Indígenas devem participar dos resultados de hidrelétrica

Indígenas devem participar dos resultados de hidrelétrica

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

O Supremo Tribunal Federal determinou que o Congresso Nacional assegure a indígenas participação em resultados de hidrelétricas localizadas em suas terras.

Mandado de Injunção n° 7490

O caso chegou à Suprema Corte por meio de um mandado de injunção (MI 7490), impetrado por associações de povos indígenas da região do Médio Xingu, no Pará.

Indígenas

As entidades afirmam que a construção e a operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte causaram mudanças significativas em seu modo de vida, além de problemas sociais, sanitários e ambientais.

Ainda de acordo com as impetrantes, não há norma que regulamente o artigo 231, §3º, da Constituição Federal. Segundo o dispositivo, o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem se efetivar com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

As associações argumentaram que, enquanto o empreendimento hidrelétrico gera lucro para a operadora (Norte Energia S.A.), os indígenas, verdadeiros donos dos rios, vivem em situação de miserabilidade, sem que haja qualquer repasse dos lucros bilionários auferidos.

Decisão do STF

O ministro Flávio Dino, relator da ação no Supremo Tribunal Federal, reconheceu, em sede de liminar, a omissão do Congresso Nacional em assegurar aos povos indígenas o direito de reparação por danos decorrentes de empreendimentos hidrelétricos em seus territórios.

Ele concedeu prazo de 24 meses para que o Legislativo regulamente artigos da Constituição Federal que lhes garantem a participação nos resultados da exploração de recursos em seus territórios.

Dino definiu, ainda, que os povos indígenas têm direito de participação nos resultados do empreendimento até que a omissão legislativa seja sanada. Ademais, deve-se aplicar essa medida a outros empreendimentos em que haja aproveitamento dos potenciais energéticos de recursos hídricos.

A falta de participação nos resultados econômicos de hidrelétricas localizadas nos territórios indígenas acaba por fragilizar a cidadania indígena.

Reconheceu-se, portanto, uma omissão legislativa de 37 anos quanto à regulamentação dos artigos 176, §1º e 231, ambos da CF.

TERMOS DA DECISÃO

1º) Enquanto pendente a lacuna legislativa, assegura-se aos indígenas, como participação nos resultados do empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, o recebimento de 100% do valor atualmente repassado à União, na forma do art. 17, § 1º, I da Lei nº 9.648/20, a título de Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH);

2º) Possibilidade de formalização de acordos entre povos indígenas, União, Estados, Municípios, empresa responsável e Ministério Público Federal para pagamento em montante superior ao percentual fixado nos autos;

3º) Enquanto pendente a regulamentação, as condições específicas para aproveitamento dos potenciais energéticos de recursos hídricos em terras indígenas e a forma de pagamento da participação dos indígenas nos resultados de tal atividade deve seguir a mesma lógica aplicável ao caso Belo Monte;

4º) A decisão não alcança o cumprimento da Constituição Federal quanto à possível lavra legal de minerais com a participação dos povos indígenas na deliberação e nos resultados;

5º) Os recursos devem ser empregados em favor dos povos indígenas, coletivamente considerados, com transparência nos processos decisórios e nas prestações de contas;

6º) A decisão não implica, por si só, a autorização para exploração de potenciais energéticos em terras indígenas. A autorização é sempre da União, por meio do poder competente, precedida de autorização do Congresso Nacional, com participação dos povos indígenas, nos termos da Convenção 169 da OIT;

7º) Fixado o prazo de 24 (vinte e quatro) meses para efetivo suprimento da mora legislativa, com a vigência do regime jurídico indicado na decisão até que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria.

Mesmo a decisão não se aplicando à atividade de mineração, Dino ressaltou que a ausência de regulamentação dos arts. 176, § 1º, e 231, da Carta Magna, favorece o garimpo ilegal, o narco garimpo e a crescente atuação de organizações criminosas, sobretudo na Amazônia, que, vinculadas ou não a poderes locais, operam o financiamento, a logística e a lavagem de dinheiro no garimpo ilegal, pressionando os territórios indígenas permanentemente.

Terras tradicionais

Vale lembrar que a garantia da participação da atividade hidrelétrica está adstrita aos indígenas que vivem nas terras onde localizada a represa.

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Portanto, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios não são apenas aquelas habitadas por eles, mas principalmente aquelas áreas necessárias para a reprodução física e cultural desses índios.

Importante frisar que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União por força do artigo 20, XI da Constituição Federal, in verbis:

CF/88

Art. 20. São bens da União:

...

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Em razão do regime dos bens públicos, referidas terras não poderão ser alienadas, penhoradas ou usucapidas.

O licenciamento de atividades ou empreendimentos localizados em terras indígenas será de competência da União, conforme determina o art. 7º, XIV, c, da LC nº 140/11, in verbis:

LC 140/11

Art. 7º São ações administrativas da União:

...

XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:

...

c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;

Aplica-se, em relação às terras indígenas, um sistema adicional e próprio de proteção legal, haja vista a especial condição dos índios em nosso país (vulnerabilidade, importância cultural etc.).

Citemos algumas implicações decorrentes desse sistema protetivo especial:

• As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. (Artigo 231, §2º da CF);

• O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. (Artigo 231, §3º, da CF);

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis. (Artigo 231, §4º da CF);

• É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. (Artigo 231, §5º da CF);

• São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. (Artigo 231, §6º da CF);

É proibido, nas terras indígenas, o exercício da atividade de garimpo por meio de cooperativas. (Artigo 231, §7º da CF).

Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito ambiental. Importante acompanhar o julgamento do MI 7490.


Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também