Informativo 1148 do STF: ações afirmativas e cotas etárias em concursos para pessoas acima de 40 anos (ADI 4082) – Análise Jurídica

Informativo 1148 do STF: ações afirmativas e cotas etárias em concursos para pessoas acima de 40 anos (ADI 4082) – Análise Jurídica

Informativo 1148

Introdução – Informativo 1148 do STF

No informativo 1148 do STF, divulgado no dia 06/09/2024, houve uma decisão paradigmática ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.082/DF. 

Esta ação questionava a constitucionalidade da Lei Distrital nº 4.118/2008, que estabelece cotas para pessoas com mais de 40 anos tanto na Administração Pública do Distrito Federal quanto em contratos de prestação de serviços, veja o que diz o dispositivo:

Lei nº 4.118/2008 do Distrito Federal: 

“Art. 1º A Administração Direta e Indireta integrante da estrutura do Governo do Distrito Federal fica obrigada a manter no quadro de empregados no mínimo 5% (cinco por cento) de pessoas com idade acima de quarenta anos, obedecido o princípio do concurso público. 

Art. 2º Nas licitações para contratação de serviços que incluam o fornecimento de mão-de-obra, constará cláusula que assegure o mínimo de 10% (dez por cento) das vagas a pessoas com mais de quarenta anos. 

Art. 3º Terão prioridade os chefes de família com filhos menores de idade”

Ou seja, essa lei do Distrito Federal basicamente obriga o governo a garantir que, nos quadros de funcionários, pelo menos 5% sejam pessoas com mais de 40 anos, desde que tenham passado em concurso público.

Além disso, nas licitações para contratar empresas prestadoras de serviço, o governo também precisa exigir que 10% das vagas oferecidas por essas empresas sejam destinadas a pessoas acima dessa idade. 

E ainda, quem for chefe de família com filhos menores de idade tem prioridade nessas contratações

Em síntese, o motivo da lei, na exposição de motivos, é uma forma de promover mais oportunidades para pessoas mais velhas no mercado de trabalho.

Contexto da ação

É importante notar que a ação foi proposta pelo próprio governo do Distrito Federal em 2008, após a Câmara Legislativa do DF ter derrubado o veto do Poder Executivo ao projeto de lei. 

Esse fato evidencia a controvérsia inicial em torno da medida e ressalta a importância da decisão do STF em pacificar a questão.

Para ilustrar a aplicação prática dessa lei, consideremos a seguinte situação hipotética:

Suponha que a Secretaria de Educação do Distrito Federal lança um edital de concurso público para o preenchimento de 1.000 vagas de professor. Ao mesmo tempo, abre uma licitação para contratar uma empresa de serviços de limpeza para as escolas da rede pública.

Em um cenário sem a lei distrital, ambos os processos poderiam ocorrer sem qualquer consideração específica quanto à idade dos candidatos ou funcionários. 

Contudo, com a vigência da lei e a decisão favorável do STF, a situação muda. Vejamos:

No concurso público, a Secretaria deve reservar, no mínimo, 50 vagas (5% de 1.000) para candidatos com mais de 40 anos.

Na licitação para serviços de limpeza, o edital deve incluir uma cláusula exigindo que a empresa vencedora garanta que pelo menos 10% de seus funcionários alocados ao contrato tenham mais de 40 anos.

Agora, vamos entender a decisão do STF. O DF pode legislar?

De início, o ministro Edson Fachin, relator da ação, afastou o argumento do governo de que a norma invadiria competência da União para legislar sobre direito do trabalho e regras gerais de licitação. 

Este ponto é crucial e merece ser analisado à luz dos dispositivos constitucionais pertinentes:

Art. 22, I da Constituição Federal: estabelece a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho.
Art. 22, XXVII da Constituição Federal: determina a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação.

Não obstante os dispositivos acima, o Ministro entendeu que a lei distrital não invade essas competências, pois trata de política pública de pleno emprego, estando, portanto, no âmbito da competência concorrente prevista no art. 24, I (direito econômico) e IX (educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação) da Constituição Federal.

Fundamentos constitucionais e paralelismo com outras ações afirmativas

Em uma segunda análise, a Corte reconheceu que as contratações públicas podem ser um meio eficaz para fomentar diretrizes sociais e econômicas. 

O STF entendeu que a Câmara Legislativa do DF limitou-se a efetivar comandos constitucionais de proteção integral ao trabalhador e respeito à isonomia, como os previstos nos artigos 1º, IV; 3º, III; 5º, caput; 7º; e 170, VII e VIII da Constituição Federal.

Ademais, o STF considerou que a criação de reserva de vagas para uma faixa etária com dificuldades de empregabilidade está em consonância com o princípio da igualdade material. 

O ministro Fachin fez um paralelo importante ao lembrar que o STF tem validado a reserva de vagas em concursos públicos para pessoas negras em toda administração direta e indireta, como na ADC 41, que julgou constitucional a Lei 12.990/2014:

A Lei nº 12.990/2014 estabeleceu uma cota aos negros de 20% das vagas em concursos públicos realizados no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.
O STF declarou que essa Lei é constitucional e fixou a seguinte tese de julgamento:

“É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta.”
STF. Plenário. ADC 41/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/6/2017 (Info 868).

Diante do exposto, o Plenário do STF, por unanimidade, julgou a ação parcialmente procedente. 

A Corte considerou constitucional o estabelecimento das cotas, entendendo que configuram um “discrímen razoável”

Informativo 1148 do STF Interpretação conforme a Constituição “chefia da família”

Um ponto relevante da decisão foi a interpretação dada ao art. 3º da Lei 4.118/2008, que estabelece prioridade aos “chefes de família com filhos menores de idade”. 

O STF utilizou a técnica de interpretação conforme a Constituição, prevista no art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/1999, para manter a validade da norma, desde que interpretada de acordo com a Constituição.

Nesse sentido, a expressão “chefe de família” deve ser compreendida como “chefia de família”, seja ela individual ou conjunta, masculina ou feminina. 

Ou seja, é possível que a “chefia” da família seja efetivada por um homem ou uma mulher.

Essa interpretação está em consonância com o art. 226, § 5º da Constituição Federal, que estabelece que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Tabela – ações afirmativas na jurisprudência do STF/STJ

TribunalAnoTemaDecisão
ADPF 186STF2012Cotas raciais na UnBConstitucional
ADC 41STF2017Cotas raciais em concursos públicos federaisConstitucional
RE 597.285STF2012Cotas sociais e raciais na UFRGSConstitucional
ADI 5.543STF2020Doação de sangue por homens homossexuaisRestrição inconstitucional
RE 676.335STF2013Cotas para deficientes em concursos públicosConstitucional
REsp 1.132.476/PRSTJ2018Cotas para idosos em concursos públicosConstitucional
AgRg no RMS 48.988/SPSTJ2016Cotas para mulheres na Guarda CivilConstitucional
RE 1.058.333STF2018Remarcação de teste físico para grávidasConstitucional
ADI 3.330STF2012Programa Universidade para Todos (ProUni)Constitucional
ADI 5.617STF2018Cota de gênero para financiamento eleitoralConstitucional
ADI 4.082STF2024Cotas para maiores de 40 anos no DFConstitucional

Conclusão – Informativo 1148 do STF

Ao validar as cotas etárias na administração pública por concurso e em contratos de prestação de serviços, o informativo 1148 do STF reafirma a constitucionalidade de políticas de discriminação positiva, desde que baseadas em critérios razoáveis e voltadas à promoção da igualdade material.

Portanto, o julgamento abre caminho para que outros entes federativos possam implementar políticas semelhantes, adaptadas às suas realidades locais.

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