Explicação do caso e panorama geral
O habeas corpus é um dos mais importantes instrumentos de tutela da liberdade individual, previsto no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal e regulamentado a partir do art. 647 do Código de Processo Penal (CPP). Seu objetivo é claro: proteger a liberdade de locomoção contra ilegalidades ou abusos de poder, reais ou iminentes.
A estrutura subjetiva do habeas corpus compreende três figuras: o impetrante (quem ajuíza a ação), o impetrado (autoridade coatora) e o paciente (titular do direito ameaçado). Qualquer pessoa pode impetrar, independentemente de capacidade postulatória. Pessoas jurídicas não podem ser pacientes, pois não possuem liberdade ambulatorial, cabendo-lhes o mandado de segurança. O Ministério Público, por sua vez, pode impetrar habeas corpus em favor de terceiros, mas não como paciente (STF, HC 69.889).
A autoridade judicial, inclusive de ofício, pode conceder habeas corpus ao constatar coação ilegal (arts. 647-A e 654, §2º, CPP). No entanto, o Supremo entende que o writ não deve ser conhecido se impetrado por terceiro sem anuência do paciente, em razão de seu caráter personalíssimo (HC 145.751/STF). O instituto, portanto, é flexível e dinâmico, mas sujeito a critérios estritos quanto ao seu cabimento e finalidade.
Aspectos jurídicos relevantes
Cabimento do habeas corpus
As hipóteses de cabimento do habeas corpus estão elencadas no art. 648 do CPP, abrangendo prisões sem justa causa, decretadas por autoridade incompetente, por prazo ilegal ou mantidas após cessado o fundamento. Para que seja admitido, deve haver risco concreto ou lesão efetiva à liberdade de locomoção. As Súmulas 693, 694 e 695 do STF reforçam essa exigência, afastando o habeas corpus em casos de sanções que não afetam diretamente o direito de ir e vir — como penas pecuniárias ou exclusão de cargo público.
Contudo, a jurisprudência tem ampliado o alcance do writ em hipóteses que, embora não configurem prisão imediata, geram restrições indiretas à liberdade, como na fixação de regime mais severo que o devido, negativas de progressão ou livramento condicional, medidas cautelares desproporcionais, internações involuntárias ou retenções hospitalares indevidas. No HC 176.785 (Rel. Min. Gilmar Mendes, STF, 2019), reconheceu-se inclusive o cabimento de habeas corpus após a celebração de acordo de não persecução penal (ANPP), quando se alegar atipicidade da conduta ou ausência de justa causa — reforçando que o controle judicial sobre a legalidade da persecução penal é indispensável.
No campo doutrinário, o habeas corpus pode ser preventivo (quando há ameaça à liberdade, com pedido de salvo-conduto) ou repressivo (para cessar coação já concretizada). Autores identificam ainda o suspensivo (para suspender ordem de prisão antes de seu cumprimento) e o profilático (para evitar riscos indiretos).
Habeas corpus como substituto
A jurisprudência, porém, tem limitado o uso do habeas corpus como substituto de outros recursos. O STF (HC 214.994-ED) e o STJ (HC 482.549/SP, Informativo 669) entendem que ele não substitui a revisão criminal nem recursos ordinários, salvo em hipóteses excepcionais de flagrante ilegalidade ou quando o pedido do habeas corpus tiver objeto diverso.
Um exemplo emblemático dessa discussão é o AgRg no HC nº 1.011.096/RS (Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 23/09/2025), no qual o STJ reafirmou o entendimento de que o habeas corpus pode ser admitido mesmo após o trânsito em julgado da condenação, quando a impetração busca sanar ilegalidade flagrante e não houver revisão criminal ajuizada. No caso, a defesa sustentava nulidades na dosimetria da pena imposta por homicídio simples, pedindo o afastamento da valoração negativa da culpabilidade e o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.

O ministro Schietti fundamentou seu voto inclusive em precedentes da Terceira Seção do STJ e em decisão paradigmática do STF no HC 139.741/DF (Rel. Min. Dias Toffoli, 2019), segundo a qual o habeas corpus pode ser utilizado como sucedâneo excepcional da revisão criminal, quando os fatos forem líquidos e incontroversos.
O acórdão consolidou a ideia de que o habeas corpus, embora não substitua recursos ordinários, pode ser manejado como instrumento excepcional de justiça material, quando a rigidez procedimental ameaça o núcleo essencial do direito à liberdade.
Essa posição evidencia que o habeas corpus permanece como instrumento essencial de proteção da liberdade, ainda que seu uso deva ser racional e subsidiário diante das demais vias recursais.
Consequências e desdobramentos práticos
A jurisprudência recente do STJ e do STF sobre o cabimento do habeas corpus tem produzido um duplo efeito. De um lado, impõe racionalidade ao sistema recursal penal, evitando que o writ seja usado como expediente protelatório ou substitutivo genérico de recursos. De outro, reafirma sua natureza constitucional e humanista, garantindo que o formalismo não inviabilize a tutela da liberdade.
O AgRg no HC 1.011.096/RS (STJ, 2025) ilustra esse equilíbrio: reconheceu-se a possibilidade de o habeas corpus funcionar como substituto excepcional da revisão criminal, quando há flagrante ilegalidade e ausência de controvérsia fática.
Como isso vai cair na sua prova?
Com base na jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça, assinale a alternativa correta: a) O habeas corpus é cabível apenas até o trânsito em julgado da condenação, sendo substituído integralmente pela revisão criminal após essa fase. b) A impetração de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário é sempre inadmissível, ainda que se alegue flagrante ilegalidade. c) O habeas corpus pode ser utilizado como sucedâneo da revisão criminal apenas em hipóteses excepcionais, quando os fatos forem incontroversos e a ilegalidade for manifesta, não havendo necessidade de dilação probatória. d) É cabível habeas corpus para impugnar penas exclusivamente pecuniárias ou sanções disciplinares sem restrição à liberdade de locomoção. e) A concessão de habeas corpus de ofício é vedada ao juiz ou tribunal, pois depende sempre de provocação da parte ou do Ministério Público. Gabarito: c)
Explicação:
O STJ, no AgRg no HC nº 1.011.096/RS, reafirmou que o habeas corpus mantém sua vocação de remédio constitucional voltado à tutela da liberdade, podendo ser impetrado mesmo após o trânsito em julgado da condenação quando há flagrante ilegalidade e ausência de revisão criminal. Nessas situações, o writ funciona como instrumento excepcional de correção de injustiças, desde que os fatos estejam claramente demonstrados e não haja necessidade de reexame probatório. Essa orientação segue precedentes do STF, como o HC 139.741/DF, e preserva a racionalidade recursal sem comprometer a efetividade da garantia constitucional da liberdade de locomoção.
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