Juízes aposentados cobram “auxílio-pijama”

Juízes aposentados pressionam pelo chamado “auxílio-pijama”, um benefício polêmico que reacende debates sobre privilégios no Judiciário. Saiba mais!

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

auxílio-pijama

Entenda o que aconteceu

Magistrados aposentados da Justiça do Trabalho entraram com um pedido no Conselho Superior da Justiça de Trabalho para receberem licença compensatória, que é um direito previsto aos juízes da ativa desde 2023. 

O pedido está sendo chamado de Auxílio-pijama, já que é direcionado aos juízes aposentados.

Os magistrados inativos alegam que têm direito ao benefício em decorrência da paridade, ou seja, eles devem receber o mesmo tratamento dos magistrados da ativa, que já recebem a licença compensatória. 

A Associação Nacional de Magistrados Aposentados do Poder Judiciário da União e de Procuradores Aposentados do Ministério Público da União – ANAMPA também entrou com pedido no CSJT, argumentando que a licença compensatória detém natureza jurídica remuneratória e deveria ter sido concedida também aos aposentados.

O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, considerou que a aplicação automática às magistradas e magistrados aposentados, em análise preliminar, parece extrapolar ao decidido pelo Conselho Nacional de Justiça.

Paridade

O principal fundamento do pedido dos magistrados aposentados é a paridade constitucionalmente garantida. Vamos entender um pouco melhor.

A paridade é um direito constitucional que estende reajustes e benefícios dos ativos aos inativos. A paridade foi extinta com a EC  41/2003.

Com efeito, a EC 41/2003 extinguiu o direito à paridade dos proventos para os servidores que ingressaram no serviço público após a sua publicação, mas o garantiu aos que estavam na fruição da aposentadoria na data de sua publicação, estendendo-lhes quaisquer vantagens ou benefícios posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.

Quanto à situação dos servidores que ingressaram no serviço público antes da EC 41/2003, mas que se aposentaram após sua edição, é preciso observar a incidência das regras de transição estabelecidas pela EC 47/2005. 

Esta Emenda complementou a reforma previdenciária com efeitos retroativos à data de vigência da EC 41/2003. Nesses casos, duas situações ensejam o direito à paridade e à integralidade de vencimentos: 

  • Servidores que ingressaram, de modo geral, antes da EC 41/2003; e
  • Servidores que ingressaram antes da EC 20/1998.

Portanto, é com base na regra da paridade que os magistrados aposentados pretendem receber o auxílio-pijama, a fim de equiparar com a licença compensatória dos ativos.

Licença Compensatória

O grande desejo dos juízes aposentados é se beneficiarem da extensão da licença compensatória dos ativos. Mas o que vem a ser essa licença? Vejamos de forma mais aprofundada.

Folgas magistrados

* Ilustração feita pelo professor João Paulo Lawall Valle

Características da licença compensatória:

  • As regras detalhadas da LC variam de acordo com cada tribunal ou Ministério Público;
  • A cada 3 dias de trabalho em condições especiais (acúmulo de juízo ou acervo processual) ganha-se 1 dia de LC, até o limite de 120 ao ano;
  • O benefício pode ser convertido em pagamento ou em dias de folga;
  • Em caso de pagamento em pecúnia, o valor tem caráter indenizatório;
  • Não incide imposto de renda, contribuição previdenciária e não se submete ao teto constitucional.

Teto constitucional: limite máximo de remuneração que os agentes públicos podem receber, estabelecido pela CF/88. O objetivo é moralizar a administração pública e evitar que os servidores recebam remunerações desproporcionais ao trabalho realizado. As verbas indenizatórias, entretanto, não se submetem ao teto constitucional.

Segundo preciosa lição do professor João Paulo Lawall, a licença compensatória originou-se na Resolução nº 256/2023, do Conselho Nacional do Ministério Público, que regulamentou a cumulação de acervo processual, procedimental ou administrativo no âmbito do Ministério Público da União.

Acúmulo de acervo processual, procedimental ou administrativo(Resolução nº 256/2023 do CNMP)
I – a atuação extraordinária, segundo critérios quantitativos e qualitativos, nos feitos que tramitem nos ramos do Ministério Público da União; 
II – a cumulação de atividades administrativas e finalísticas extraordinárias, definidas nesta Resolução ou em ato do respectivo Conselho Superior; 
III – o exercício de função relevante singular, ainda que em exclusividade.

O Conselho Nacional de Justiça, então, editou e publicou a Resolução CNJ nº 528, de 20 de outubro de 2023, prevendo que os direitos e deveres validamente atribuídos aos membros da Magistratura ou do Ministério Público aplicam-se aos integrantes de ambas as carreiras, no que couber. Ou seja, houve a regulamentação da simetria constitucional entre as carreiras do Ministério Público e da Magistratura.

Neste cenário, diversos Tribunais de Justiça do país se ajustaram à Resolução do Conselho Nacional de Justiça, concedendo aos seus membros o benefício da licença, com a possibilidade de conversão em pecúnia. 

Ocorre que o fundamento do recebimento da licença compensatória é o exercício de atividades extraordinárias ou acúmulo de serviço, o que não existe para os aposentados.

Portanto, como conciliar o recebimento de uma verba paga em razão de trabalho extra para um grupo de aposentados, que não exercem mais o cargo de magistrado?

Por essa razão que o pedido dos inativos ficou conhecido como “Auxílio-pijama”.

O STF, julgando o TEMA 484 (RE nº 650.898), definiu o seguinte:

Para que se tipifique um gasto como indenizatório, não basta que a norma assim o considere. É indispensável que a dicção formal da norma guarde compatibilidade com a real natureza desse dispêndio. E indenização é conceito jurídico com alcance bem determinado na sua formulação.

Conclusão

A grande questão é saber se esse pagamento, mesmo que seja previsto em regulamento próprio, afronta ou não o princípio da moralidade administrativa.

O artigo 37, da Constituição Federal, traz uma série de princípios que devem ser observados pela Administração Pública, a exemplo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O princípio da moralidade administrativa exige que os agentes públicos atuem de maneira ética, proba, com boa-fé, sob pena de afronta à Constituição e cometimento de improbidade administrativa.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, de forma brilhante, leciona:

 “Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do Administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa”

O princípio da moralidade administrativa pode ser entendido sob três aspectos distintos¹:

Dever de atuação ética (princípio da probidade): o agente público deve ter um comportamento ético, transparente e honesto perante o administrado. Assim, o agente público não pode sonegar, violar nem prestar informações incompletas com o objetivo de enganar os administrados. Não pode um agente se utilizar do conhecimento limitado que as pessoas têm sobre a administração para obter benefícios pessoais ou prejudicar indevidamente o administrado.

Concretização dos valores consagrados na lei: o agente público não deve limitar-se à aplicação da lei, mas buscar alcançar os valores por ela consagrados. Assim, quando a Constituição institui o concurso público para possibilitar a isonomia na busca por um cargo público, o agente público que preparar um concurso dentro desses ditames (proporcionar a isonomia) estará também cumprindo o princípio da moralidade.

Observância dos costumes administrativos: a validade da conduta administrativa se vincula à observância dos costumes administrativos, ou seja, às regras que surgem informalmente no cotidiano administrativo a partir de determinadas condutas da Administração. Assim, desde que não infrinja alguma lei, as práticas administrativas realizadas reiteradamente, devem vincular a Administração, uma vez que causam no administrado um aspecto de legalidade.

A extensão do benefício aos inativos pode, portanto, ser vista como afronta ao princípio da moralidade administrativa.

Importante acompanhar a evolução do pedido de equiparação feito pelos juízes aposentados, e se eles, de fato, irão receber o auxílio-pijama.

Tema quente para provas de direito constitucional e administrativo! 

¹ https//www.jusbrasil.com.br/artigos/o-principio-da-moralidade-administrativa/433140195

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