* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência pacífica que permite a aplicação da técnica da inversão do ônus da prova nas ações de degradação ambiental.
Esse entendimento, inclusive, está consolidado na súmula nº 618 do STJ: “A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”.
O regime geral de distribuição da carga probatória, insculpido no artigo 373, caput, do Código de Processo Civil, indica que o ônus da prova incumbe:
- Ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
- Ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Ocorre que esse modelo é um modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais dificuldades práticas e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito.
O parágrafo primeiro do art. 373, do CPC, é claro ao dispor que nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo probatório ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
É o chamado ônus dinâmico da prova, ou distribuição dinâmica do ônus da prova.
Ônus dinâmico da prova
O ônus dinâmico da prova é um princípio do direito processual que flexibiliza a regra estática de que cada parte deve provar os fatos que constituem o seu direito. O juiz pode atribuir esse encargo de forma diversa da lei, transferindo a obrigação de provar a quem tenha mais facilidade para fazê-lo ou em casos de impossibilidade ou dificuldade excessiva para outra parte.
Essa decisão deve ser fundamentada, prévia à instrução processual e baseada em princípios como a cooperação, a igualdade e a aptidão para a produção da prova.
Ademais, importante destacar que a decisão sobre a distribuição dinâmica do ônus da prova deve ser feita preferencialmente antes da fase de instrução processual (saneamento do processo). Isso permite que a parte que recebeu o ônus tenha a oportunidade de se desincumbir dele e não seja surpreendida com uma decisão na sentença.
A distribuição dinâmica do ônus da prova se baseia em princípios fundamentais do processo civil, como a igualdade, a cooperação, a boa-fé e, principalmente, a aptidão para a produção da prova, e o grande objetivo é tornar o processo mais justo e eficaz, garantindo que o ônus probatório não recaia sobre a parte que tem grande dificuldade ou impossibilidade de produzir a prova, evitando situações de prova diabólica.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, no direito ambiental brasileiro a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo).
Princípio da precaução
O princípio da precaução visa impedir a ocorrência de danos potenciais que, de acordo com o atual estágio do conhecimento, não podem ser identificados. Portanto, ainda não há certeza científica acerca dos potenciais danos causados por uma atividade, por isso tal atividade deve ser evitada. Não confundir com o princípio da prevenção. Lá, os riscos já são conhecidos, e, portanto, podem ser evitados com a adoção de certas medidas. Aqui, como os riscos não são conhecidos, a atividade não pode ser exercida, sob pena de se colocar em perigo o meio ambiente. O princípio da precaução não deve ser visto como obstáculo ao progresso da ciência, mas sim como importante instrumento de proteção de um bem tão caro para a humanidade (meio ambiente). Aplica-se o princípio em tela às questões de engenharia genética e clonagem de seres vivos. Nada impede que, tempos depois, a ciência evolua e consiga descobrir as consequências ambientais de uma determinada atividade, momento no qual passará a ser aplicado o princípio da prevenção, e não mais o princípio da precaução. Enfim, em caso de desconhecimento científico acerca da possibilidade de uma atividade ser danosa ao meio ambiente aplica-se o princípio da precaução, e a atividade deve ser evitada. |
A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo.
Além do princípio da precaução, o STJ utiliza, também, o princípio do in dubio pro natura para justificar a inversão do ônus da prova nas ações de degradação ambiental.
Princípio in dubio pro natura
O princípio in dubio pro natura significa que, na interpretação da lei ambiental, a decisão deve ser favorável à proteção do meio ambiente e da saúde humana, priorizando a tutela ambiental quando há dúvidas ou incertezas sobre o impacto de uma ação.
Ele é derivado do princípio da precaução, e é responsável por inverter a lógica tradicional ao estabelecer que, em caso de dúvida, a responsabilidade de provar a segurança recai sobre quem realiza a atividade potencialmente perigosa, e não sobre o meio ambiente.
O princípio do in dubio pro natura está intrinsecamente ligado ao princípio da precaução, que garante a proteção contra riscos potenciais não identificados, mas que poderiam causar danos ao meio ambiente.
Mas essa possibilidade de inversão do ônus da prova no direito ambiental não é absoluta, ou seja, ela encontra limites fático-jurídicos. Vejamos.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, julgando o AgInt no AREsp 2.786.285, que a inversão do ônus da prova em ações de degradação ambiental não exime o autor de apresentar prova mínima dos fatos constitutivos de seu direito, e que cabe ao autor demonstrar a verossimilhança de suas alegações para ser cabível a inversão do ônus da prova.
O agravo interno foi interposto contra decisão que negou provimento ao agravo em recurso especial, em ação de indenização por dano ambiental movida por pescadores artesanais, em razão de vazamento de finos de carvão no Canal São Francisco, no Rio de Janeiro, causando mortandade de peixes.

O Tribunal de origem concluiu que cabe ao autor demonstrar sua condição de pescador. Dessa forma, torna-se necessário apresentar o registro de pescador profissional e a habilitação do seguro-desemprego, além de outros elementos probatórios.
A Corte Superior de Justiça decidiu, portanto, que o autor deve apresentar prova mínima dos fatos constitutivos de seu direito.
Portanto, segundo jurisprudência pacífica do STJ, "malgrado o art. 6º, VIII, do CDC preveja a inversão do ônus da prova para facilitação da defesa, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor não exime o autor do ônus de apresentar prova mínima dos fatos constitutivos de seu direito" (REsp n. 1.583.430/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 23/9/2022).
Cobrança em provas
Veja então como esse tema já foi cobrado em prova!
(Ano: 2025 Banca: CESPE / CEBRASPE Órgão: PC-CE Prova: CESPE / CEBRASPE - 2025 - PC-CE - Delegado de Polícia Civil) A inversão do ônus da prova em matéria ambiental é corolário do princípio a) da vedação ao retrocesso ambiental. b) da prevenção. c) da precaução. d) do risco integral. e) do poluidor-pagador. Gabarito: alternativa “C”.
Ótimo tema para provas de direito ambiental.
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