TEA.

Lei estadual nº 5.863/22

Art. 1º Fica proibido aos Planos de Saúde, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, limitar consultas e sessões de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicoterapia no tratamento das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

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§ 2º Consideram-se abusivas as limitações aos procedimentos descritas no caput deste artigo, sob pena de colocar em risco o desenvolvimento intelectual ou cognitivo do consumidor.
Lei estadual

Importante ressaltar que a identificação de atrasos no desenvolvimento, o diagnóstico rápido do TEA e o encaminhamento para intervenções comportamentais e apoio educacional na idade mais precoce possível pode levar a melhores resultados a longo prazo, considerando a neuroplasticidade cerebral.

O julgamento se deu na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.152. Para o relator, ministro André Mendonça, a norma estadual invadiu a competência legislativa da União ao tratar de matéria de Direito Civil e seguros.

O Supremo tem reconhecido a inconstitucionalidade formal de normas estaduais que tratem sobre a abrangência do tratamento de doenças pelos planos de saúde. Exemplo disso é a ADI 7.172, que declarou a inconstitucionalidade da Lei estadual nº 9.438/21, do Estado do Rio de Janeiro, que proibia os planos de saúde de limitar consultas e sessões a pessoas com transtorno do espectro autista – TEA.

Nesse sentido, Mendonça foi incisivo:

“O Tribunal tem reconhecido a inconstitucionalidade formal dos diplomas impugnados, por usurparem competência legislativa reservada de maneira privativa à União. Isso porque, de acordo com entendimento prevalecente, ao editar a norma sob invectiva, o Estado do Mato Grosso do Sul acabou por interferir nas relações obrigacionais estabelecidas entre os planos de saúde e seus contratantes.”

A ADI 7.152 foi proposta pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde – UNIDAS em face da lei estadual, alegando vício formal na norma por tratar de temas de direito civil e política de seguros, matérias que seriam de competência privativa da União.

A Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul alegou que a norma garantiu segurança às relações jurídicas consumeristas pactuadas com pessoas com deficiência.

O governador do Estado também argumentou que a lei foi editada com base nas competências concorrentes e comuns dos Estados para tratar da proteção e integração social das pessoas com deficiência, em conformidade com a Constituição Federal.

Análise jurídica

Competência

A Constituição Federal (CF) prevê, em seu artigo 22, I e VII, que compete privativamente à União legislar sobre direito civil e seguros.

Por outro lado, o artigo 24, XIV, da CF, aduz que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência.

CF

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

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VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

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Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

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XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;

Abrangência

A grande questão, portanto, é saber se a vedação à limitação no tratamento do autismo se configura como matéria preponderantemente de direito civil e seguros ou como norma de proteção às pessoas portadoras de deficiência.

Se você entende que a lei estadual que proíbe a limitação do tratamento do autismo trata, preponderantemente, sobre direito civil e segurosSe você entende que a lei estadual que proíbe a limitação do tratamento do autismo trata, preponderantemente, sobre proteção à pessoa portadora de deficiência
LEI LOCAL É INCONSTITUCIONALLEI LOCAL É CONSTITUCIONAL

Assim, o STF entendeu que a lei estadual estaria tratando, preponderantemente, sobre direito civil e seguro, motivo pelo qual considerou a norma inconstitucional.

O mérito da lei estadual, segundo a Suprema Corte, trata de contratos de natureza privada e de política de seguros de saúde, afastando a competência dos Estados de regular a matéria, já que essa competência legislativa é privativa da União.

Jurisprudência

A jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de que essas relações plano de saúde-usuários são regidas por contratos de natureza privada, consistindo em matéria relativa ao direito civil e à política de seguros, a qual compete à União legislar de forma privativa, nos termos dos incisos I e VII do art. 22 da Constituição da República.

DECISÕES DO STF CONSIDERANDO INCONSTITUCIONAIS LEIS ESTADUAIS QUE TRATAM DA RELAÇÃO PLANO DE SAÚDE-USUÁRIO
ADI 7.152Lei do Mato Grosso nº 5.863/2022
ADI 7.172Lei do Rio de Janeiro nº 9.438/2021
ADI 7.029Lei da Paraíba nº 11.782/2020
ADI 4.701Lei de Pernambuco nº 14.464/2011
ADI 6.441Lei do Rio de Janeiro nº 8.811/2020
ADI 6.452Lei do Espírito Santo nº 9.394/2010
ADI 7.023Lei do Rio de Janeiro nº 9.444/2021

Enfim, a lei estadual acabou por ultrapassar o escopo de proteção ao consumidor em situação de vulnerabilidade [autista], disciplinando questões de direito civil e de seguros, de competência privativa da União.

Conclusão

As regras de distribuição de competências legislativas são os alicerces, o coração do federalismo, e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito, não podendo haver ingerência de um ente sobre a esfera do outro, sob pena de risco de desmoronamento do edifício interfederativo sob o qual se erigiu a República.

O tratamento de temas do direito civil e seguros é de interesse nacional, que extrapola os limites territoriais dos Municípios ou dos Estados, motivo pelo qual o Constituinte atribuiu privativamente à União a competência para sua regulação via edição legislativa.

Logo, permitir aos entes locais tratar sobre direito civil e seguros acabaria gerando um enorme risco de insegurança jurídica e quebra da isonomia, afastando investimentos privados, aumentando a judicialização e prejudicando, no final das contas, o próprio consumidor.

Ótimo tema para provas de direito constitucional. Portanto, fique atento!


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