Imunidade dos partidos políticos? A verdade tributária da EC 133/2024 que cria uma anistia e remissão aos partidos políticos – Análise Jurídica

Imunidade dos partidos políticos? A verdade tributária da EC 133/2024 que cria uma anistia e remissão aos partidos políticos – Análise Jurídica

Introdução

A Emenda Constitucional 133/2024 introduziu mudanças significativas no tratamento tributário dos partidos políticos no Brasil.

Esta análise se concentrará nos artigos 4 a 6 da EC 133/2024, que tratam especificamente da imunidade tributária, da anistia/remissão de dívidas e do programa de regularização fiscal para os partidos políticos.

Imunidade tributária e dos partidos políticos

A imunidade tributária dos partidos políticos está originalmente prevista no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI – instituir impostos sobre:

[...]

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;"

Imunidade tributária é um conceito essencial no Direito Tributário brasileiro, profundamente enraizado nos princípios constitucionais que sustentam a ordem jurídica do país. Ela impede expressamente a criação de tributos sobre determinadas pessoas ou situações, baseando-se em um vetor axiológico que impõe a não-tributação.

Nas palavras de Leandro Paulsen,

“Imunidades são regras constitucionais que proíbem a tributação de determinadas pessoas, operações, objetos ou de outras demonstrações de riqueza, negando, portanto, competência tributária.”

De maneira simples, esta definição reflete a essência do que chamamos de “apreço constitucional”. Ou seja, a CF simplesmente diz, “olha, isso aqui eu não vou tributar – nunca-“.

A doutrina define a imunidade, principalmente, de quatro formas: 

(i) normas delimitadoras da competência tributária;  
(ii) não incidência constitucionalmente qualificada;
(iii) normas de incompetência tributária; 
(iv) normas finitas de competência tributária.

A Constituição traz normas que permitem o exercício da competência tributária, as normas permissivas, e normas que o proíbem, limitando o poder de tributar, como as imunidades, que carregam situações ou pessoas em que não se pode exercer esse poder.

Competência tributária

Trata-se, assim, de regras jurídicas proibitivas, que vedam a instituição de um tributo. São o oposto das normas permissivas de atribuição de competência, cuja função é a de justamente facultar o exercício da tributação.

Da conjunção das normas proibitivas (imunidades) com as normas permissivas é que se extrai aquilo que se chama de competência tributária, que nada mais é do que o poder de criar tributos.

Com o objetivo de facilitar a compreensão da relação entre imunidade tributária e competência tributária, pensemos no seguinte exemplo.

O artigo 155, inciso III, da Constituição Federal, faculta que os Estados Membros instituam imposto sobre propriedade de veículos automotores, navios e aeronaves (IPVA). Trata-se, assim, de uma regra permissiva.

Imunidade

Por outro lado, a alínea “a”, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal, veda que as entidades federativas instituam impostos (e também a CBS após a EC 132/2023) sobre o patrimônio, renda ou serviços uns dos outros, e as alíneas “b” e “c” impedem a tributação sobre o patrimônio das entidades religiosas, partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e instituições de assistência social, sem fins lucrativos, que atendam aos requisitos previstos em lei.

Em todos esses casos, está-se diante de regras proibitivas configuradoras de imunidades tributárias.

Imunidade dos partidos políticos

Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, conforme o artigo 44, inciso V, do Código Civil. A Lei nº 9.096/95 é que regulamenta a constituição e o funcionamento deles.

A imunidade tributária dos partidos políticos está prevista no artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal:

Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

VI – instituir impostos sobre: 

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

A razão que justifica esta imunidade é o papel central que os partidos ocupam em uma democracia representativa.

A imunidade visa garantir a autonomia dos partidos frente ao Estado, permitindo a liberdade de atuação partidária. Isto é, se fosse possível tributar os partidos, seria possível interferir ou até inviabilizar certos partidos, beneficiando outros, o que comprometeria o Estado Democrático de Direito.

Abrangência da imunidade “impostos sobre o patrimônio, renda e serviços”: interpretação ampliativa

Inicialmente, a literalidade do texto constitucional sugeriria que a imunidade abrangeria apenas impostos sobre patrimônio, renda e serviços.

No entanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido mais amplo, estendendo a imunidade a todos os impostos, desde que observados os demais requisitos constitucionais.

Assim, a imunidade dos partidos políticos pode abranger:

  • IPTU, ITR, IPVA, ITBI, ITCMD (patrimônio);
  • IRPJ, IRPF (renda);
  • ISS (serviços);
  • ICMS, IPI, II, IE, IOF (outros impostos).

Dessa maneira, conforme o §4º do artigo 150 da Constituição, a imunidade compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais dos partidos políticos.

Esta vinculação pode ser:

  • Direta: quando o bem ou a atividade estão ligados de maneira imediata com os objetivos institucionais do partido.
  • Indireta: quando a ligação se dá de maneira mediata, como no caso de imóveis alugados a terceiros, cujos recursos são utilizados para promover as finalidades do partido.

Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)

Observação: com a Reforma Tributária (EC 132/2023), prevê-se que tanto o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) como a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) são objeto de imunidade (CF, art. 149-B, par. único).

Artigos 4 a 6 da EC 133/2024

A EC 133/2024 introduziu as seguintes disposições:

"Art. 4º É assegurada a imunidade tributária aos partidos políticos e a seus institutos ou fundações, conforme estabelecido na alínea "c" do inciso VI do caput do art. 150 da Constituição Federal.

§ 1º A imunidade tributária estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangidos a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais, bem como os juros incidentes, as multas ou as condenações aplicadas por órgãos da administração pública direta e indireta em processos administrativos ou judiciais em trâmite, em execução ou transitados em julgado, e resulta no cancelamento das sanções, na extinção dos processos e no levantamento de inscrições em cadastros de dívida ou inadimplência.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo aplica-se aos processos administrativos ou judiciais nos quais a decisão administrativa, a ação de execução, a inscrição em cadastros de dívida ativa ou a inadimplência tenham ocorrido em prazo superior a 5 (cinco) anos.

Art. 5º É instituído o Programa de Recuperação Fiscal (Refis) específico para partidos políticos e seus institutos ou fundações, para que regularizem seus débitos com isenção dos juros e das multas acumulados, aplicada apenas a correção monetária sobre os montantes originais, que poderá ocorrer a qualquer tempo, com o pagamento das obrigações apuradas em até 60 (sessenta) meses para as obrigações previdenciárias e em até 180 (cento e oitenta) meses para as demais obrigações, a critério do partido.

Art. 6º É garantido aos partidos políticos e seus institutos ou fundações o uso de recursos do fundo partidário para o parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais, de outras sanções e de débitos de natureza não eleitoral e para devolução de recursos ao erário e devolução de recursos públicos ou privados a eles imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada, excetuados os recursos de fontes vedadas.

Parágrafo único. Os órgãos partidários de esfera hierarquicamente superior poderão utilizar os recursos do fundo partidário para a quitação de débitos, ainda que parcial, das obrigações referidas no caput deste artigo dos órgãos partidários de esferas inferiores, inclusive se o órgão originalmente responsável estiver impedido de receber esse tipo de recurso."

Análise das implicações jurídicas

Imunidade não: anistia ou remissão (Art. 4º)

O Artigo 4º em questão vai além da imunidade tributária tradicional dos partidos políticos. Ele efetivamente estabelece uma forma de anistia e/ou remissão, dependendo do momento em que se aplica a norma em relação ao lançamento do crédito tributário.

Em outras palavras, embora o texto cite “a imunidade tributária estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias”, entendemos que há uma atecnia do legislador, isto porque, na verdade, tecnicamente não seria uma ampliação da imunidade tributária, porque o “tributo” não se confunde com a multa (vide art. 3 do CTN):

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Isto é, a “ampliação da imunidade tributária” consiste, no fundo, em um perdão das multas sofridas pelos partidos políticos que pode ser considerado uma “anistia” ou uma “remissão”, pois imunidade refere-se a “tributo” e não consiste por definição em “sanção de natureza tributária”.

Distinção entre Anistia e Remissão

Anistia

A anistia é uma forma de exclusão do crédito tributário prevista no artigo 175, II, do Código Tributário Nacional (CTN). Ela consiste no perdão legal de infrações à legislação tributária e das respectivas sanções.

Suas principais características são:

  • Aplica-se às infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede.
  • Afeta apenas as penalidades (multas), não alcançando o tributo em si.
  • Concedida por lei específica.

Aplica-se a anistia antes do lançamento do crédito tributário. Se a edição da lei que perdoa a multa acontecer antes do lançamento, trata-se de anistia.

Remissão

Por outro lado, a remissão é uma forma de extinção do crédito tributário prevista no artigo 156, IV, do CTN. Ela consiste no perdão da dívida tributária, incluindo o principal (tributo) e os acessórios (juros e multas).

Suas principais características são:

  • Pode abranger tanto o tributo quanto as penalidades.
  • Concedida por lei específica.
  • Pode ser total ou parcial.

Aplica-se a remissão após o lançamento do crédito tributário. Se a edição da lei que perdoa a dívida acontecer após o lançamento, trata-se de remissão.

Comparativo

Em resumo:

AnistiaRemissão
DefiniçãoExclusão do crédito tributárioExtinção do crédito tributário
Previsão LegalArt. 175, II do CTNArt. 156, IV do CTN
Momento de AplicaçãoAntes do lançamento do crédito tributárioApós o lançamento do crédito tributário
AbrangênciaApenas penalidades (multas)Pode abranger tributo e penalidades
NaturezaPerdão da infraçãoPerdão da dívida
Forma de ConcessãoLei específicaLei específica
AplicaçãoInfrações cometidas antes da vigência da lei que a concedeSituações excepcionais ou para corrigir injustiças fiscais
Efeito no CréditoExclui o crédito tributárioExtingue o crédito tributário

Portanto:

  • Se a edição da lei que perdoa a multa ocorrer antes do lançamento do crédito, trata-se de anistia.
  • Se a edição for após, trata-se de remissão.

No caso da EC 133/2024, caso já tenha existido o “lançamento” pela autoridade fiscal será uma hipótese de remissão. Por outro lado, caso o “lançamento” não tenha sido realizado, será uma anistia.

Vale frisar que enquanto a anistia, explicitamente, se limita a infrações passadas por disposição legal, a remissão, embora não tenha essa limitação expressa, na prática, de forma geral, se aplica a débitos já existentes no momento da promulgação da lei que a concede.

Isto porque, não é razoável que o legislador permita que novas infrações a legislação eleitoral sejam, de pronto, perdoadas para o futuro sob pena de estimular o descumprimento das normais.

Abrangência da extensão

A extensão da “imunidade” abrange:

  • Juros incidentes,
  • Multas,
  • Condenações aplicadas em processos administrativos ou judiciais.

Efeitos retroativos

Em seguida, o § 2º do artigo 4º estabelece uma retroatividade de 5 anos, aplicando-se a processos já concluídos ou em andamento.

Análise crítica

É possível questionar esta extensão da imunidade tributária para abranger sanções à luz do princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF/88), pois cria um tratamento diferenciado para os partidos políticos em relação a outras entidades que também gozam de imunidade tributária.

Programa de Recuperação Fiscal – REFIS (Art. 5º)

O artigo 5º institui um REFIS específico para partidos políticos, com condições excepcionalmente favoráveis.

Principais características

  • Isenção de juros e multas;
  • Aplicação apenas da correção monetária;
  • Parcelamento em até 60 meses para obrigações previdenciárias;
  • Parcelamento em até 180 meses para demais obrigações.

Análise crítica

Este REFIS específico pode ser questionado sob a ótica do princípio da isonomia e da responsabilidade fiscal. Afinal, o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) exige que a concessão de benefício de natureza tributária seja acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro:

Nesse sentido, há entendimento do STF:

A ausência de prévia estimativa de impacto financeiro e orçamentário na proposta legislativa que implique renúncia de receita tributária acarreta inconstitucionalidade formal, nos termos do art 113 do ADCT, que é aplicável a todos os entes federativos.

STF. Plenário. RE 1.343.429/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 9/04/2024 (Info 1131).

Uso de recursos do Fundo Partidário (Art. 6º)

O artigo 6º permite o uso de recursos do Fundo Partidário para quitação de débitos, incluindo multas eleitorais e dívidas de natureza não eleitoral.

Abrangência

  • Parcelamento de sanções e multas eleitorais,
  • Quitação de débitos de natureza não eleitoral,
  • Devolução de recursos ao erário.

Análise crítica

Esta disposição pode ser questionada à luz da finalidade original do Fundo Partidário, estabelecida no art. 44 da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995), que não prevê o uso desses recursos para pagamento de multas e débitos.

Possíveis controvérsias

Constitucionalidade das medidas

A extensão da imunidade tributária e a criação de um REFIS específico podem ser questionadas quanto à sua constitucionalidade, especialmente em relação aos princípios da isonomia e da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF/88).

Impacto nas receitas públicas

Ademais, a anistia/remissão de dívidas e o REFIS podem resultar em significativa renúncia de receita, o que pode conflitar com as exigências do art. 113 do ADCT e do art. 14 da LRF.

Efeitos retroativos

A aplicação retroativa das medidas, especialmente em relação a processos já transitados em julgado, pode ser questionada à luz do princípio da segurança jurídica.

Conclusão

Por fim, as disposições tributárias da EC 133/2024 representam uma mudança significativa no tratamento fiscal dos partidos políticos no Brasil. Embora busquem proporcionar alívio financeiro e regularização fiscal para essas entidades, as medidas suscitam importantes questionamentos jurídicos.

Desse modo, a extensão da imunidade tributária para abranger sanções, a criação de um REFIS específico e a permissão para uso do Fundo Partidário para quitação de débitos são inovações que provavelmente enfrentarão escrutínio judicial nos próximos anos.

É provável que o Supremo Tribunal Federal seja chamado a se manifestar sobre a constitucionalidade dessas medidas, especialmente no que diz respeito à sua compatibilidade com os princípios da isonomia, da moralidade administrativa e da responsabilidade fiscal.


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