Em dezembro de 2024, um caso ocorrido no Juizado Especial Cível de Ouro Preto/MG trouxe à tona uma importante discussão sobre os limites entre a segurança jurídica e o acesso à justiça.
O caso foi o seguinte, um paciente internado em estado grave na Santa Casa local, após ter seu pedido de transferência hospitalar impedido por questões formais relacionadas à autenticidade de sua assinatura, viu-se forçado a desistir da ação judicial que poderia garantir seu direito fundamental à saúde…
O que nos cabe analisar aqui é sobre como funciona o procedimento no juizado especial cível. É realmente necessário que a parte esteja presente pessoalmente na interposição da ação?
Primeiro, o caso concreto de maneira mais detalhada
O caso era de um paciente diabético, já tendo sofrido uma amputação e correndo risco de perder outro membro, estava internado na Santa Casa de Ouro Preto desde 18 de novembro, e necessitava urgentemente de um procedimento de revascularização que somente poderia ser realizado em Belo Horizonte.
Assim, a gravidade da situação era tal que os médicos da Santa Casa emitiram laudo alertando expressamente sobre o risco de novas amputações caso o procedimento não fosse realizado em tempo hábil.
Diante da inércia do poder público – o paciente aguardava transferência desde 26 de novembro sem qualquer resposta – a família buscou auxílio judicial.
Amparados pela Lei 9.099/95, que permite o acesso aos Juizados Especiais sem a necessidade de advogado em causas até 20 salários mínimos, protocolaram ação contra o Município de Ouro Preto e o Estado de Minas Gerais, pleiteando a transferência hospitalar.
A situação, contudo, esbarrou em um obstáculo processual.
Como o paciente estava impossibilitado de comparecer pessoalmente ao fórum devido ao seu grave estado de saúde – apresentando dificuldade para deambulação, dor intensa à claudicação e necessidade de curativo oclusivo no membro afetado – a documentação foi assinada no hospital e enviada por um representante da família.
Porém, o magistrado, ao analisar o caso, identificou divergência entre a assinatura constante nos documentos e aquela presente na CNH do autor.
Este fato, somado à informação do gerente de secretaria de que o autor não havia comparecido pessoalmente ao balcão, levou o juiz a determinar o comparecimento pessoal do paciente ao fórum no prazo de 10 dias, sob pena de extinção do processo.
A família, diante da impossibilidade física do paciente de atender à determinação judicial – fato inclusive documentado em relatório médico – optou pela desistência da ação no dia seguinte à publicação da decisão.
Qual é a real discussão? juizado especial
Veja, no seu despacho inicial, o juiz apontou “uma grande divergência entre as assinaturas lançadas pelo autor quando do ajuizamento da ação e aquela constante em sua CNH”, acrescentando ainda que o gerente da secretaria havia confirmado que o autor não compareceu pessoalmente ao balcão.
O que se percebe, é inicialmente um conflito: a necessidade de garantir a autenticidade dos atos processuais e (dúvida se realmente foi o autor que interpôs o processo) e, simultaneamente, a obrigação de assegurar o acesso à justiça, especialmente em situações emergenciais.
Como funciona o processo no Juizado Especial Cível?
Como ensina, a Lei 9.099/95, ao estabelecer o sistema dos Juizados Especiais, priorizou expressamente os princípios da simplicidade, informalidade e celeridade:
Art. 2º. "O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação"
Na verdade, os princípios não significam o abandono das garantias processuais básicas, mas sim sua flexibilização quando necessário para garantir o acesso à justiça.
E pode entrar com ações nos juizados sem advogado?
Sim!
Art. 9º: "Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória"
Isto é, nas causas de até 20 salários mínimos, não precisa de advogado. Qualquer pessoa pode chegar no Juizado e dar entrada no seu processo, inclusive oralmente.
E o que poderia ser feito no caso concreto?
Em razão da situação de urgência, no caso em análise, o magistrado poderia ter adotado medidas alternativas para verificar a autenticidade da assinatura e a real vontade do autor, sem necessariamente exigir seu comparecimento pessoal ao fórum.
Entre estas alternativas, podemos citar:
1)A realização de videoconferência com o paciente no próprio hospital
Perceba, inclusive, que poderia ser aplicado à resolução CNJ 345/2020, que instituiu o Juízo 100% Digital:
Art. 2º. As audiências e sessões no âmbito do ‘Juízo 100% Digital’ serão realizadas exclusivamente por videoconferência
(…)
§ 4º. Os atos processuais que eventualmente não puderem ser praticados por meio eletrônico ou videoconferência poderão ser realizados de modo presencial
2)O envio de oficial de justiça à unidade hospitalar para confirmar a autenticidade da assinatura
Ora, assim enuncia o CPC:
Art. 188: Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
Logo, poderia sim ser designado um oficial de justiça para colher a assinatura do paciente no hospital.
3)A aceitação de declaração médica detalhada sobre a impossibilidade de locomoção
Como se sabe, o art. 4º do CPC, afirma: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”
Em outras palavras, já que a pessoa está precisando urgentemente da tutela provisória, poderia ser solicitado apenas um laudo médico atualizado e isso seria suficiente para que afirmasse que o autor não pode assinar, ou não pode comparecer pessoalmente.
Como o tema já caiu em provas:
Prova: VUNESP – 2015 – TJ-MS – Juiz Substituto
No que se refere à intervenção do advogado nos Juizados Especiais Cíveis, é correto afirmar que:
a) nas causas de valor superior a cinco vezes o salário- mínimo, a assistência de advogado é obrigatória.
b) nas causas de valor até dez salários-mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.
c) nas causas de valor até vinte salários-mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.
d) não é obrigatória a assistência de advogado em qualquer hipótese, com fundamento no princípio da informalidade.
e) não é obrigatória a assistência de advogado em qualquer hipótese, com fundamento no princípio do acesso à justiça.
Gabarito: Letra C
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!