STF e o indulto no tráfico privilegiado

STF e o indulto no tráfico privilegiado

STF fixa que é constitucional conceder indulto no tráfico privilegiado, por não ser crime hediondo. Tema 1400 reafirma jurisprudência.

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De início, cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal encerrou mais um capítulo da discussão sobre clemência presidencial em matéria de drogas. 

Isto porque, no RE 1.542.482/SP, julgado em 30 de maio de 2025, o Plenário reafirmou por unanimidade que é constitucional conceder indulto a condenados por tráfico privilegiado.

A controvérsia chegou ao STF através de recurso do Ministério Público paulista contra decisão que beneficiou Vitor Fantucci de Castro, condenado por tráfico privilegiado. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo havia mantido a concessão de indulto da pena de multa, fundamentando-se no Decreto Presidencial nº 11.846/2023.

O caso que gerou a repercussão geral

O acórdão paulista que originou a controvérsia apresentava ementa muito clara sobre a questão: 

"AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL – INDULTO DA PENA DE MULTA – Tráfico privilegiado – Cabimento – Definição das hipóteses e requisitos para a concessão de tal clemência de competência privativa do Presidente da República – Preenchimento dos requisitos previstos no Decreto Presidencial nº 11.846/2023 – RECURSO NÃO PROVIDO".

Ora, o parquet paulista insurgiu-se contra essa decisão alegando violação frontal ao artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal. Segundo o Ministério Público, a Constituição veda qualquer modalidade de clemência aos condenados por tráfico de drogas, sem distinguir entre as formas simples ou privilegiada.

Veja, essa interpretação literal do texto constitucional encontrou resistência no Tribunal estadual, que seguiu orientação já consolidada pelos Tribunais Superiores sobre a possibilidade de clemência para o tráfico privilegiado.

A fundamentação constitucional segundo o Min. Barroso

O Ministro Presidente Luís Roberto Barroso construiu seu voto partindo de precedente fundamental julgado na ADI 5.874, cujo acórdão foi redigido pelo Ministro Alexandre de Moraes e julgado em 9 de maio de 2019, pois o STF já havia assentado que “compete ao Presidente da República definir a concessão ou não do indulto, bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional”.

Isso significa que o Poder Judiciário deve se limitar a analisar a constitucionalidade da concessão, respeitando a prerrogativa presidencial de estabelecer os contornos da política nacional de clemência.

Nessa perspectiva, Barroso enfatizou o ponto central da jurisprudência: “a jurisprudência do STF afirma que o tráfico de entorpecentes na forma privilegiada, previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, não tem natureza hedionda”.

Precedentes – Tráfico privilegiado

Perceba, a robustez da orientação jurisprudencial impressiona pela quantidade de precedentes citados no voto do Relator. 

Isto porque, o relator elencou decisões recentes como RE 1.531.661 (Ministra Cármen Lúcia, julgado em 18 de março de 2025), RE 1.538.585 (Ministro Cristiano Zanin, julgado em 25 de abril de 2025), além de HC 118.533 da lavra da Ministra Cármen Lúcia.

Particularmente relevante foi a citação do HC 118.533, que estabeleceu paradigma sobre a natureza não hedionda do tráfico privilegiado: 

“O tráfico de entorpecentes privilegiado não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos”.

Isto porque, conforme destacado naquele precedente, “o tratamento penal dirigido ao delito cometido sob o manto do privilégio apresenta contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa”.

Vale destacar outro julgado interessante:

É constitucional — por não configurar desvio de finalidade e por respeitar os limites formais e materiais, expressos e implícitos, da Constituição Federal de 1988 — o decreto presidencial que concede indulto natalino às pessoas condenadas por crime cuja pena privativa de liberdade máxima em abstrato não supere cinco anos e que considera, para fins da concessão do benefício, na hipótese de concurso de crimes, a pena máxima em abstrato relativa a cada infração penal individualmente.

STF. Plenário ADI 7.390/DF, Rel. Min. Flávio Dino, julgado em 24/02/2025 (Info 1166).

Interpretação sistêmica versus literalidade constitucional

Destarte, o cerne da questão reside na metodologia hermenêutica aplicada ao texto constitucional. 

Enquanto o Ministério Público defendia interpretação literal da vedação prevista no artigo 5º, XLIII, o STF manteve “a interpretação sistêmica da concessão do indulto presidencial para o crime de tráfico privilegiado, quando cumpridos todos os requisitos, por não se tratar de crime hediondo”.

Essa linha interpretativa encontra fundamento sólido na distinção qualitativa entre as modalidades de tráfico. 

Como registrou Barroso, “é certo que o inciso XLIII do art. 5º da Constituição dispõe que o crime de tráfico ilícito de drogas é insuscetível de graça ou anistia”, mas a jurisprudência do STF tem mantido interpretação que considera as especificidades do tráfico privilegiado.

Relevância prática e sistematização

Um dado que chamou atenção foi a utilização da ferramenta de inteligência artificial “VitórIA” para dimensionar a relevância da controvérsia. 

Conforme registrado pelo relator,

“já foram identificados 26 processos no STF relacionados à controvérsia sobre a constitucionalidade da concessão de indulto a condenados por crime de tráfico privilegiado”.

Essa multiplicidade de recursos evidenciou “a relevância jurídica, econômica e social da questão suscitada”, justificando plenamente a submissão ao regime de repercussão geral. 

Como consignou Barroso, tornou-se necessária “a reafirmação da jurisprudência dominante deste tribunal, com a submissão da questão à sistemática da repercussão geral”.

A tese fixada e seus impactos

Ademais, o Plenário fixou tese clara para o Tema 1.400: “É constitucional a concessão de indulto a condenado por tráfico privilegiado, uma vez que o crime não tem natureza hedionda”.

Lado outro, lembre-se:

Súmula vinculante 59:

É impositiva a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) e ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos do art. 33, § 2º, ‘c’, e do art. 44, ambos do Código Penal.

STF. Plenário. PSV 139/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/10/2023 (Info 1113).

  1. O STF decidiu que o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, ao impor o regime inicial fechado, é inconstitucional (STF. Plenário. HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27/6/2012. Info 672).

    Assim, o regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (ex: tráfico de drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser também o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b” e “c”, do Código Penal.

    Logo, o juiz poderá condenar o réu por crime hediondo ou equiparado e fixar o regime semiaberto ou aberto, desde que cumpridos os requisitos do Código Penal acima explicados.
  2. O chamado “tráfico privilegiado”, previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 não é crime equiparado a hediondo.

    O crime de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes, sendo esse o entendimento consolidado há anos:

    O chamado “tráfico privilegiado”, previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), NÃO deve ser considerado crime equiparado a hediondo.

    STF. Plenário. HC 118533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/6/2016 (Info 831).

    STJ. 3ª Seção. Pet 11796-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/11/2016 (recurso repetitivo) (Info 595).

Vale ressaltar, inclusive, que, em 2019, foi editada a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que acrescentou o § 5º ao art. 112 da LEP positivando o entendimento acima exposto:

Art. 112 (...)

§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006

Isso reforça ainda mais o constrangimento ilegal da estipulação de regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso, em especial o fechado, se ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria da pena.

Logo, o julgamento do RE 1.542.482/SP consolida entendimento que harmoniza a vedação constitucional genérica com as especificidades normativas do tráfico privilegiado, demonstrando que a interpretação sistêmica da Constituição permite soluções hermenêuticas sofisticadas para aparentes antinomias textuais.

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