De início, vamos comentar esse julgado do STJ:
O valor investido do seguro de vida resgatável é penhorável.
REsp 2.176.434-DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/9/2025.
O voto está aqui disponível:
Veja, o Direito Processual Civil brasileiro estabelece, em seu artigo 833, inciso VI, do Código de Processo Civil, a impenhorabilidade dos seguros de vida, constituindo esta norma uma importante garantia de proteção ao executado e seus beneficiários.
Contudo, a evolução do mercado securitário trouxe modalidades contratuais que desafiam a aplicação tradicional desta regra, notadamente o seguro de vida resgatável.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial nº 2.176.434-DF, relatado pelo eminente Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, enfrentou questão de suma relevância para o direito processual e securitário contemporâneo.
O presente estudo analisa, de forma sistemática, os fundamentos jurídicos que levaram a Terceira Turma do STJ a reconhecer a penhorabilidade dos valores resgatados de seguro de vida, quando tal resgate é efetivado pelo próprio segurado ainda em vida, afastando-se, dessa forma, a proteção tradicionalmente conferida pelo ordenamento jurídico a esta modalidade contratual.
A natureza jurídica do seguro de vida tradicional
Para compreender adequadamente a ratio decidendi do acórdão em análise, faz-se imprescindível estabelecer, preliminarmente, os contornos jurídicos do seguro de vida em sua modalidade tradicional.
Como bem pontuou o relator, “a impenhorabilidade do seguro de vida objetiva proteger o respectivo beneficiário, haja vista a natureza alimentar da indenização securitária”.
Essa proteção legal fundamenta-se no princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, constituindo verdadeira densificação infraconstitucional deste postulado fundamental.
Com efeito, conforme destacado no voto, as regras de impenhorabilidade “visam criar freios na busca da satisfação do exequente no processo de execução, mantendo-se a mínima dignidade humana do executado”.
Nessa perspectiva, o seguro de vida tradicional caracteriza-se pela finalidade eminentemente protetiva, destinando-se a “proporcionar um rendimento a alguém, não o deixando à míngua de recursos”, conforme magistralmente exposto pelo Ministro Moura Ribeiro em voto-vista no precedente REsp 1.361.354/RS.
Trata-se, portanto, de instrumento destinado a assegurar amparo financeiro aos beneficiários em caso de sinistro, preservando-lhes o mínimo existencial.
Cuidado: a especificidade do seguro de vida resgatável
Diversamente do seguro de vida tradicional, o seguro de vida resgatável apresenta características jurídicas peculiares que exigem tratamento normativo diferenciado.

Como esclareceu o acórdão, esta modalidade “difere dos seguros de vida tradicionais, por permitir que o segurado efetue o resgate de valores ainda em vida, mesmo sem a ocorrência de sinistro”.
A estrutura operacional deste produto securitário revela sua natureza jurídica híbrida.
Segundo a fundamentação do julgado, “o segurado paga um prêmio periodicamente, sendo parte desse valor destinado à cobertura securitária, enquanto a outra parte é investida, gerando um valor que, após o transcurso de determinado prazo de carência, pode ser resgatado total ou parcialmente, assemelhando-se, pois, a outras formas de investimento”.
Esta duplicidade funcional – proteção securitária e investimento – confere ao seguro de vida resgatável o que a Corte Superior denominou de “natureza jurídica multifacetada”, conforme reconhecido no precedente REsp 1.678.432/RJ.
Tal característica impõe ao intérprete a necessidade de análise casuística, considerando as especificidades de cada situação concreta.
O fundamento da distinção: o resgate como fator descaracterizador
Veja, o cerne da decisão proferida pela Terceira Turma reside na compreensão de que o ato de resgate, quando efetivado pelo próprio segurado, altera substancialmente a natureza jurídica dos valores envolvidos.
Nesse sentido, o acórdão estabeleceu que “uma vez efetuado pelo próprio segurado (proponente) o resgate do capital investido, já não se pode alegar a impenhorabilidade desse valor com fundamento no art. 833, VI, do Código de Processo Civil”.
Este entendimento fundamenta-se na premissa de que a proteção legal conferida aos seguros de vida visa, precipuamente, resguardar os beneficiários da apólice, e não o próprio segurado.
Como bem observado pelo Ministro Moura Ribeiro, “a impenhorabilidade legalmente instituída no art. 649, VI, do CPC/73, que corresponde ao art. 833, VI, do NCPC, objetivou favorecer o beneficiário do seguro, indicado na apólice, e não o seu estipulante”.
Ademais, quando o segurado procede ao resgate, os valores deixam de integrar a massa patrimonial afetada à finalidade securitária, incorporando-se ao patrimônio geral do resgatante.
Nessa condição, tais recursos perdem o caráter alimentar que justificava a proteção legal, equiparando-se, para fins executórios, a qualquer outro ativo patrimonial.
Não confunda
Aspecto | Seguro de vida tradicional (indenização por morte) | Seguro de vida resgatável (com reserva/valor de resgate) |
Essência do produto | Cobertura de risco morte para amparo ao(s) beneficiário(s) (natureza alimentar). | Produto híbrido: parte do prêmio para cobertura securitária; parte capitalizada em reserva que pode ser resgatada em vida (total/parcial) pelo segurado. |
Base legal protetiva | CPC, art. 833, VI: impenhorável o seguro de vida; CC, art. 794: o capital pago por morte não se sujeita às dívidas do segurado (não integra herança). | Em regra, também alcançado pelo art. 833, VI, do CPC enquanto afeto à finalidade securitária; porém, a parcela capitalizada tem tratamento distintivo quando resgatada |
Entendimento do STJ (leading cases) | Info 861/STJ (3ª Turma) — REsp 2.176.434/DF (02/09/2025): “o valor investido do seguro de vida resgatável é penhorável”, quando resgatado pelo próprio segurado em vida (perde a afetação e integra seu patrimônio disponível). |
Como o tema já caiu em provas
Prova: FCC - 2015 - TCE-CE - Procurador de Contas
O seguro de vida é absolutamente impenhorável. (Certo)
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