Fraude às candidaturas femininas (cota de gênero)
Fraude às candidaturas femininas (cota de gênero)

Fraude às candidaturas femininas (cota de gênero)

Fraude às candidaturas femininas (cota de gênero)
Fraude às candidaturas femininas (cota de gênero)

Neste artigo falaremos sobre a Fraude às candidaturas femininas (cota de gênero), destacando o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto ao tema.

Desse modo, teceremos algumas considerações iniciais sobre a base normativa da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), bem como sobre seu objetivo e efeitos constantes do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990.

Na sequência, falaremos sobre a fraude à cota de gênero (candidaturas femininas). Iniciaremos contextualizando o que a legislação prevê em relação ao percentual de candidatos de cada sexo. Após, falaremos o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em relação ao assunto (fraude x percentual).

Por fim, abordaremos o assunto central deste artigo, qual seja, a definição, na visão do Supremo Tribunal Federal, acerca da constitucionalidade do entendimento que vem sendo adotado pelo TSE em casos dessa espécie.

Nesse sentido, traremos tanto a controvérsia que chegou ao STF quanto a Tese fixada pela Corte Suprema e sua ratio decidendi.

Vamos ao que interessa!

A Lei Complementar nº 64/1990, também denominada Lei das Inelegibilidades, foi aprovada com o intuito de regulamentar o artigo 14, § 9º, da Constituição Federal.

Esse dispositivo constitucional, por sua vez, afirma que fica a cargo de lei complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Portanto, de forma resumida, a Lei das Inelegibilidades tem como essência a proteção da lisura do pleito, bem assim a averiguação da habilitação do candidato para concorrer ao cargo eletivo.

Nesse contexto, o artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990 previu a chamada Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).

Na mesma esteira da LC nº 64/90, a AIJE visa a apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político.  

Repare que são condutas reprováveis e que influenciam diretamente nas eleições, afetando diretamente os seguintes princípios do Direito Eleitoral:

  • Princípio da lisura das eleições: para Roberto Moreira de Almeida, a garantia da lisura das eleições no Brasil está calcada na ideia de cidadania, de origem popular do poder e no combate à influência do poder econômico ou político nas eleições
  • Princípio da moralidade eleitoral: está previsto no artigo 14, § 9º, da CF, principalmente quando menciona a “moralidade para exercício de mandato”.

    A título de exemplo, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a prestação de contas se conecta umbilicalmente a princípios caros ao Direito Eleitoral, como a igualdade de chances entre os partidos políticos, a moralidade eleitoral, e, em última análise, a própria noção de Democracia.

Por fim, no que se refere aos efeitos da AIJE, vejamos o inciso XIV do artigo 22 da LC nº 64/90:

Art. 22. (…)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;       (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

Trata-se de tema sensível, sobretudo do ponto de vista social, histórico, cultural, mas também jurídico.

Isso porque o artigo 10, § 3º, da Lei das Eleições (Lei n. 9.504/1997), dispõe que, do número de vagas relativos às eleições proporcionais, cada partido preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. 

A Constituição Federal, em seu artigo 17, § 8º, ao dispor sobre o montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do fundo partidário destinada a campanhas eleitorais, bem como o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão a ser distribuído pelos partidos às respectivas candidatas, preconiza que deverão ser de no mínimo 30% (trinta por cento), proporcional ao número de candidatas, e a distribuição deverá ser realizada conforme critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias, considerados a autonomia e o interesse partidário.   

No entanto, alguns partidos políticos, na prática, acabam fraudando essa cota de gênero, através do lançamento fictício de candidaturas femininas.

Ou seja, os partidos políticos lançam candidatas femininas apenas para que seja preenchido o percentual mínimo de 30%, mas, na prática, não “potencializam” (por meio de atos de campanha, arrecadação de recursos, propaganda eleitoral, etc) essas candidaturas da mesma forma que as masculinas.

Desse modo, esses casos aos poucos foram chegando no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que firmou entendimento no sentido de que a AIJE é o instrumento processual adequado para apuração de fraude em candidaturas femininas, v.g. ROE nº 0601822-64.2022.6.12.0000. 

Ademais, a Corte Eleitoral também entende que a fraude, por constituir tipo de abuso de poder, possui como consequências (i) a cassação dos mandatos dos eleitos e dos diplomas dos suplentes e não eleitos e (ii) a declaração de inelegibilidade dos diretamente envolvidos na fraude, vide RESPE nº 747-89.2016.6.18.0062.

Perante o Supremo Tribunal Federal, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.338/DF, pela qual o Partido Solidariedade – SD arguiu a inconstitucionalidade do artigo 10, § 3º, da Lei das Eleições, bem como do artigo 22, inciso XIV, da LC nº 64/90, que dispõem sobre política representativa de gênero no processo eleitoral e a respectiva cassação do registro ou do diploma dos que tenham se beneficiado de condutas ilícitas.

De acordo com o requerente, a interpretação do TSE quanto ao tema traria efeitos indesejados, quais sejam: 

(a) “adversários poderão incutir nas convenções partidárias candidaturas laranjas, no afã de desidratar, em momento ulterior, seus opositores com o ajuizamento de AIJEs”; e 

(b) o candidato será obrigado “a fiscalizar todas as escolhas de candidaturas do seu partido – ou de sua coligação – para tentar descobrir se as cotas de gênero estão efetivamente sendo cumpridas – e, o que é pior, a de fiscalizar as próprias campanhas eleitorais de todos os demais candidatos, para saber se a candidata A ou B está ou não a fazer campanha eleitoral de forma efetiva”.

Além disso, afirmou, em resumo, que “a pura e simples cassação de todos os registros de

candidaturas individuais do partido ou coligação, que tenham fraudado a política de cotas, em casos em que tenha havido a efetiva eleição de mulheres na chapa, ocasionará a diminuição quantitativa do número de cadeiras amealhadas pelo gênero preterido no pleito, além de gerar os piores incentivos aos players da competição eleitoral”.

Na mesma esteira do que já vinha entendendo o TSE, o STF firmou a compreensão de que:

É constitucional o entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) segundo o qual é: 
(i) cabível a utilização da AIJE para apuração de fraude à cota de gênero; e 
(ii) imperativa a cassação do registro ou do diploma de todos os candidatos beneficiados por essa fraude.

Portanto, vemos que a decisão do STF apenas corrobora jurisprudência consolidada há anos na Corte Eleitoral.

De acordo com o STF, a fraude à cota de gênero (lançamento fictício de candidaturas femininas) consiste em conduta transgressora da cidadania (CF/1988, art. 1º, II), do pluralismo político (CF/1988, art. 1º, V) e da isonomia (CF/1988, art. 5º, I).

Além disso, essa conduta subverte a política pública afirmativa e afeta substancialmente a legitimidade, a normalidade e a lisura do pleito (CF/1988, art. 1º, parágrafo único, e art. 14, caput, § 9º).

A Relatora, Ministra Rosa Weber, destacou que, na seara eleitoral, especialmente quanto à temática de igualdade de gênero, o cenário de desequilíbrio entre homens e mulheres ainda se mostra acentuado. 

Isso porque, de acordo com a Ministra, as mulheres, embora tenham alcançado, a duras penas e depois de muitos anos de reivindicações, o reconhecimento do direito de votar, ainda hoje encontram dificuldades significativas (i) no exercício da capacidade eleitoral passiva (ius honorum) e, consequentemente, (ii) de ascender a cargos públicos eletivos.

Desse modo, com a alteração promovida pela Lei n. 12.034/2009 no § 3º do artigo 10 da Lei das Eleições, passando a tornar obrigátorio o preenchimento mínimo de 30% para candidaturas de cada sexo, os percentuais fixados em lei passaram a ser cogentes e aferidos de acordo e em conformidade com o número de candidatos efetivamente lançados e registrados por cada partido.

É por isso que, de acordo com o Supremo, a fraude à cota de gênero transgride e subverte os valores acima mencionados, além de causar efeito drástico e perverso na formação da vontade do eleitorado.

Dessa forma, a Relatora argumentou que, caso fossem abrandadas as consequências que advêm da fraude à cota de gênero, isso acabaria por incentivar, por meio de decisão vinculante do STF, o descumprimento, sub-reptício, das disposições legais aplicáveis.

Em conclusão, entendeu-se que não há que se falar em violação do princípio da proporcionalidade, tendo em vista que a interpretação do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 c/c art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/1990 é: 

  1. Adequada: isso porque a interpretação mostra-se apta a punir aqueles que participaram das práticas fraudulentas, extirpando do ordenamento jurídico os efeitos decorrentes dos atos abusivos, mediante a cassação do registro ou do diploma de todos que deles se beneficiaram;
  1. Necessária: por tudo o que foi dito, a interpretação revela-se necessária para evitar “a contumaz recalcitrância das agremiações partidárias no adimplemento da ação afirmativa (cota de gênero) instituída pelo legislador”. Dessa forma, transforma-se as condutas eleitorais e incentiva-se a participação feminina na política; 
  1. Proporcional em sentido estrito: diferentemente do que sustentou o Partido requerente na ADI, a interpretação do TSE não acarreta desestímulo para participação do pleito, mas sim incentiva os partidos a fomentarem, a desenvolverem e a integrarem a participação feminina na política.

Note que, ao destacar esses três aspectos, o STF compatibilizou a interpretação do TSE com todos os ângulos do princípio da proporcionalidade em sentido amplo.

Portanto, pessoal, esse foi nosso breve resumo sobre a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), destacando o entendimento do STF quanto ao tema.

Vimos que é constitucional o entendimento do TSE segundo o qual é: (i) cabível a utilização da AIJE para apuração de fraude à cota de gênero; e (ii) imperativa a cassação do registro ou do diploma de todos os candidatos beneficiados por essa fraude.

Até a próxima!

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