* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal, por meio do seu Plenário, invalidou uma lei do Estado do Rio de Janeiro que prevê o transporte gratuito de animais de suporte emocional e de serviço na cabine das aeronaves em rotas nacionais que tenham como origem ou destino o estado.
A decisão foi tomada no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 7754, apresentada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
O colegiado entendeu que, apesar dos bons propósitos, ela oferece proteção além das disposições da regulamentação federal sobre o tema.
A Lei estadual nº 10.489/2024, do Rio de Janeiro, dispõe sobre o transporte de animal de assistência emocional e animal de serviço nas cabines das aeronaves em voos operados no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, visando assegurar esse direito.
A lei entrou em vigor em 29/11/2024 e foi suspensa por liminar do ministro André Mendonça três dias antes.
Conteúdo da lei estadual
Animais de assistência emocional → São aqueles utilizados no controle e suporte de paciente psiquiátrico, conforme laudo médico psiquiatra. Dentre esses animais temos:
- Cães-guia;
- Cães-ouvintes;
- Cães de alerta; e
- Cães de serviço.
Abrangência → A lei aplica-se a todas as rotas operadas por companhias aéreas brasileiras em voos nacionais que tenham o Estado do Rio de Janeiro como origem ou destino. Em rotas internacionais, aplica-se de acordo com as regras do país de destino ou origem.
Limitações → Cada passageiro pode levar apenas um animal de assistência emocional. As companhias podem excluir animais que não possam ser facilmente acomodados, representem ameaça à saúde ou segurança, causem interrupção do serviço ou tenham entrada proibida em país estrangeiro. Répteis, aranhas e roedores não são de aceitação obrigatória.
Custos → Valores adicionais para o embarque não podem ser cobrados, exceto se o animal não puder ser acomodado debaixo ou à frente do assento (devendo ser possibilitada a compra do assento ao lado), ou em voos codeshare ou interline se houver exigência de cobrança da companhia estrangeira.
Operacional → As companhias podem limitar o número de animais na cabine, respeitando o mínimo de 2 por voo, podendo exigir aviso prévio de 48 horas.
O que alegou a parte autora da ADI?
A CNT alegou que a Lei estadual nº 10.489/2024 invade a competência privativa da União para legislar sobre direito aeronáutico, transportes, as diretrizes da política nacional de transportes e o regime de navegação aérea.
Segundo a Confederação, a lei viola os seguintes dispositivos constitucionais:
Art. 22, incisos I, IX, X e XI (Competência privativa da União para legislar sobre direito aeronáutico, diretrizes da política nacional de transportes, regime de navegação aérea e transportes);
Art. 21, incisos I, XII, alínea “c”, e XXI (Competência administrativa da União para manter relações com estados estrangeiros, explorar serviços de navegação aérea e estabelecer diretrizes para o sistema nacional de viação).
A requerente defendeu ainda que a lei, ao impor a obrigatoriedade do transporte, pode gerar riscos para a segurança das operações, a tripulação, os passageiros e os próprios animais. Argumentou que, devido à complexidade do tema, deve ser conferida deferência à opção regulatória da ANAC (Agência Reguladora especializada).
A CNT solicitou a concessão de medida cautelar em caráter liminar (dada a sua “EXCEPCIONAL URGÊNCIA”) para sustar os efeitos da lei, impedindo sua entrada em vigor, e, no mérito, a declaração de inconstitucionalidade in totum da norma.
Fundamentos do voto
O Ministro André Mendonça, relator da ADI, votou pela procedência da ação, e utilizou dos seguintes fundamentos:
1. Inconstitucionalidade formal → O relator constatou que a lei estadual visa regular o serviço de transporte aéreo nacional e internacional de passageiros, matéria cuja competência legislativa é privativamente reservada à União (Art. 22 da Constituição). Portanto, o caso se enquadra na hipótese de manifesta inconstitucionalidade formal.
2. Prevalência da regulação federal → A União já regulamentou o setor aéreo através de diversas normas, incluindo o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/1986) e a Lei nº 11.182/2005 (que criou a ANAC). A ANAC possui a competência de regular e fiscalizar os serviços aéreos, a segurança da aviação civil e a movimentação de passageiros.
3. Regulamentação existente → A ANAC já editou normas que tratam do transporte de animais (incluindo assistência emocional e serviço), como a Resolução nº 280/2013 e a Portaria nº 12.307/2023.
4. Impactos negativos → A convivência entre a regulação técnica da ANAC e a legislação fluminense geraria insegurança jurídica e notórios impactos negativos sobre o setor de transporte aéreo brasileiro. A legislação estadual, por não observar critérios técnicos da agência reguladora, representa possíveis riscos à segurança operacional das aeronaves.
5. Competência Enganosa → Embora a lei possa parecer tratar da proteção e integração social de pessoas com deficiência (competência concorrente – Art. 24, XIV), ela, na verdade, dispõe sobre direito aeronáutico e transportes, que é competência exclusiva da União.
Conceitos e limitações
O ministro André Mendonça, relator da ADI, explicou que a lei estadual trabalha com conceitos distintos (e mais restritos) do que as propostas nas normas federais (na lei estadual o animal de assistência emocional destina-se apenas a pacientes psiquiátricos, que precisam de um laudo médico que ateste a necessidade, enquanto as regras da Agência Brasileira de Aviação Civil (Anac) tratam de cão-guia e cão-guia de acompanhamento, categoria mais abrangente que se enquadra em qualquer situação de assistência especial).

Ainda segundo o relator, a lei estadual prevê disposições amplas e indeterminadas para que a empresa aérea recuse o transporte do animal, inclusive motivos operacionais. Isso aumenta o risco de insegurança e de casuísmo (as normas federais, por outro lado, têm parâmetros objetivos, relacionados principalmente à identificação do animal).
Mendonça assinalou, também, que a lei estadual permite a cobrança em determinados casos, enquanto as normas federais não permitem em nenhuma hipótese.
Outro ponto destacado diz respeito ao número de animais: a lei fluminense estabelece apenas o mínimo de dois animais por voo, permitindo, na prática, a limitações a partir desse número. As regras federais, por outro lado, não preveem quantidade mínima ou máxima de animais.
Competência
Importante ressaltar que Mendonça, relator da ação, foi vencido no ponto em que considerava que a lei estadual teria invadido a competência da União para legislar sobre transportes.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. Para ele, a norma não trata de transporte aéreo, mas de proteção e integração social das pessoas com deficiência, tema de competência concorrente dos estados e da União.
Do ponto de vista material, no entanto, o ministro Alexandre seguiu o relator, por entender que a lei estadual, ao invés de ampliar a acessibilidade, acabou por limitar direitos protetivos das pessoas com deficiência.
Animais de suporte emocional
Erika Zanoni, médica veterinária especializada em direito dos animais, esclarece que os animais de suporte emocional são aqueles que auxiliam pessoas com transtornos mentais. Eles precisam ser dóceis, de comportamento previsível e que não incomodem ou ameacem outras pessoas.
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) publicou, em agosto de 2023, a Portaria nº 12.307, que estabelece regras para o transporte aéreo de animais de estimação e de apoio emocional em voos domésticos e internacionais. O objetivo é reunir os regramentos num só dispositivo e tornar mais claras, para os consumidores, as condições e obrigações que as companhias aéreas devem seguir ao oferecer esse tipo de serviço.
Segundo o artigo 2º, I, da portaria, considera-se animal de assistência emocional “o animal de companhia, isento de agressividade, que ajuda um indivíduo a lidar com aspectos associados às condições de saúde emocional e mental, proporcionando conforto com sua presença”.
Ainda segundo a portaria, o transporte tanto de animais de estimação como de suporte emocional na cabine de passageiros seria uma mera liberalidade da companhia aérea, que poderia cobrar pelo serviço, restringi-lo ou mesmo negá-lo. Vejamos:
Portaria ANAC 12.307/2023 Art. 3º O transportador aéreo poderá ofertar o serviço de transporte de animal de estimação ou de assistência emocional na cabine de passageiros ou despachado no compartimento de bagagem e carga da aeronave, nos termos do contrato de transporte. ... Art. 5º O transportador aéreo poderá determinar o preço a ser pago por seus serviços de transporte de animais de estimação ou de assistência emocional. ... Art. 7º Mesmo nos casos em que é oferecido o serviço de que trata o art. 3º, o transportador aéreo poderá restringir a quantidade ou negar o transporte de animal de estimação ou de assistência emocional por motivo de capacidade da aeronave, incompatibilidade com o espaço disponível na cabine da aeronave ou capacidade de atendimento da tripulação da cabine nas situações de emergência ou nos casos em que haja risco à segurança das operações aéreas.
Portanto, o transporte desses animais de suporte emocional não é um direito garantido ao passageiro, mas uma opção concedida à critério da companhia aérea. Os motivos para a recursa são:
- Capacidade da aeronave;
- Incompatibilidade com o espaço disponível na cabine da aeronave;
- Capacidade de atendimento da tripulação da cabine nas situações de emergência;
- Risco à segurança das operações aéreas.
Saúde do paciente
Há estudos comprovando que esses animais de suporte emocional podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida de pacientes que sofrem com ansiedade, pânico, TDHA, hiperatividade, ou que tenham determinada deficiência.
Para a regularização do pet como animal de suporte emocional, o paciente precisa obter um laudo médico que ateste o transtorno mental e a necessidade do apoio emocional proporcionado pelo pet. Assim, o animal, que deverá ser identificado com coletes especializados para quando estiver em trabalho, poderá ser cadastrado.
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