Lei 15.280/25: o novo crime de descumprimento de medidas protetivas em crimes sexuais e a proteção processual das vítimas

Lei 15.280/25: o novo crime de descumprimento de medidas protetivas em crimes sexuais e a proteção processual das vítimas

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: a tutela processual que faltava aos crimes sexuais

A Lei 15.280/25 não se limitou ao endurecimento das penas dos crimes contra a dignidade sexual. Reconhecendo que a proteção efetiva das vítimas exige instrumentos processuais imediatos e sanções penais para seu descumprimento, o legislador criou um sistema integrado de tutela que replica, para os crimes sexuais, a bem-sucedida arquitetura protetiva da Lei Maria da Penha.

A inovação normativa tem dupla dimensão: processual e penal. No plano processual, o novo Título IX-A do Código de Processo Penal (arts. 350-A e 350-B) estabelece rol de medidas protetivas de urgência aplicáveis desde a fase investigatória. No plano penal, o art. 338-A do CPP tipifica como crime autônomo o descumprimento dessas medidas, com pena de reclusão de 2 a 5 anos.

Para candidatos a concursos jurídicos de elite, compreender a estrutura típica desse novo delito não é apenas atualização legislativa — é dominar tema que certamente será explorado em provas de segunda fase, pareceres do Ministério Público e sentenças simuladas. A análise doutrinária minuciosa do tipo penal, seus elementos objetivos e subjetivos, e sua relação com o art. 24-A da Lei Maria da Penha constituem conhecimento estratégico diferenciador.

As medidas protetivas de urgência: a dimensão processual da reforma

A Lei 15.280/25 inseriu no Código de Processo Penal o Título IX-A, criando sistema específico de medidas protetivas de urgência para vítimas de crimes contra a dignidade sexual (art. 350-A do CPP). O novo dispositivo permite ao juiz, constatada a existência de indícios da prática de crime sexual, aplicar de imediato ao investigado ou réu medidas como suspensão de porte de armas, afastamento do lar, proibição de aproximação e contato, restrição de visitas, prestação de alimentos, comparecimento a programas de recuperação, acompanhamento psicossocial e monitoração eletrônica obrigatória com dispositivo de alerta à vítima.

O art. 350-B permite ainda que o juiz, em qualquer fase da persecução penal, determine a proibição do autor de exercer atividades que envolvam contato direto com pessoas vulneráveis — medida de enorme relevância para profissionais que atuam com crianças e adolescentes. Essas medidas, embora essenciais, serão objeto de artigo específico. O presente estudo concentra-se no tipo penal criado para garantir sua efetividade: o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência.

O crime de descumprimento de medidas protetivas: estrutura normativa

Art. 338-A do CPP: "Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial pode conceder fiança. § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis."

Objetividade jurídica: o bem jurídico tutelado

O crime de descumprimento de medidas protetivas configura tipo penal complexo, com proteção simultânea de dois bens jurídicos hierarquicamente distintos:

Bem jurídico primário: a administração da justiça

O tipo visa primordialmente resguardar a autoridade das decisões judiciais e a efetividade do sistema jurisdicional. A desobediência a ordens judiciais compromete a credibilidade institucional do Poder Judiciário, minando a confiança social na capacidade estatal de fazer cumprir suas determinações. Quando decisões judiciais podem ser descumpridas impunemente, instala-se clima de insegurança jurídica que corrói os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A inserção topográfica do tipo no Código de Processo Penal (e não no Código Penal, onde estão os crimes contra a administração da justiça do Título XI) ressalta sua natureza processual, vinculando-o diretamente ao exercício da função jurisdicional na tutela de urgência.

Bem jurídico secundário: a integridade da vítima

Secundariamente, o tipo protege a integridade física, psicológica e sexual da vítima cuja proteção motivou a intervenção judicial. O descumprimento da medida protetiva coloca em risco concreto a pessoa vulnerável, potencializando sua revitimização e expondo-a a novos ataques à sua dignidade sexual.

Essa dualidade de objetos jurídicos é característica dos delitos que, embora primariamente tutelem a administração da justiça, repercutem diretamente sobre direitos individuais. A interpretação teleológica deve considerar ambas as dimensões, evitando reducionismos que enfatizem exclusivamente a tutela estatal em detrimento da proteção concreta à vítima.

Preceito primário: o núcleo típico

"Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência"

A estrutura típica é deliberadamente sintética, centrada no verbo nuclear descumprir, que exige complementação normativa pela referência ao objeto da conduta: decisão judicial concessiva de medidas protetivas previstas no art. 350-A do CPP.

Preceito secundário: a sanção penal e seus efeitos

Pena: Reclusão de 2 a 5 anos e multa

A escolha legislativa por reclusão (não detenção) revela opção político-criminal por tratamento severo, permitindo regime inicial fechado em determinadas circunstâncias e afastando benefícios aplicáveis apenas a crimes apenados com detenção.

Impacto nos institutos despenalizadores:

Acordo de Não Persecução Penal (ANPP): Inviável. Embora a pena mínima de 2 anos atenda ao requisito objetivo do art. 28-A do CPP (inferior a 4 anos), o tipo envolve crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, afastando a possibilidade de acordo, conforme o inciso IV do §2º do artigo 28-A, do CPP.

Suspensão condicional do processo: Inviável. O art. 89 da Lei 9.099/95 exige pena mínima não superior a 1 ano, requisito não satisfeito pelo tipo penal em análise.

Suspensão condicional da pena (sursis): Possível se a pena aplicada não for superior a 2 anos e presentes os demais requisitos do art. 77 do CP.

Regime inicial de cumprimento: Com pena mínima de 2 anos, o regime inicial será ordinariamente aberto para réus primários com circunstâncias judiciais favoráveis, semiaberto para reincidentes quando as circunstâncias do art. 59 do CP forem favoráveis (Súmula 269, do STJ) ou fechado para reincidentes, quando as circunstâncias do art. 59 do CP forem preponderantemente desfavoráveis (art. 33, §§ 2º e 3º do CP).

Sujeito ativo: crime comum

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa que figure como destinatário da ordem judicial protetiva. Não há exigência de qualidade ou condição especial do agente, caracterizando tipo penal de sujeito ativo indeterminado.

Tipicamente será:

  • O investigado no inquérito policial por crime sexual
  • O réu no processo penal por crime contra a dignidade sexual
  • Qualquer pessoa sobre quem recaia medida protetiva, independentemente de ter sido formalmente denunciada

🎯 Observação relevante para concursos: O § 1º do art. 338-A esclarece que a configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. Isso significa que mesmo medidas deferidas em processos de competência cível (por exemplo, ações de família envolvendo vítimas de crimes sexuais) vinculam criminalmente o destinatário.

Sujeito passivo: a dupla dimensão da ofensa

Coerentemente com a objetividade jurídica complexa, o crime apresenta dois sujeitos passivos:

Sujeito passivo primário: o Estado

Representado pelo Poder Judiciário, cuja autoridade decisória é desrespeitada pelo descumprimento da ordem protetiva. A ofensa atinge a função jurisdicional e compromete a efetividade do sistema de justiça como um todo. Não se trata de ofensa pessoal ao magistrado que proferiu a decisão, mas de lesão à função estatal de administrar justiça.

Sujeito passivo secundário: A vítima protegida

É a pessoa em cuja proteção foi deferida a medida protetiva — tipicamente a vítima do crime sexual que motivou a instauração da persecução penal. Sua integridade física, psicológica e sexual resta ameaçada ou efetivamente violada pelo descumprimento, configurando ofensa concreta a direitos fundamentais individuais.

Tipo objetivo: análise do verbo nuclear e seus elementos

O verbo “descumprir”: alcance semântico

Descumprir significa desobedecer, violar, infringir, transgredir ordem judicial específica. O verbo exige interpretação que concilie taxatividade penal com efetividade da tutela jurisdicional.

Elementos constitutivos do descumprimento:

  1. Conhecimento da decisão: O agente deve ter sido regularmente intimado da ordem judicial. Sem intimação válida, inexiste possibilidade de dolo.
  2. Compreensão do conteúdo: A decisão deve ser suficientemente clara quanto à conduta exigida ou vedada. Ordens genéricas ou ambíguas não atendem ao princípio da taxatividade.
  3. Conduta violadora: Prática efetiva de ato que contrarie o comando judicial, seja por ação (fazer o proibido) ou omissão (não fazer o determinado).

Objeto material: a decisão judicial protetiva

Requisitos cumulativos da decisão:

1. Decisão judicial válida

Deve emanar de autoridade judiciária competente, em processo regular. O § 1º esclarece que a configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz, ampliando o espectro de proteção e reconhecendo que medidas protetivas podem ser deferidas tanto em processos criminais quanto em ações cíveis conexas.

2. Conteúdo específico

A decisão deve deferir medidas protetivas de urgência previstas no art. 350-A do CPP. Esta é a delimitação normativa essencial para configuração da tipicidade. Medidas diversas, ainda que protetivas, não se subsumem ao tipo penal em análise.

3. Determinação concreta e específica

A ordem deve indicar com clareza e precisão a conduta exigida ou vedada. Exemplos de determinações concretas:

  • “Fica o réu proibido de aproximar-se da vítima em raio inferior a 500 metros”
  • “Determino o afastamento do réu do domicílio comum situado na Rua X, nº Y”
  • “Proíbo qualquer contato do investigado com a vítima por telefone, mensagens eletrônicas ou redes sociais”
  • “Determino a suspensão do porte de arma do investigado, oficiando-se à Polícia Federal”

Determinações vagas (“o réu deve manter distância da vítima”) ou genéricas (“o réu não pode importunar a vítima”) não atendem à taxatividade exigida pelo Direito Penal.

Modalidades de descumprimento: condutas típicas

Por ação (comissivas):

  • Aproximar-se da vítima em desrespeito à distância mínima fixada
  • Contactar a vítima por telefone, mensagens, redes sociais ou pessoalmente
  • Permanecer ou retornar ao domicílio após determinação de afastamento
  • Frequentar locais expressamente proibidos (escola da vítima, local de trabalho, residência de familiares)
  • Manter porte de arma após suspensão judicial

Por omissão (omissivas próprias):

  • Não comparecer aos programas de recuperação determinados judicialmente
  • Não se submeter ao acompanhamento psicossocial imposto
  • Deixar de prestar alimentos provisionais fixados na decisão protetiva
  • Não permitir a instalação de equipamento de monitoração eletrônica

Tipo subjetivo: o elemento anímico

O crime é exclusivamente doloso, não admitindo modalidade culposa. O dolo se manifesta em duas dimensões essenciais:

Elemento cognitivo (aspecto intelectual)

O agente deve ter conhecimento efetivo de dois elementos:

  1. Existência da decisão judicial: Saber que o juiz deferiu medidas protetivas contra ele
  2. Conteúdo da ordem: Compreender especificamente o que lhe é proibido fazer ou o que lhe é determinado fazer

A intimação pessoal do investigado/réu é pressuposto inafastável para configuração do elemento cognitivo. Intimação ficta, por edital, ou mera publicação no Diário Oficial sem comprovação de ciência pessoal não suprem esse requisito.

Elemento volitivo (aspecto conativo)

O agente deve querer descumprir a ordem judicial ou assumir conscientemente o risco de descumpri-la (dolo eventual). Não se exige finalidade específica além da vontade de violar o comando judicial.

Espécies de dolo aplicáveis:

Dolo direto: O agente quer descumprir a ordem. Exemplo: Após ser intimado da proibição de aproximação, dirige-se deliberadamente à residência da vítima.

Dolo eventual: O agente não quer necessariamente descumprir, mas assume o risco de fazê-lo. Exemplo: Após ser proibido de frequentar determinado bairro, vai a local próximo sabendo que pode encontrar a vítima, assumindo esse risco.

Erro sobre elementos do tipo

Erro de tipo essencial (art. 20 do CP):

Erro escusável: Exclui dolo e culpa, afastando a tipicidade. Exemplos:

  • Agente não foi regularmente intimado da decisão (erro sobre a existência)
  • Ordem judicial redigida de forma ambígua gera dúvida razoável sobre seu alcance (erro sobre o conteúdo)
  • Terceiro informa incorretamente que a medida foi revogada (erro provocado)

Erro inescusável: Exclui o dolo, mas permite responsabilização culposa se houver previsão legal — o que não ocorre neste tipo penal. Portanto, mesmo erro inescusável afasta a punibilidade.

Consumação e tentativa

Consumação

vítimas

O crime se consuma com o efetivo descumprimento da medida protetiva, independentemente de resultado naturalístico. Trata-se de crime formal ou de mera conduta, que se aperfeiçoa com a prática do ato violador da ordem judicial.

Momento consumativo específico por tipo de conduta:

Proibição de aproximação: No instante em que o agente ingressa no raio de distância proibido. Não é necessário contato físico com a vítima.

Proibição de contato: Na realização da tentativa de contato, mesmo que a vítima não atenda telefone ou não leia mensagem. O crime se consuma com o ato de discar, enviar mensagem ou tentar qualquer comunicação.

Afastamento do lar: Com a permanência ou retorno ao domicílio após intimação da ordem. Trata-se de crime permanente — a consumação se protrai enquanto perdurar a situação de descumprimento.

Obrigação de comparecimento: Com o não comparecimento na data, horário e local determinados para programa de recuperação ou acompanhamento.

Crime instantâneo, permanente ou continuado?

Instantâneo de efeitos permanentes: Aproximação pontual da vítima — consuma-se no momento do ingresso no raio proibido.

Permanente: Permanência no domicílio após ordem de afastamento — a consumação se protrai no tempo, cessando apenas com o cumprimento tardio.

Continuado (possível): Múltiplas violações da mesma ordem protetiva, nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, podem configurar continuidade delitiva (art. 71 do CP), com exasperação da pena.

Tentativa

A forma tentada é admissível, embora de configuração prática menos frequente que a consumação.

Fiança: restrição à competência da autoridade policial

O § 2º do art. 338-A estabelece exceção importante ao regime geral de arbitramento de fiança:

"Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial pode conceder fiança."

Regime geral de fiança (art. 322 do CPP)

Pela regra ordinária, nos crimes com pena privativa de liberdade máxima não superior a 4 anos, a autoridade policial pode conceder fiança diretamente no auto de prisão em flagrante.

Como o art. 338-A prevê pena máxima de 5 anos (reclusão), não haveria possibilidade de fiança policial mesmo pelo regime geral. Mas o legislador quis reforçar a vedação, garantindo que até mesmo em reformas legislativas futuras que alterem os patamares de fiança policial, este crime permanecerá sob análise exclusivamente judicial.

Consequências práticas para a autoridade policial:

  • Lavrar o auto de prisão em flagrante sem arbitrar fiança
  • Constar expressamente que a competência para fiança é exclusiva da autoridade judicial (art. 338-A, § 2º, do CPP)
  • Encaminhar o preso para audiência de custódia em até 24 horas

Aplicabilidade exclusiva: medidas do art. 350-A do CPP

O tipo penal do art. 338-A apresenta âmbito de incidência específico e delimitado: aplica-se exclusivamente ao descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas no art. 350-A do CPP, instituídas pela Lei 15.280/25 para proteção de vítimas de crimes contra a dignidade sexual.

Critério diferenciador essencial: A natureza do crime que motivou a medida protetiva determina qual tipo penal se aplica ao descumprimento.

O princípio da especialidade e a relação com a Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) prevê tipo penal específico para descumprimento de suas medidas protetivas, recentemente equiparado em gravidade ao art. 338-A:

Art. 24-A da Lei 11.340/06: "Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa."

A coexistência de dois tipos penais com penas idênticas exige solução dogmática pelo princípio da especialidade no conflito aparente de normas. A identidade sancionatória revela opção legislativa deliberada: equiparar a gravidade do descumprimento de medidas protetivas tanto no contexto de violência doméstica quanto no contexto de crimes sexuais.

Quadro comparativo: art. 338-A do CPP × art. 24-A da Lei Maria da Penha

ElementoArt. 338-A do CPPArt. 24-A da Lei 11.340/06
M.P.U. protegidaArt. 350-A do CPPArt. 22 da Lei 11.340/06
Contexto fáticoCrimes contra dignidade sexualViolência doméstica/familiar contra mulher
Objeto de proteçãoVítimas de crimes sexuais (qualquer gênero)Mulher em situação de violência doméstica
Tipo de penaReclusãoReclusão
Quantum2 a 5 anos + multa2 a 5 anos + multa
FiançaExclusiva do juiz (§ 2º)Regime geral do CPP*
ANPPInviávelInviável
Sursis processualInviávelInviável

📌 Observação: Embora o art. 24-A não contenha dispositivo expresso sobre fiança, a Lei Maria da Penha contém outras restrições processuais que podem limitar a concessão de liberdade provisória.

Critérios de aplicação: evitando bis in idem

Situação 1: crime sexual COM violência doméstica

Exemplo: Marido pratica estupro contra esposa no contexto de violência doméstica. Juiz defere medidas protetivas de afastamento do lar com base no art. 22 da Lei Maria da Penha. Marido descumpre e retorna ao domicílio.

Tipo penal aplicável: Art. 24-A da Lei Maria da Penha

Fundamento: Quando a medida protetiva é deferida com fundamento no art. 22 da Lei 11.340/06, aplica-se o tipo penal correspondente (art. 24-A), ainda que o crime subjacente seja sexual. A Lei Maria da Penha constitui diploma especial voltado à tutela específica da mulher vítima de violência no âmbito das relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto.

Situação 2: crime sexual SEM violência doméstica

Exemplo: Professor pratica estupro de vulnerável contra aluno de 12 anos. Juiz defere medidas protetivas com base no art. 350-A do CPP, proibindo aproximação da criança e suspendendo porte de arma. Professor descumpre e tenta contato com a vítima na escola.

Tipo penal aplicável: Art. 338-A do CPP

Fundamento: Não há relação doméstica, familiar ou íntima de afeto. A medida protetiva foi deferida exclusivamente no contexto do crime sexual previsto no art. 350-A do CPP, aplicando-se o tipo penal correspondente.

Exemplo: Pai pratica estupro de vulnerável contra filha de 10 anos. O caso envolve simultaneamente crime sexual e violência doméstica/familiar. O juiz pode deferir medidas protetivas com base no art. 22 da Lei Maria da Penha OU no art. 350-A do CPP.

Tipo penal aplicável: Depende do fundamento legal explicitado na decisão judicial

Se a decisão fundamentar-se no art. 22 da Lei Maria da Penha: Aplica-se o art. 24-A da Lei 11.340/06

Se a decisão fundamentar-se no art. 350-A do CPP: Aplica-se o art. 338-A do CPP

Critério decisivo: O que determina qual tipo penal incide não é exclusivamente o contexto fático, mas sim qual dispositivo legal a autoridade judicial invocou como fundamento para deferir a medida protetiva descumprida. Esta é a chave interpretativa que resolve o conflito aparente de normas.

Posicionamento técnico para concursos

Regra prática: Identifique o fundamento normativo da medida protetiva na decisão judicial:

  • Decisão baseada no art. 350-A do CPP → Crime do art. 338-A do CPP
  • Decisão baseada no art. 22 da Lei Maria da Penha → Crime do art. 24-A da Lei 11.340/06

Impossibilidade de concurso de crimes: Os tipos não concorrem materialmente. Trata-se de conflito aparente de normas resolvido pelo princípio da especialidade. Um único descumprimento não pode configurar simultaneamente ambos os crimes — aplica-se apenas o tipo penal correspondente ao fundamento legal da medida descumprida.

Vantagem da equiparação sancionatória: Como as penas são idênticas (reclusão de 2 a 5 anos), eventual erro na identificação do tipo penal aplicável não gera prejuízo concreto ao réu, reduzindo discussões recursais sobre nulidades e respeitando o princípio da consunção.

Como isso cai em prova: questão simulada comentada

(FCC/Concurso Hipotético - Defensoria Pública) Marcos, investigado pela prática do crime de estupro de vulnerável contra sua enteada de 13 anos, foi intimado de decisão judicial que, com fundamento no art. 350-A do CPP, deferiu medidas protetivas de urgência determinando seu afastamento do lar, proibição de aproximação em raio inferior a 300 metros e suspensão de porte de arma. Três dias após a intimação, Marcos retornou ao domicílio comum e foi preso em flagrante. Na delegacia, o delegado arbitrou fiança no valor de 5 salários mínimos, determinando a liberação de Marcos mediante pagamento.

Diante da situação hipotética, assinale a alternativa correta:

(A) O arbitramento de fiança pela autoridade policial foi correto, pois o crime do art. 338-A possui pena máxima de 5 anos, enquadrando-se na competência policial do art. 322 do CPP.

(B) O delegado agiu corretamente ao arbitrar fiança, pois se trata de crime de menor potencial ofensivo, aplicando-se o rito da Lei 9.099/95.

(C) O arbitramento de fiança foi ilegal, pois o § 2º do art. 338-A estabelece que, na hipótese de prisão em flagrante por descumprimento de medida protetiva, apenas a autoridade judicial pode conceder fiança.

(D) O crime praticado por Marcos é o previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, pois houve violência no contexto de relação familiar, sendo correta a fiança policial.

(E) Não há crime no caso concreto, pois Marcos apenas retornou à sua própria residência, sendo desproporcional a imposição de afastamento do lar.

GABARITO: Alternativa (C)

Explicações

Alternativa correta (C): O § 2º do art. 338-A do CPP estabelece expressamente que “na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial pode conceder fiança”. Trata-se de exceção ao regime geral do art. 322 do CPP, que centraliza na autoridade judicial a competência para análise da fiança em crimes de descumprimento de medidas protetivas de urgência relacionadas a crimes sexuais. O delegado deveria ter lavrado o auto de prisão em flagrante sem arbitrar fiança e encaminhado o preso para audiência de custódia.

Alternativa (A): Embora a pena máxima seja de 5 anos, o § 2º do art. 338-A afasta expressamente a competência policial para fiança neste crime específico, independentemente da pena cominada. A competência é exclusivamente judicial.

Alternativa (B): O crime não é de menor potencial ofensivo. A Lei 9.099/95 define como infrações de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima não superior a 2 anos (art. 61). O art. 338-A prevê pena máxima de 5 anos, afastando o rito especial dos Juizados.

Alternativa (D): Aplica-se o art. 338-A do CPP (não o art. 24-A da Lei Maria da Penha) porque a medida protetiva foi expressamente deferida com fundamento no art. 350-A do CPP, no contexto específico de crime contra a dignidade sexual. O critério decisivo é o fundamento legal da medida descumprida, não apenas o contexto familiar. Além disso, ambos os tipos têm a mesma pena (reclusão de 2 a 5 anos), mas o art. 338-A contém restrição expressa à fiança policial.

Alternativa (E): A conduta de Marcos configura crime típico. O retorno ao domicílio em descumprimento de ordem judicial protetiva viola simultaneamente a administração da justiça e a integridade da vítima vulnerável. A proporcionalidade da medida de afastamento não é analisada pelo agente, mas sim pelo juiz que a deferiu, vinculando criminalmente seu destinatário.

Fechamento estratégico: o que memorizar para a prova

A criação do art. 338-A do CPP representa consolidação do sistema protetivo de vítimas de crimes sexuais, equiparando-o à estrutura da Lei Maria da Penha. Para fins de concurso, cinco conclusões estratégicas devem ser fixadas:

1. Equiparação sancionatória total: O art. 338-A do CPP e o art. 24-A da Lei Maria da Penha preveem penas idênticas (reclusão de 2 a 5 anos e multa), revelando opção legislativa por proteção isonômica de vítimas de crimes sexuais e de violência doméstica. Ambos vedam ANPP e sursis processual.

2. Bem jurídico complexo: Proteção primária da administração da justiça e secundária da integridade da vítima. Não se trata de crime exclusivamente contra a administração pública — há dimensão protetiva individual essencial.

3. Fiança exclusivamente judicial: O § 2º do art. 338-A veda o arbitramento policial de fiança, exigindo apresentação do preso à autoridade judicial em audiência de custódia para análise das condições de liberdade provisória. Esta é regra expressa no CPP, enquanto na Lei Maria da Penha decorre do sistema protetivo geral.

4. Princípio da especialidade — Critério do fundamento legal: O art. 338-A aplica-se quando a medida descumprida foi deferida com base no art. 350-A do CPP (crimes sexuais); o art. 24-A da Lei Maria da Penha aplica-se quando a medida foi deferida com base no art. 22 da Lei 11.340/06 (violência doméstica). O critério diferenciador não é apenas o contexto fático, mas o fundamento legal explicitado na decisão judicial.

5. Crime doloso formal: Consuma-se com o efetivo descumprimento, independentemente de dano à vítima. Exige-se dolo (conhecimento da ordem + vontade de descumprir), sendo essencial a intimação pessoal válida. Tentativa admissível, mas rara na prática.

🎯 Dica de ouro para a prova: A equiparação das penas entre art. 338-A do CPP e art. 24-A da Lei Maria da Penha é atualização legislativa recente que certamente será explorada. Questões tentarão confundir os candidatos sugerindo que um crime é mais grave que o outro — mas ambos têm exatamente a mesma pena. O diferencial está no fundamento legal da medida protetiva descumprida: se art. 350-A do CPP → crime do art. 338-A; se art. 22 da Lei Maria da Penha → crime do art. 24-A. Memorize: o fundamento legal da decisão judicial determina o tipo penal aplicável, não apenas o contexto dos fatos. Além disso, atenção especial à vedação expressa da fiança policial no § 2º do art. 338-A — pegadinha clássica em questões sobre prisão em flagrante.

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