* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça, através da Segunda Seção, decidiu que é do juízo do domicílio da criança ou do adolescente a competência para julgar ação anulatória de acordo de guarda e convivência, ainda que o ato que se pretende desconstituir tenha sido praticado por juízo de outra comarca.
O colegiado se baseou em dois princípios, a saber:
Princípio da especialidade: esse princípio dita que um órgão jurisdicional possui a atribuição exclusiva para julgar certas matérias específicas, com base na natureza do direito ou do litígio em questão, evitando assim sobreposições e garantindo uma resolução mais especializada e eficiente; e
Princípio do juízo imediato: o princípio do juízo imediato estabelece que a competência para apreciar e julgar medidas, ações e procedimentos que tutelam interesses, direitos e garantias positivados no ECA determina-se pelo lugar onde a criança ou o adolescente exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária.
Os ministros entenderam que é do melhor interesse do menor que a ação se processe no foro em que ele exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária.
O caso
O caso julgado pelo STJ diz respeito a um acordo homologado judicialmente na cidade onde a família residia. Lá, ficou acertado que a criança moraria com a mãe e conviveria com o pai de forma livre.
Ao ajuizar a ação para anular a sentença homologatória do acordo e alterar os termos de convivência, o genitor alegou que a mãe tinha se mudado para outro estado sem aviso prévio, levando a criança e dificultando seu relacionamento com ela.
O conflito negativo de competência se estabeleceu entre o juízo da primeira cidade, que homologou o acordo de guarda, convivência e alimentos, e o juízo da cidade em que atualmente a criança reside com a mãe.
Análise jurídica
Proteção à criança e ao adolescente
A Constituição Federal garante, em seu artigo 227, proteção integral à criança e ao adolescente:
CF/88
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A norma infraconstitucional por excelência para a tutela dos jovens é o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90), cujo art. 7º garante à criança e ao adolescente o direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

A garantia do direito à saúde dos jovens passa, necessariamente, pela garantia da saúde mental. Ou seja, ao se conceber cuidados em saúde, deve-se considerar as dimensões biológica, psíquica e social dos indivíduos.
Importante diferenciar, do ponto de vista legal, a figura da criança e do adolescente (artigo 2º, do ECA):
- Criança → A pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos.
- Adolescente → Aquela pessoa entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.
Competência
A relatora do conflito de competência foi a ministra Nancy Andrighi. Ela afirmou que, em regra, deve-se propor a ação acessória perante o juízo competente para julgar a ação principal, conforme disposto no art. 61 do Código de Processo Civil.
CPC
Art. 61. A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal.
Entretanto, havendo mais de um juízo apto a conhecer da matéria que trata de direitos de criança ou adolescente, será competente o foro que melhor atender aos seus interesses.
Embora o código de processo civil traga como regra a competência territorial relativa, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o art. 147, incisos I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem natureza absoluta.
ECA
Art. 147. A competência será determinada:
I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.
A regra de competência do artigo 147, do ECA, por ter natureza absoluta e se basear no princípio do melhor interesse da criança, prevalece sobre as regras gerais de competência do Código de Processo Civil e permite até mesmo a mudança de competência no curso do processo, caso a criança mude de domicílio. |
O princípio do juízo imediato, que busca assegurar que a criança seja sempre processada pelo juiz que a conhece de perto e que está em contato mais direto com a sua realidade, é um dos fundamentos da competência absoluta do art. 147, do ECA.
O princípio do melhor interesse da criança também é substrato axiológico da competência absoluta vista acima, que tem como baliza o melhor interesse do menor. Assim, garante-se que o julgamento das suas demandas ocorra no local onde se possa tutelar de forma mais eficaz e ágil.
Resolução de conflitos
Andrighi ressaltou que é importante resolver os conflitos que envolvam direito da criança ou do adolescente em conformidade com os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse, e o juízo do local de residência da criança tem acesso mais fácil a ela e melhores condições de resolver questões sobre sua guarda. Ela foi incisiva:
“Logo, havendo conflito normativo entre a norma processual geral e a norma especial do ECA, a especial deverá prevalecer”.
No caso concreto, o juízo competente deve aproveitar os atos já praticados pelo outro juízo com o objetivo de finalizar o processo em tempo razoável.
Ou seja, a regra da perpetuatio jurisdictionis, estabelecida no art. 43 do CPC, cede lugar à solução que oferece tutela jurisdicional mais ágil, eficaz e segura à criança ou adolescente, permitindo, desse modo, a modificação da competência no curso do processo, sempre consideradas as peculiaridades da lide.
CPC
Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.
A perpetuatio jurisdictionis, ou perpetuação da jurisdição, é um princípio do direito processual que estabelece que a competência para julgar um processo é definida no momento em que a ação é proposta e permanece a mesma, mesmo que ocorram mudanças nas circunstâncias fáticas ou jurídicas durante o curso do processo. Ou seja, uma vez fixada a competência, ela não se altera, salvo em casos excepcionais como a supressão do órgão judiciário ou a alteração da competência absoluta. |
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