* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Itaipu Binacional, por sua natureza supranacional, não se submete à Lei das Estatais, limitando a aplicação de normas nacionais.
O caso que chegou ao STJ (RO 275/PR) teve origem em uma ação popular. Nela, questionava-se a nomeação de Carlos Marun, então 3º vice-presidente da comissão executiva do MDB-MS, como membro do conselho de administração da Itaipu Binacional, pelo governo brasileiro.
O autor da ação popular argumentava que a escolha do indicado deveria observar os requisitos da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), em especial no que tange à experiência técnica e sujeição à quarentena imposta a ex-dirigentes partidários.
Empresa supranacional
Tanto a União quanto a própria Itaipu contestaram a pretensão, alegando que a empresa, por sua natureza supranacional, não se submeteria à jurisdição brasileira.

A Constituição Federal, em seu art. 71, V, dispõe que a fiscalização das contas nacionais das empresas supranacionais pelo Tribunal de Contas da União depende do que for estipulado no tratado constitutivo.
CF/88
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
...
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
É exatamente essa expressão que acaba gerando grande discussão doutrinária acerca da abrangência da Lei das Estatais.
Lei das Estatais
A Lei das Estatais dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.
No caso da Itaipu Binacional, a sentença havia julgado a ação popular improcedente. Isso porque a lei 13.303/16 se aplica apenas a empresas estatais nacionais e sociedades de economia mista, não abrangendo empresas supranacionais, como a Itaipu Binacional.
- Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.
- Sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta.
A equiparação de empresa supranacional à empresa pública ou sociedade de economia mista, pelo Judiciário, por analogia, não é viável, diante do reconhecimento constitucional da categoria jurídica de empresa supranacional e das regras de direito internacional.
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Tratado de Itaipu
O relator do recurso, ministro Afrânio Vilela, observou que o caso diz respeito a ato plenipotenciário e unilateral do governo brasileiro. Assim, não se trata propriamente de ato de gestão.
Nesse caso, a incidência das leis nacionais (do Brasil e do Paraguai) depende de previsão no tratado de criação da empresa supranacional:
“Mesmo a previsão constitucional de controle externo pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sujeita a atividade fiscalizatória sobre a empresa à previsão em tratado”.
Especificamente em relação ao Tratado de Itaipu Binacional, há permissão de incidência das normas nacionais dos respectivos Estados nas relações com pessoas físicas e jurídicas neles domiciliadas (art. XIX do Tratado).
Tratado de Itaipu
Artigo XIX
O foro da ITAIPU, relativamente às pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas ou com sede no Brasil ou no Paraguai, será, respectivamente, o de Brasília e o de Assunção. Para tanto, cada Alta Parte Contratante aplicará sua própria legislação, tendo em conta as disposições do presente Tratado e de seus Anexos.
Parágrafo Único - Em se tratando de pessoas físicas ou jurídicas, domiciliadas ou com sede fora do Brasil ou do Paraguai, a ITAIPU acordará as cláusulas que regerão as relações contratuais de obras e fornecimentos.
Abstratamente, portanto, há incidência das normas brasileiras nos atos do governo brasileiro alusivos à Itaipu. Porém, especificamente a Lei das Estatais não prevê sua incidência às empresas supranacionais, condição da Itaipu Binacional.
Destacou o ministro Afrânio Vilela:
“Assim, não parece haver vedação a que a legislação brasileira disponha critérios para a nomeação, pelo governo brasileiro, para cargo de pessoal de indicação a si reservado, sem prejuízo da observação das restrições já previstas nas normas específicas da empresa.
Nada disso seria uma imposição da lei nacional à empresa, como ocorre quando se pretende a observância por ela das normas licitatórias ou de concurso público brasileiras. Uma norma desse teor se dirigiria ao ato plenipotenciário do governo brasileiro. É dizer: a lei brasileira poderia impor ao Estado brasileiro regras éticas (ou de capacidade gerencial) mais rígidas que as já estipuladas no tratado para a nomeação de seus representantes. O país estaria fazendo uma legítima opção legislativa de prévia restrição da discricionariedade de seu governante exercer seu poder de nomeação”.
A Itaipu Binacional tem natureza jurídica, conforme previsão constitucional expressa, de empresa supranacional. Assim, como a Lei n. 13.303/2016 cuida das empresas e sociedades de economia mista tipicamente nacionais, àquela não se aplica.
É pacífico no Supremo Tribunal Federal que os atos de gestão da empresa Itaipu Binacional não se sujeitam à legislação nacional. Vejamos:
ITAIPU BINACIONAL – ALIENAÇÕES E CONTRATAÇÕES – PROCESSO LICITATÓRIO – INEXIGIBILIDADE.
Não se aplica a Lei nº 8.666/1993 às alienações e às contratações de obras, serviços e bens realizadas por Itaipu Binacional (ACO 1904, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08-09-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 23-09-2020 PUBLIC 24- 09-2020).
ITAIPU BINACIONAL – CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS – CONCURSO PÚBLICO – INEXIGIBILIDADE.
Não se aplica o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal às contratações de empregados realizadas por Itaipu (ACO 1957, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08-09-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 23-09-2020 PUBLIC 24- 09-2020).
ITAIPU BINACIONAL – FISCALIZAÇÃO – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.
Eventual fiscalização pelo Tribunal de Contas da União dar-se-á nos termos acordados em instrumento firmado entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai (ACO 1905, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08-09-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 23-09-2020 PUBLIC 24-09-2020).
Em resumo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, embora, em tese, possa haver a incidência de algumas normas nacionais sobre a Itaipu Binacional, como permitido pelo próprio Estatuto de Itaipu, não se aplica a ela [Itaipu] a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), por falta de previsão legal. Isso porque referida norma aplica-se somente às empresas públicas e sociedades de economia mista.
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