ITCMD-Exterior e a impossibilidade de constitucionalidade superveniente: a decisão do STF na ADI 6838/MT

ITCMD-Exterior e a impossibilidade de constitucionalidade superveniente: a decisão do STF na ADI 6838/MT

De início, vamos comentar o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal que enfrentou recentemente uma questão de direito tributário e de direito constitucional:

ITCMD-Exterior

Isto é, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6838/MT, que versava sobre a possibilidade de os Estados instituírem o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação nas hipóteses com elemento de conexão com o exterior, decidiu-se que:

Norma de Mato Grosso que criava imposto sobre doações e heranças no exterior é inconstitucional, decide STF
Plenário reafirmou entendimento de que, antes da EC 132/2023, os estados não podiam cobrar o ITCMD sem lei complementar federal

Veja, a controvérsia ganhou contornos ainda mais importante em razão do advento da Emenda Constitucional 132/2023, que modificou substancialmente o regramento constitucional sobre a matéria.

O contexto normativo

Veja, a Lei estadual 7.850/2002, do Estado de Mato Grosso, instituiu o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação nas hipóteses previstas no artigo 155, parágrafo primeiro, inciso III, da Constituição Federal, notadamente nas situações em que há elemento de conexão relevante com o exterior

Nessa linha, os dispositivos impugnados estabeleciam que o imposto seria devido quando o doador residisse ou tivesse domicílio no exterior, ou quando o de cujus possuía bens, era residente ou teve seu inventário processado fora do país, fixando critérios específicos para bens corpóreos e incorpóreos.

Assim, a Procuradoria-Geral da República, ao propor a ação direta, sustentou que a legislação estadual não poderia ter disciplinado a matéria ante a inexistência da lei complementar prevista no artigo 155, parágrafo primeiro, inciso III, da Constituição Federal.

Invocou, para tanto, o Tema 825 da Repercussão Geral, no qual o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que é vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no dispositivo constitucional sem a edição da lei complementar exigida.

Emenda 132/2023

Como se sabe, tivemos o seguinte, o STF decidiu inicialmente que o tema demandava lei complementar federal.

Depois, com a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, que introduziu o artigo 16 em suas disposições transitórias.

Assim, esse dispositivo estabeleceu que, até que lei complementar regule o disposto no artigo 155, parágrafo primeiro, inciso III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses ali tratadas competirá aos Estados conforme critérios específicos: relativamente a bens imóveis, ao Estado da situação do bem; se o doador tiver domicílio no exterior, ao Estado onde tiver domicílio o donatário; e relativamente aos bens do de cujus, ao Estado onde era domiciliado:

Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá:

I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II - se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:

a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;

b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;

III - relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal.

Logo, essa alteração constitucional suscitou divergência no julgamento da ação direta.

Por exemplo, o Ministro Relator, Nunes Marques, votou pela prejudicialidade da ação, argumentando que a modificação constitucional promovida pela Emenda 132/2023 representou alteração substancial no parâmetro constitucional de controle, observando-se mudança significativa do regramento que autorizaria as exações até que sobrevenha a cogitada lei complementar.

Dessa maneira ,para essa corrente, acompanhada pelos Ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Flávio Dino, a emenda teria retirado a inconstitucionalidade originalmente apontada.

O voto vencedor e a rejeição da constitucionalidade superveniente

Prevaleceu, contudo, o entendimento manifestado pelo Ministro Cristiano Zanin, para quem não se configurava hipótese de prejudicialidade da ação direta.

Isto porque, o Ministro fundamentou sua posição em dois pilares essenciais: a impossibilidade de constitucionalidade superveniente no ordenamento jurídico brasileiro e a necessidade de realizar dois juízos distintos quando há alteração do parâmetro de controle após o ajuizamento da ação.

Quanto ao primeiro fundamento, o Ministro Zanin invocou precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em nosso ordenamento jurídico, não se admite a figura da constitucionalidade superveniente.

Assim, mais relevante do que a atualidade do parâmetro de controle é a constatação de que a inconstitucionalidade persiste e é atual, ainda que se refira a dispositivos da Constituição Federal que não se encontram mais em vigor.

Nesse sentido, citou as ADIs 2189/PR, 6308/RR e o RE 346.084/PR, todos no sentido de rechaçar a possibilidade de que norma inconstitucional quando editada possa ter convalidação posteriormente, por alteração no texto constitucional.

Em outras palavras, o STF está dizendo, Estados vocês precisam criar novas leis para cobrar o ITCMD de doações no exterior após a EC 132/2023 para que haja a cobrança.

Ademais, conforme orientação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, nos casos de alteração do parâmetro de controle em momento posterior ao ajuizamento da ação direta, a Corte deve realizar dois juízos distintos: um primeiro juízo de compatibilidade da norma impugnada com o parâmetro constitucional vigente à época da sua edição; e uma análise de recepção ou não pelo novo parâmetro. Expressamente, afirmou-se tal entendimento na ADI 4.059, na ADI 6316/CE e na ADI 127/AL.

Precedentes

Vale ressaltar que, o Ministro Cristiano Zanin destacou que, até aquele momento, a Corte havia julgado vinte e uma ações diretas de inconstitucionalidade propostas contra leis estaduais que instituíram o ITCMD nas situações com elemento de conexão relevante com o exterior.

Nessa linha, em todos esses precedentes, o Plenário reconheceu a inconstitucionalidade das leis estaduais, sem qualquer menção à eficácia contida dessas normas ou ao emprego de técnica de decisão para relativizar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Particularmente relevante é o fato de que uma dessas ações diretas versava justamente sobre a Lei paulista 10.705/2000, a mesma que foi objeto de apreciação no Tema 825 da Repercussão Geral.

Ademais, a ADI 6.830/SP, o Plenário, por unanimidade de votos, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos que instituíram o ITCMD-Exterior, notadamente o artigo quarto da lei paulista, o mesmo preceito que, no Tema 825, considerou-se de eficácia contida.

Inclusive, essa circunstância demonstra que a jurisprudência da Corte, quando em sede de controle concentrado, não reconheceu a validade das leis estaduais condicionando sua eficácia ao advento da lei complementar, mas sim declarou sua inconstitucionalidade e consequente exclusão do ordenamento jurídico.

A natureza do artigo 16 da Emenda Constitucional 132/2023

Outro aspecto relevante abordado no voto vencedor diz respeito à natureza jurídica do artigo 16 da Emenda Constitucional 132/2023.

Nesse pensamento, o Ministro Cristiano Zanin esclareceu que os parâmetros estabelecidos por esse dispositivo para a cobrança do ITCMD-Exterior não são autoaplicáveis.

Nesse sentido, destacou que a Constituição Federal não institui tributos, mas apenas reparte, entre as pessoas jurídicas de direito público, a competência tributária, isto é, a faculdade de editar leis que criem, in abstracto, tributos.

Portanto, o artigo 16 da Emenda Constitucional 132/2023 tão somente cumpre a função que, originalmente, nos termos do artigo 155, parágrafo primeiro, inciso III, da Constituição Federal, se atribuía ao legislador complementar: o dispositivo delimita a competência do ITCMD-Exterior e evita potencial conflito federativo na instituição e cobrança do imposto.

Assim, embora seja correto afirmar que o advento dessa norma constitucional dotou os Estados e o Distrito Federal da competência tributária plena para instituir o ITCMD-Exterior, o preceito não afasta a obrigatoriedade de que os referidos entes, no exercício da competência tributária outorgada e delimitada pelo atual texto constitucional, editem novas leis para instituir a exação.

Em resumo: a solução adotada deixa claro que alterações no texto constitucional não convalidam normas que eram inconstitucionais quando editadas, sendo necessário que os entes federados, no exercício da competência que lhes foi outorgada pela Emenda Constitucional 132/2023, editem novas leis para instituir o ITCMD nas hipóteses com elemento de conexão relevante com o exterior.

Como o tema já caiu em provas

(PGE/SE, Procurador do Estado, Cespe, 2023) Em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos (ITCMD), assinale a opção correta, consideradas a CF e a jurisprudência do STF.

a) A competência para instituir e cobrar o ITCMD, considerados os bens imóveis, é do estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou naquele em que o doador tiver domicílio.

b) O texto constitucional prevê mais de uma hipótese de imunidade tributária relativa ao ITCMD, sendo uma delas a não incidência do imposto sobre as doações destinadas às instituições federais de ensino.

c) Os estados podem fazer o uso da competência legislativa plena para disciplinar a cobrança do ITCMD, nas hipóteses em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior, enquanto não editada a legislação nacional atinente às normas gerais.

d) Os estados, após deliberação em convênio, definirão as alíquotas máximas para a cobrança do ITCMD.

e) No caso de doação de bens móveis, a competência para exigir a ITCMD é do estado da situação do bem.

Gabarito: B.
(TJSC – Juiz Substituto – FGV – 2025)

Marcus, brasileiro residente e domiciliado em Frankfurt (Alemanha), em janeiro de 2025, resolveu doar um automóvel usado de sua propriedade, no valor de R$ 25.000,00, para seu pai Hermann, de 80 anos, brasileiro residente e domiciliado em Pomerode (SC). Para tanto, foi-lhes informado que teria de ser recolhido em favor do Estado de Santa Catarina (SC) o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), nos termos do previsto pela Lei Estadual nº 13.136/2004, tal como interpretada à luz da Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC nº 132/2023).

Diante desse cenário e à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre esse tema, atualmente tal recolhimento de ITCMD em favor do Estado de Santa Catarina é:

A) devido, já que, após o advento da EC nº 132/2023, passou a ser possível a cobrança, com base na Lei Estadual nº 13.136/2004, de ITCMD em doações de bens móveis de doador domiciliado no exterior a donatário residente em SC;

B) devido, pela razão de que a incidência de ITCMD em doações de bens móveis de doador domiciliado no exterior a donatário residente em SC, prevista na EC nº 132/2023, pode ser aplicada diretamente com base no texto constitucional;

C) indevido, pois tal montante goza de isenção prevista na Lei Estadual nº 13.136/2004, por não ultrapassar a quantia de R$ 30.000,00 em doações entre o mesmo doador e o mesmo donatário, nos últimos doze meses;

D) indevido, pois não subsiste na Lei Estadual nº 13.136/2004 a incidência de ITCMD em doações de bens móveis de doador domiciliado no exterior a donatário residente em SC;

E) indevido, em razão de isenção prevista na Lei Estadual nº 13.136/2004 em favor de donatários maiores de 65 anos quando o valor da doação não ultrapassar R$ 50.000,00.

Gabarito: D.

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