Injúria homofóbica como injúria racial qualificada – Jurisprudência do STF e decisões dos tribunais

Injúria homofóbica como injúria racial qualificada – Jurisprudência do STF e decisões dos tribunais

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

A câmara Criminal do TJ/PB condenou, por homofobia, um homem que chamou a própria irmã de “sapatão e chupa charque“, durante uma briga. O colegiado enquadrou a injúria homofóbica como injúria racial qualificada, seguindo jurisprudência do STF.

A vítima acabou se envolvendo em uma discussão acalorada com seu irmão devido a desavenças relacionadas ao fato dela ser adotada. Durante a briga, o acusado afirmou que filhos adotivos não têm os mesmos direitos que filhos biológicos.

Não satisfeito, o irmão continuou a discussão proferindo vários insultos, dentre eles chamou a irmã de “sapatão” e “chupa charque“, além de ameaçá-la. Preocupada com sua integridade física e moral, a vítima registrou um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia.

Em seu interrogatório, o acusado admitiu a veracidade das acusações, justificando seu comportamento como um ato de desespero.

No primeiro grau, a 1ª vara Criminal da Comarca de Campina Grande/PB julgou o caso. Lá, a condenação do acusado deu-se com base no art. 140, §3º, do Código Penal (com a redação anterior à lei nº 14.532/2023), recebendo uma pena de 1 ano e 4 meses de reclusão. Substituiu-se essa pena por duas restritivas de direitos, consistindo em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

O Tribunal de Justiça da Paraíba redimensionou (diminuiu) a pena aplicada. O desembargador Joás de Brito Pereira Filho, relator do processo, observou que a magistrada de 1º grau não aplicou a atenuante da confissão, mas considerou a agravante prevista no artigo 61, II, “e”, do Código Penal.

Destacou o relator:

“Diante da confissão do apelante, necessária se faz a compensação entre a atenuante de confissão e a agravante pelo fato do crime ter sido praticado pelo acusado contra sua própria irmã. Assim, torno a pena definitiva em 1 ano e 20 dias de reclusão, além de 24 dias-multa”.

Análise jurídica

O código penal trata do crime de injúria no artigo 140. Vejamos:

Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

...

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem:

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

(REDAÇÃO ANTERIOR A LEI Nº 14.532/2023)

É preciso destacar que o STF, no julgamento da ADO 26, entendeu que a homofobia é forma de racismo (Lei n.º 7.716/1998) e, por consequência, a injúria homofóbica passa a ser enquadrada como injúria racista qualificada por homofobia.

Entenda as diferenças entre as expressões relacionadas ao tema:

TRANSFOBIA

Injúria racial

HOMOFOBIA

Base de entendimento do STF para enquadramento da injúria racial qualificada

Segundo a Suprema Corte, o conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos.

Tal conceito resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.

O STF prosseguiu o julgamento, deixando claro que a repressão penal à homofobia não fragiliza a liberdade religiosa.

A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.

Ademais, o Supremo ressaltou que os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica.

Conclusão do STF

Em resumo, o STF decidiu, no julgamento da ADO 26:

  • Dar interpretação conforme à Constituição para enquadrar a homofobia e a transfobia nos diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89 (Lei de combate ao racismo), até que sobrevenha legislação autônoma;
  • A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, a cujos fiéis e ministros assegura-se o direito de pregar e de divulgar, livremente, o seu pensamento, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio;
  • O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+), são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.

Finalmente, foi com base nesse entendimento da Suprema Corte que o Tribunal de Justiça da Paraíba condenou o réu, equiparando a homofobia à injúria racial qualificada.

Ótimo tema para provas de direitos humanos, direito constitucional, direito penal e direito processual penal. Portanto, muita atenção!


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