Notícia
É o seguinte: uma gata poderá figurar como coautora em ação judicial que apura maus-tratos que ela teria vivenciado durante procedimento cirúrgico.
Trata-se de uma decisão da Comarca de Santa Maria, da 2ª Vara Cível local, e reconhece animais não-humanos como sujeitos de direitos, podendo ser parte na demanda.
Inclusive, a notícia saiu no próprio site do TJRS.
Logo, vamos fazer uma análise jurídica para entender muito além da repercussão dos comentários nas redes sociais, que se dividiram em alguns grupos:
Quais foram as reações dos comentários?
Apoiadores: Elogiam a decisão como um marco para o direito animalista, destacando o reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos.
“O início de um marco civilizatório.”, “Decisão assertiva e atualizada.”, “O Direito Animal avançando.”
Críticos: Questionam a relevância prática da decisão, apontando que os animais já são representados por tutores nos processos.
“Sem lógica, se já é representada pelo tutor.”, “Qual a relevância disso em termos práticos?””Melhor jogar o CC na lata do lixo.”, “Voltando para a barbárie.”, “Invenções ‘instagramáveis’.”
Humor: Fazem piadas e usam sarcasmo sobre a decisão e possíveis implicações, como depoimentos de animais em tribunal.
“Quem vai colher o depoimento?”, “Por favor, o último apaga a luz.”, “Juiz: vejamos o que a vítima tem a dizer.”
Em síntese, vamos analisar o seguinte:
- O que isso impacta no processo ou no direito dos animais?
- Qual a fundamentação do juiz?
Análise jurídica – Maus-tratos
De início, para decidir sobre o pleito da tutora, que solicitou o reconhecimento da felina como parte na ação, o magistrado considerou decisões já existentes sobre o tema na Justiça brasileira. Ou seja, ele disse que havia jurisprudência já sobre o assunto:
“Em que pese o reconhecimento da capacidade de ser parte dos animais domésticos seja um tema controverso, cada vez mais a jurisprudência dos Tribunais brasileiros caminha no sentido de reconhecer a possibilidade de animais domésticos serem autores em processos judiciais, especialmente nas ações que versem sobre o respeito, a dignidade e o direito desses seres”, afirmou o julgador, que citou decisões dos Tribunais de Justiça de Santa Catarina e do Paraná.
Logo, o Juiz concluiu que, no caso, a ação de reparação de danos trata de alegados maus-tratos vivenciados pela autora não-humana (gata) em procedimento cirúrgico, representada por sua tutora, e que, assim, “verifica-se ser cabível o reconhecimento da legitimidade ativa da coautora-não humana”.
Ok, mas eu ainda não entendi, como é a legislação brasileira, hoje?
É o seguinte, tradicionalmente, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 82, classifica os animais como bens móveis semoventes. Ou seja, objetos de direito.
Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Perceba, conforme a interpretação literal do Código Civil de 2002, os animais não são sujeitos de direito.
No entanto, algumas decisões judiciais recentes, devido a debates doutrinários trazidos pela academia, têm reconhecido os animais como sujeitos de direitos, especialmente em casos que envolvem sua dignidade e bem-estar.
Decisão pioneira no país
Em 2021, o Tribunal de Justiça do Paraná publicou a primeira decisão que reconheceu os animais como sujeitos de direito no país.
Na ocasião, o órgão votou a favor dos cães Spike e Rambo – vítimas de maus tratos por parte de antigos donos – representados pela ONG Sou Amigo, da cidade de Cascavel. Na petição, relatou-se que os cães estavam sozinhos há 29 dias em um imóvel e que alguns vizinhos, preocupados com a situação, chamaram a ONG e a Polícia Militar para verificar o caso.
Os dois cachorros foram resgatados e levados a uma clínica veterinária, onde foi constatado que Spike apresentava lesões e feridas. Diante dos fatos, a ONG solicitou que os cães fossem reconhecidos como parte autora do processo. Pediram, também, o ressarcimento dos valores gastos, além da condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais e uma pensão mensal aos animais até que eles passassem para a guarda definitiva da organização.
Como se percebe, há uma discussão na doutrina sobre a natureza jurídica dos animais, questionando sua classificação como meros objetos, que foi adotada pelo Código Civil, como explicamos.
No lado que apoiam os animais, há estudos que apontam para a necessidade de reconhecer os animais como seres sencientes, capazes de sofrer e sentir prazer.
Nessa linha de pensamento, Edenise Andrade, por exemplo, argumenta que, conforme o artigo 225 da Constituição Federal, os animais são considerados seres dignos de proteção jurídica, podendo figurar como partes em processos judiciais.
O que diz a legislação? – Maus tratos
Constituição Federal de 1988:
O artigo 225, §1º, inciso VII, diz que é dever do Estado e da coletividade proteger a fauna e a flora, vedando práticas que submetam os animais à crueldade (não afirma nada quanto a serem sujeitos ou objetos de direitos)
Ok, mas na prática, o que muda?
“Sujeito de direito”
- Antes: Animais eram tratados como bens móveis (art. 82 do Código Civil). Isto é, são propriedades de seus tutores, logo não possuem personalidade jurídica.
- Depois: Ao serem reconhecidos como partes, os animais passam a ser tratados como titulares de interesses próprios, especialmente ligados ao seu bem-estar, dignidade e proteção contra maus-tratos.
Legitimidade ativa
- Antes: Apenas os tutores ou representantes legais podiam ingressar com ações judiciais em nome próprio, ainda que o objetivo fosse proteger ou buscar reparação por danos sofridos pelo animal.
- Depois: Os animais passam a figurar no polo ativo como coautores ou autores da ação, representados por seus tutores ou defensores legais. É como se reconhecesse que o dano foi contra o animal e não contra algo de posse do tutor.
Danos
- Antes: O enfoque estava nos danos patrimoniais ou morais sofridos pelo tutor em função do sofrimento do animal.
- Depois: O processo pode considerar diretamente os danos sofridos pelo animal, como dor, sofrimento físico e emocional, crueldade, ou quaisquer práticas que atentem contra sua integridade e dignidade…
Responsabilidade
- Antes: A responsabilização por maus-tratos era limitada às implicações penais (Lei de Crimes Ambientais, nº 9.605/1998) ou à reparação de danos ao tutor.
- Depois: A inclusão do animal como parte pode ampliar as consequências jurídicas, permitindo a fixação de indenizações específicas destinadas à reparação direta do dano causado ao animal (como custos de reabilitação, cuidados médicos e medidas de proteção futura).
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!