* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua 1ª Seção, acolheu embargos de declaração para conceder o benefício da justiça gratuita a desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ/DFT).
A concessão do benefício da assistência judiciária gratuita ocorreu em uma ação rescisória ajuizada contra a União, cujo valor da causa ultrapassa R$ 2,18 milhões.
O desembargador do TJ/DFT foi instado ao pagamento de 5% do valor da causa (requisito da inicial da ação rescisória). Isso equivalia, à época, a R$ 125 mil.

O magistrado argumentou que não dispõe de recursos suficientes para arcar com esse custo sem comprometer o sustento de sua família. Justificou ainda que é pai de cinco filhos (alguns deles em universidades particulares, incluindo uma estudante de Medicina) e conta com empréstimos consignados que ultrapassam R$ 300 mil.
A 1ª Seção do STJ já havia negado a justiça gratuita ao desembargador, seguindo o voto do ministro relator, Herman Benjamin. De acordo com o ministro, não restou comprovada a hipossuficiência econômica do magistrado.
Dados apresentados pela União demonstraram que o magistrado teve rendimento líquido de cerca de R$ 260 mil em 2010, era proprietário de um sítio de 30 alqueires, possuía veículos como uma Pajero TR4 e um Kia Sorento, além de ser representado por “um dos mais renomados escritórios de advocacia do Brasil”.
O desembargador, não concordando com a decisão, embargou de declaração, e obteve sucesso no recurso.
O ministro Francisco Falcão destacou que o valor exigido como condição para o exercício do direito de defesa, mesmo para aqueles que têm condição econômica estável, tem o condão de implicar gravemente na substância e na manutenção do próprio autor e dos seus familiares.
O ministro Falcão considerou, ademais, que a análise do pedido deve considerar as reais condições econômicas e financeiras do magistrado. Assim, resta-se evidente a possibilidade de comprometimento do sustento familiar no caso.
Já o ministro Afrânio Vilela disparou: “Se for fazer o depósito de 5% que a rescisória exige, acredito que ele teria que ficar pelo menos uns 10 anos ou mais economizando para poder cumprir com essa obrigação”.
Análise jurídica
Depósito do valor da causa
Na ação rescisória, o depósito de 5% do valor da causa é um requisito essencial, que se converte em multa caso a ação seja, por unanimidade, declarada inadmissível ou improcedente.
O valor da causa para o cálculo do depósito é o valor da ação originária rescindenda, corrigido monetariamente, ou o benefício econômico pretendido, se houver discrepância.
Em caso de ausência do depósito, a consequência é o indeferimento da petição inicial da rescisória.
Depósito em dinheiro
Esse depósito, que está previsto no art. 968, II, do CPC, deve ser feito em dinheiro, e não pode ser dispensado, exceto para quem possui o benefício da justiça gratuita.
CPC
Art. 968. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 319 , devendo o autor:
I - cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento do processo;
II - depositar a importância de cinco por cento sobre o valor da causa, que se converterá em multa caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente.
§ 1º Não se aplica o disposto no inciso II à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às suas respectivas autarquias e fundações de direito público, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e aos que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça.
§ 2º O depósito previsto no inciso II do caput deste artigo não será superior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
§ 3º Além dos casos previstos no art. 330 , a petição inicial será indeferida quando não efetuado o depósito exigido pelo inciso II do caput deste artigo.
O STJ tem entendimento pacificado de que o depósito prévio, na ação rescisória, deve ser feito em dinheiro, sob pena de indeferimento da petição inicial.
Para o relator do REsp 1.871.477, ministro Marco Buzzi, a intenção do legislador, ao utilizar o termo “depositar”, foi restringir a exigência ao depósito em dinheiro, pois, caso contrário, teria empregado outros termos – como fez, por exemplo, no art. 919, parágrafo 1º, do CPC.
Nesse tipo específico de ação – ação rescisória –, considerando a necessidade de preservar a segurança jurídica, “mostra-se imperiosa a interpretação restritiva do dispositivo cuja aplicação se dá em caráter excepcional“.
E completou Buzzi:
“A admissão de meios alternativos deturparia o objetivo primário do preceito legal, qual seja, o desestímulo ao ajuizamento temerário e desmedido do pleito rescisório”.
Justiça gratuita
A lei nº 1.060/1950 estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, a famosa lei da assistência judiciária gratuita – AJG.
E o código de processo civil trata do pedido de justiça gratuita nos artigos 98 e 99.
A justiça gratuita, também conhecida como gratuidade de justiça, visa garantir o acesso à justiça a todos, especialmente aqueles que não possuem recursos financeiros para arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios. Assegura, portanto, que o direito de ação não seja prejudicado pela falta de recursos, permitindo que qualquer pessoa possa buscar seus direitos perante o Poder Judiciário.
Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias. A gratuidade da justiça compreende:
I - as taxas ou as custas judiciais;
II - os selos postais;
III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, que ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais a ele impostas.
A AJG volta-se para aqueles que não podem pagar as custas processuais ou honorários sucumbenciais sem que, com isso, tenham prejuízo do sustento próprio ou da família.
A ideia é: se a parte for obrigada a pagar as custas ou os honorários sucumbenciais, ele correrá o risco de prejudicar o seu sustento ou de sua família. Para evitar esse mal maior, a lei isenta-o desse pagamento (enquanto perdurar tal condição).
É um instituto voltado para os necessitados, de fato.
Julgamento do Tema 1178
A grande questão, portanto, é saber se um desembargador, que tem uma média salarial alta, pode se enquadrar na figura do “necessitado”.
O STJ está julgando o TEMA 1178. Na oportunidade, busca-se definir se é legítima a adoção de critérios objetivos para aferição da hipossuficiência na apreciação do pedido de gratuidade de justiça formulado por pessoa natural, levando em conta as disposições dos arts. 98 e 99, § 2º, do Código de Processo Civil.
O relator, ministro Og Fernandes, votou no sentido da proibição do uso de critérios objetivos para o indeferimento imediato da gratuidade judiciária solicitada por pessoa natural. Ele propôs a seguinte tese:
1. É vedado o uso de critérios objetivos para o indeferimento imediato da gratuidade judiciária requerida por pessoa natural.
2. Verificada a existência nos autos de elementos aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural, o juiz deverá determinar o requerente a comprovação de sua condição, indicando de modo preciso, às razões que justificam tal afastamento, nos termos do 99, parágrafo 2º, do CPC.
3. Cumprida a diligência, a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser realizada em caráter meramente suplementar e desde que não sirva como fundamento exclusivo para o indeferimento do pedido da gratuidade.
Por fim, o julgamento foi suspenso após pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. Importante acompanhar esse caso, cuja decisão terá caráter vinculante e servirá para pacificar o assunto.
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