Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução
Na última segunda-feira (1º/09), o programa Roda Viva da TV Cultura recebeu o Promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo, integrante do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). Durante a entrevista, Gakiya fez uma análise contundente sobre o crescimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) na sociedade brasileira, alertando que “o abandono do estado, que desprezou a existência [do PCC] e o crescimento da facção, fez com que a facção contasse um controle de setores [da sociedade e do crime]”.
A fala do promotor revela não apenas a complexidade do fenômeno das organizações criminosas no Brasil, mas também a importância dos órgãos especializados como o GAECO no combate a esses grupos. Para candidatos de concursos públicos, especialmente nas carreiras do Ministério Público, Magistratura, Defensoria Pública, Delegado de Polícia e demais cargos da área jurídica, o tema organização criminosa é absolutamente estratégico.
O assunto envolve conhecimentos de Direito Penal (tipificação do crime), Direito Processual Penal (procedimento investigatório e processual), Direito Constitucional (princípios como o promotor natural) e princípios institucionais do Ministério Público (funcionamento do GAECO). Trata-se de um tema multidisciplinar e de alta incidência em provas, sendo cobrado tanto em questões objetivas quanto em peças práticas e questões discursivas.

A relevância prática é evidente: organizações criminosas como o PCC movimentam bilhões de reais, controlam territórios, influenciam eleições e desafiam o Estado brasileiro. Compreender os mecanismos legais de combate a essas estruturas é fundamental para qualquer operador do Direito que atue na persecução penal.
Desenvolvimento
O que caracteriza juridicamente uma organização criminosa?
O conceito legal está previsto no artigo 1º, § 1º, da Lei 12.850/2013:
"Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional."
Elementos essenciais que devem estar presentes:
a) Elemento numérico: mínimo de 4 pessoas
b) Elemento estrutural: organização hierárquica ou funcional
c) Elemento funcional: divisão de tarefas (mesmo informal)
d) Elemento teleológico: finalidade de obter vantagem
e) Elemento material: crimes com pena máxima > 4 anos OU transnacionais
Exemplo do PCC: A facção possui estrutura hierárquica clara (sintonia geral, sintonias regionais, disciplinas), mais de 4 integrantes, divisão de tarefas (segurança, finanças, comunicação), finalidade lucrativa e pratica crimes como tráfico de drogas (pena de 5 a 15 anos), configurando perfeitamente uma organização criminosa.
Qual a diferença entre organização criminosa e associação criminosa?
Esta distinção é fundamental e frequentemente cobrada em concursos:
Organização Criminosa (Lei 12.850/2013):
- Mínimo: 4 pessoas
- Crimes: pena máxima > 4 anos OU transnacionais
- Pena: reclusão de 3 a 8 anos
- Procedimento: Lei 12.850/2013
Associação Criminosa (art. 288, CP):
- Mínimo: 3 pessoas
- Crimes: qualquer tipo (sem limite de pena)
- Pena: reclusão de 1 a 3 anos
- Procedimento: comum
Exemplo prático: Se 3 pessoas se associam para praticar furtos simples (pena máxima: 4 anos), configura associação criminosa. Se 4 pessoas se organizam para tráfico de drogas (pena mínima: 5 anos), será organização criminosa.
O crime de organização criminosa exige que outros delitos sejam efetivamente praticados?
NÃO. Este é um ponto frequentemente explorado em concursos. O crime previsto no artigo 2º da Lei 12.850/2013 é de mera conduta ou empreendimento:
"Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas."
Características do crime:
- Crime formal: consuma-se independentemente do resultado
- Crime de perigo abstrato: não exige lesão efetiva
- Crime antecedente: visa prevenir outros delitos
- Crime principal: não depende de crime anterior
O simples fato de 4 ou mais pessoas se organizarem com a estrutura e finalidade previstas em lei já configura o delito, mesmo que nenhum crime-fim seja praticado.
A natureza da ação penal dos crimes visados afeta a persecução da organização criminosa?
A resposta é NÃO.
Fundamentos doutrinários:
- Autonomia do tipo penal: O crime de organização criminosa tem ação penal pública incondicionada, independentemente dos crimes visados.
- Crime principal: Não se trata de crime acessório, mas de delito autônomo que antecede os crimes-fim.
O que é o GAECO e por que ele é constitucional?
O GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) é um órgão especializado criado no âmbito dos Ministérios Públicos estaduais para combater organizações criminosas. O Promotor Lincoln Gakiya, entrevistado no Roda Viva, integra o GAECO-SP.
Fundamento legal: Leis complementares estaduais (ex: LC 119/2002-MT, LC 72/2011-TO)
Características do GAECO:
- Órgão interno do Ministério Público
- Coordenado por membro do Parquet
- Apoio das Polícias Civil e Militar
- Dotação orçamentária específica
- Atribuição estadual para crimes organizados
Constitucionalidade confirmada pelo STF:
Em 2023, o STF julgou as ADIs 2.838/MT e 4.624/TO (Rel. Min. Alexandre de Moraes), declarando constitucionais as leis que criaram GAECOs estaduais.
Argumentos do STF:
- Poder investigatório do MP: O STF reconhece a legitimidade do Ministério Público para investigar crimes (RE 593.727 – Tema 184)
- Órgão de cooperação: GAECO é instrumento de cooperação institucional
- Autonomia funcional: Mantém a independência do Parquet
- Duplo vínculo hierárquico: Policiais cedem mantêm vínculo na corporação de origem
O GAECO viola o princípio do promotor natural?
NÃO, conforme jurisprudência consolidada do STJ.
Entendimento do STJ:
"A atuação de promotores auxiliares ou de grupos especializados não ofende o princípio do promotor natural, uma vez que, nessa hipótese, se amplia a capacidade de investigação, de modo a otimizar os procedimentos necessários à formação da opinio delicti do Parquet." (STJ, 5ª Turma, AgRg no RHC 147.951/MG)
Requisitos para não violação:
- Solicitação ou anuência: O promotor com atribuição originária deve solicitar ou concordar com a atuação do GAECO
- Não casuísmo: Vedada designação arbitrária ou casuística
- Critérios objetivos: Atuação baseada na especialização e complexidade do caso
Exemplo: Se um promotor com atribuição para crimes contra o sistema financeiro se depara com uma organização criminosa complexa, pode solicitar o apoio do GAECO sem violar o promotor natural.
Quais são as principais causas de aumento de pena na organização criminosa?
O artigo 2º da Lei 12.850/2013 prevê diversas majorantes:
§ 2º - Emprego de arma de fogo: pena aumentada até a metade
§ 3º - Comando da organização: pena agravada
§ 4º - Aumento de 1/6 a 2/3:
- Inciso I: participação de criança ou adolescente
- Inciso II: concurso de funcionário público
- Inciso III: produto destinado ao exterior
- Inciso IV: conexão com outras organizações
- Inciso V: transnacionalidade
Como funciona o procedimento de investigação de organizações criminosas?
A Lei 12.850/2013 prevê meios especiais de investigação:
Instrumentos investigativos (arts. 3º a 14):
- Colaboração premiada
- Captação ambiental de sinais
- Interceptação de comunicações
- Afastamento dos sigilos
- Infiltração de agentes
- Ação controlada
- Acesso a registros e dados
Exemplo prático: O GAECO pode instaurar PIC, requisitar quebras de sigilo, solicitar colaboração premiada e coordenar ação controlada para desarticular organização criminosa, tudo com supervisão judicial quando necessário.
Exemplo de questão no estilo dos concursos
Questão simulada
"Quatro indivíduos se organizaram de forma estruturada, com divisão de tarefas, para praticar crimes de estelionato pela internet (pena máxima: 5 anos). Antes mesmo de consumarem qualquer estelionato, foram descobertos e presos. Um dos integrantes era servidor público federal que facilitaria o acesso a dados sigilosos. Considerando a situação hipotética, analise as assertivas:
I. Não há crime de organização criminosa, pois nenhum estelionato foi consumado.
II. Configura-se organização criminosa, sendo irrelevante a consumação dos crimes-fim.
III. A participação do servidor público é causa de aumento de pena.
IV. A ação penal será privada, seguindo a regra do estelionato.
Estão corretas apenas:
a) I e IV
b) II e III
c) I, II e III d) II, III e IV
e) Todas as assertivas estão corretas
Resposta: B) II e III.
Fundamentação: A organização criminosa é crime formal que se consuma independentemente da prática dos crimes-fim (II correta). A participação de funcionário público é causa de aumento prevista no art. 2º, §4º, II (III correta). A assertiva I está errada porque não exige consumação dos crimes-fim. A assertiva IV está errada porque organização criminosa sempre tem ação penal pública incondicionada.
O tema organização criminosa representa a intersecção entre teoria jurídica e realidade social. Como destacou o Promotor Lincoln Gakiya, o Estado não pode mais “desprezar a existência” dessas organizações. Para o concurseiro, dominar esse assunto significa compreender não apenas as normas legais, mas também os desafios práticos do sistema de justiça criminal brasileiro. É um investimento que se reflete tanto na aprovação quanto na futura atuação profissional.
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