Esse caso bombou no “X” (antigo Twitter) e também foi noticiado no Migalhas! Trata-se de um recente despacho envolvendo o uso de um “meme” da decisão judicial pela Justiça Federal de Volta Redonda.
Perceba, o que houve foi a utilização de um meme do Homem-Aranha para ilustrar uma “confusão” no envio de ofícios durante o trâmite de uma ação de desapropriação. Isto porque, o que chamou atenção foi empregar o recurso de forma bem-humorada para explicar o equívoco, o que poderíamos chamar de visual law.
Nesse sentido, vamos fazer um cotejo se é possível utilizar esses recursos de visual law, ainda que em forma de “meme” em decisões judiciais, bem como, analisar os conflitos que possam existir.
De início, precisamos entender o que a decisão tentou explicar, bem como qual foi a consequência disso que chamou a atenção da mídia.
E qual foi o problema disso?
A situação acabou gerando um posicionamento da corregedoria do TRF da 2ª região, que recomendou aos magistrados “cautela” no uso de ferramentas de visual law.
Na última terça-feira, 21, a Corregedoria do TRF da 2ª região expediu o ofício circular 0331589, orientando os magistrados a utilizarem “com prudência e parcimônia expressões informais, referências culturais e recursos de visual law nos atos jurisdicionais“.
Embora o documento não mencione diretamente o episódio envolvendo o uso do “meme do Homem-Aranha”, enfatiza a importância de equilibrar a comunicação do Poder Judiciário.
O texto ressalta a necessidade de reduzir a formalidade excessiva, visando maior clareza e acessibilidade, mas alerta que devem ser “evitados elementos que possam suscitar dúvidas quanto à seriedade e decoro dos magistrados e serventuários da Justiça”.
O que a decisão judicial buscou explicar?
O despacho aconteceu devido a uma “série” de eventos processuais que resultou em “erro de direcionamento de documentos”.
No caso em epígrafe, temos duas varas federais envolvidas na situação: a 1ª Vara Federal de Volta Redonda, onde tramitava o processo principal, e a 3ª Vara Federal de Volta Redonda, onde estava depositada parte da indenização (R$ 123.200,00) devido a um desmembramento processual anterior.
Isto é, a ação originária é do DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. O órgão ajuizou ação de desapropriação contra os proprietários de um imóvel para viabilizar as obras de adequação do pátio ferroviário Anísio Brás, um projeto considerado de grande relevância para a região. Em julho de 2024, o juiz Federal titular concedeu liminar autorizando a posse provisória do imóvel ao DNIT.
Na decisão, o magistrado destacou que os requisitos previstos no art. 15 do decreto-lei 3.365/41 foram devidamente atendidos. Esse dispositivo estabelece que, em situações de urgência, o juiz pode autorizar a posse provisória desde que o valor da indenização seja previamente depositado.
Assim, o juiz titular da 1ª Vara Federal, determinou que se enviasse um ofício à 3ª Vara Federal solicitando a disponibilização desse valor depositado.
No entanto, aqui ocorreu o erro: o ofício, em vez de ser encaminhado para a 3ª Vara Federal (destinatário correto), acabou sendo enviado para a própria 1ª Vara Federal (remetente).
A juíza ao perceber essa situação inusitada onde a vara estava, na prática, enviando um documento para si mesma, decidiu utilizar o meme do “Spider-Man Pointing at Spider-Man” para ilustrar o equívoco.
O uso do meme
Nesse sentido, a escolha do meme foi particularmente apropriada. Isso porque, assim como na imagem onde várias versões do Homem-Aranha apontam umas para as outras em confusão, o ofício estava “apontando” para a própria vara que o emitiu, criando uma situação circular e confusa.
Em resumo, seria como se alguém enviasse uma carta para sua própria casa pedindo algo que está guardado na casa do vizinho – um erro processual que, embora simples, gerou uma situação peculiar que a magistrada decidiu abordar com bom humor através do recurso visual.
Ok, mas o que está em jogo? É possível usar visual law nas decisões judiciais?
Sim. No fundo, o episódio traz ao debate as consequências do princípio da publicidade qualificada dos atos processuais, previsto no artigo 93, IX, da Constituição Federal.
Repise, este princípio não se limita à mera disponibilização das decisões, mas abrange também a necessidade de que sejam compreensíveis pelo jurisdicionado.
Inclusive, o professor Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra “A Instrumentalidade do Processo”, já destacava que o processo deve ser um instrumento efetivo de acesso à justiça, o que inclui a compreensibilidade dos atos judiciais pelo cidadão comum.
Lado outro, a Portaria CNJ nº 351/2023 (que instituiu no Conselho Nacional de Justiça o Selo Linguagem Simples) estabelece como premissa fundamental a necessidade de as decisões “eliminar a excessiva formalidade em todas as comunicações do Poder Judiciário“.
Nesse sentido, o CNJ define linguagem simples como:
"aquela que é direta e compreensível a todos os cidadãos na produção das decisões judiciais e na comunicação geral com a sociedade".
Logo, pergunta-se: usar meme é uma linguagem simples?
Depende. Veja, de início, a decisão aparenta se alinhar com um dos critérios estabelecidos pela portaria do CNJ sobre a linguagem simples, especialmente quanto ao uso de “recursos visuais para facilitar a compreensão dos documentos e informações do Poder Judiciário” (art. 2º, IV, b).
Assim, há apoio em portaria do CNJ para usar recursos visuais, como visual law. Ok.
Entretanto, o grande desafio que temos é encontrar o ponto de equilíbrio entre a “modernização da linguagem judicial” e, por outro lado, a “preservação do decoro institucional” sob pena de se tornar uma conversa informal de WhatsApp.
Perceba que, a Corregedoria, ao emitir o ofício circular, não contradiz a política de simplificação da linguagem, mas solicita “prudência e parcimônia” na utilização do visual law, o que acaba por limitar.
É como se a Corregedoria se baseasse também na própria portaria do CNJ, em seu art. 2º, inciso I, alínea “a”, quando determina o “uso de linguagem simples e direta nos documentos judiciais, sem expressões técnicas desnecessárias“.
Pergunta-se: o uso do meme foi desnecessário?
Aí eu vou deixar com você.
O que estou querendo dizer? Veja, o texto normativo enfatiza a eliminação de tecnicismos dispensáveis (por exemplo, usar palavras em latim que poucas pessoas dominam), mas não determina que haja a incorporação indiscriminada de elementos da cultura virtual dos “memes”…
Você entendeu. No fundo, o que o ofício circular quer preservar é o decoro e a seriedade, que são características da função jurisdicional. E isso é o que preconiza a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35/79).
Portanto, o desafio reside justamente em encontrar o equilíbrio entre modernização e tradicionalismo. Bom, você o que achou? Diga aí, vá, passamos dos limites?
Fontes:
BRASIL. Portaria Nº 351 de 04 de dezembro de 2023. Institui no Conselho Nacional de Justiça o Selo Linguagem Simples. Brasília, DF: Diário da Justiça eletrônico, 2023. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5378>.
JUÍZA usa meme do Homem-Aranha e TRF recomenda cautela no visual law. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/423337/juiza-usa-meme-do-homem-aranha-e-trf-recomenda-cautela-no-visual-law>.
LEMOS, Vinicius. O ofício do TRF2… Rede social X. Disponível em: <https://twitter.com/ViniciusLemosRO/status/1881830012413944225>.
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