Ora, depois de quase dois anos de discussões, a Corte Especial do STJ finalmente bateu o martelo sobre uma questão que vinha gerando polêmica nos tribunais brasileiros.
STJ: Critérios objetivos não bastam para negar Justiça gratuita

Nessa linha, em setembro de 2025, os ministros decidiram o Tema 1178 – um recurso repetitivo que tratava de algo aparentemente simples, mas que mexia com o dia a dia de milhares de pessoas: quando um juiz pode negar o pedido de gratuidade de justiça?
Vejam então as 3 teses decididas:
1. É vedado o uso de critérios objetivos para o indeferimento imediato da gratuidade judiciária requerida por pessoa natural.
2. Verificada a existência nos autos de elementos aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural, o juiz deverá determinar o requerente a comprovação de sua condição, indicando de modo preciso, às razões que justificam tal afastamento, nos termos do 99, parágrafo 2º, do CPC.
3. Cumprida a diligência, a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser realizada em caráter meramente suplementar e desde que não sirva como fundamento exclusivo para o indeferimento do pedido da gratuidade.
A principal delas estabelece que juízes não podem mais usar critérios objetivos – como renda ou patrimônio – para indeferir de cara um pedido de gratuidade.
Portanto, acabou aquela história de criar fórmulas matemáticas automáticas.
O que estava acontecendo antes
Imagine a seguinte situação: você ganha quatro salários mínimos, tem um filho com deficiência e altos gastos médicos, mas alguns tribunais negavam automaticamente a gratuidade só porque sua renda ultrapassava três salários mínimos.
Cada comarca tinha seus próprios critérios.
Algumas eram mais rígidas, outras mais flexíveis. Esta bagunça criava uma insegurança jurídica tremenda.
O ministro Og Fernandes, relator do caso, conseguiu formar maioria defendendo uma posição intermediária.
De acordo com sua tese vencedora, “é vedado o uso de critérios objetivos para o indeferimento imediato da gratuidade judiciária requerida por pessoa natural.”
Mas isso não significa que esses critérios foram totalmente banidos.
As três correntes que se formaram
Durante o julgamento, que começou em dezembro de 2023, três linhas de pensamento emergiram entre os ministros.
A ministra Nancy Andrighi defendeu a posição mais protetiva, argumentando que critérios objetivos não deveriam ser usados nem subsidiariamente.
Para ela, a análise deveria ser sempre casuística, considerando as particularidades de cada situação.
Do outro lado, o ministro Ricardo Villas-Bôas Cuevas sustentou que critérios objetivos deveriam ser admitidos desde o início do processo.
Propôs parâmetros específicos como dispensa de imposto de renda, participação em programas sociais ou renda até três salários mínimos.
A posição vencedora, capitaneada por Og Fernandes, ficou no meio-termo. Proibiu o indeferimento automático, mas admitiu o uso subsidiário desses critérios após um procedimento específico.
O novo procedimento obrigatório
Perceba, agora os juízes precisam seguir um rito específico.
Primeiramente, fazem uma análise preliminar do pedido.
Se surgirem elementos que gerem dúvidas sobre a hipossuficiência – como propriedade de imóvel, movimentação bancária alta ou profissão bem remunerada – o magistrado deve fundamentar essas dúvidas e dar oportunidade para a pessoa se manifestar.
Só depois disso, cumprida essa diligência, critérios objetivos podem entrar como elementos auxiliares na decisão.
Mas nunca como razão única para negar o benefício.
É o que a segunda tese estabelece: “Verificada a existência nos autos de elementos aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural, o juiz deverá determinar ao requerente a comprovação de sua condição.”
Por que essa decisão importa tanto?
Em síntese, esta mudança tem impacto direto no acesso à justiça.
Anteriormente, muita gente ficava de fora do sistema judicial por não conseguir arcar com custas e honorários.
Um médico desempregado há dois anos, por exemplo, poderia ser prejudicado apenas por sua formação profissional, independentemente de sua situação atual.
A terceira tese complementa o entendimento:
"Cumprida a diligência, a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser realizada em caráter meramente suplementar e desde que não sirva como fundamento exclusivo para o indeferimento do pedido da gratuidade."
Curiosamente, até desembargadores já tiveram gratuidade concedida pelo STJ em situações específicas. Isso mostra que o benefício não pode ser analisado apenas pela profissão ou renda aparente, mas pela real capacidade de arcar com os custos processuais sem prejuízo ao sustento familiar:
https://cj.estrategia.com/portal/justica-gratuita-desembargador-acao-milionaria/
Sobre gratuidade de justiça, que tal uma breve revisão dos julgados:
Tabela massa de julgados STJ!
Tema / Situação | Entendimento (STF/STJ) | Base Legal / Julgado |
Isenção de IR não garante AJG | O enquadramento na faixa de isenção do IR não é critério automático para concessão de assistência judiciária gratuita. | STJ, 2ª Turma, AgInt no AREsp 2.441.809/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 08/04/2024 (Info 811) |
Recurso exclusivo sobre honorários | Se a parte beneficiária de AJG recorre apenas para majorar honorários, o recurso exige preparo, salvo se o próprio advogado comprovar hipossuficiência. | Art. 99, §5º, CPC/2015; STJ, Info 811 |
Representação de criança | A análise da AJG deve considerar a situação econômica da criança, e não automaticamente a dos pais. | STJ, 3ª Turma, REsp 2.055.363/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 13/06/2023 (Info 781) |
Honorários do art. 523, §1º, CPC | São devidos, mas têm exigibilidade suspensa enquanto persistir a hipossuficiência, extinguindo-se após 5 anos se não comprovada melhora econômica. | Art. 98, §3º, CPC/2015; STJ, 3ª Turma, REsp 1.990.562/SP, 06/09/2022 |
Entidade beneficente para idoso | Tem direito à AJG sem necessidade de comprovar insuficiência, por força do art. 51 do Estatuto da Pessoa Idosa. | STJ, 1ª Turma, REsp 1742251/MG, 23/08/2022 (Info 746) |
Lei estadual criando sanções ou critérios | É inconstitucional lei estadual que crie sanções por litigância de má-fé ou restrinja a concessão da AJG. Mas é constitucional majorar custas em causas complexas. | STF, Pleno, ADI 7063/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, 03/06/2022 (Info 1057) |
Revogação da AJG por má-fé | A litigância de má-fé não autoriza a revogação da AJG, salvo prova de alteração da situação econômica. | STJ, 3ª Turma, REsp 1.989.076/MT, 17/05/2022; REsp 1.663.193/SP, 20/02/2018 |
Indeferimento da AJG | O juiz deve intimar previamente a parte para comprovar hipossuficiência antes de indeferir o pedido. | Art. 99, §2º, CPC/2015; STJ, 1ª Turma, AgInt no AgInt no AREsp 1.921.390/SP, 09/05/2022 |
MEI e Empresário Individual | Basta declaração de hipossuficiência, sem necessidade inicial de prova documental. | STJ, 4ª Turma, REsp 1.899.342/SP, 26/04/2022 (Info 734) |
Pessoa jurídica | Deve comprovar a impossibilidade de arcar com custos. Súmula 481-STJ. Situação excepcional para empresas em recuperação/liquidação. | STJ, 4ª Turma, AgInt nos AREsp 1.875.896/SP, 29/11/2021 |
Execução – devedor | AJG não é incompatível com execução; o devedor pode requerer e obter o benefício. | STJ, 3ª Turma, REsp 1.837.398/RS, 25/05/2021 (Info 698) |
Lei estadual exigindo negativa da Defensoria | É inconstitucional exigir prova de negativa de atendimento pela Defensoria Pública para concessão de isenção de custas. | STF, Pleno, ADI 3.658/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, 10/10/2019 |
Estrangeiro não residente | Após o CPC/2015, estrangeiros residentes ou não podem ter AJG. | CPC/2015, art. 98; STJ, Pet 9815/DF, 29/11/2017 (Info 622) |
Impugnação à AJG | Passou a tramitar nos mesmos autos e decisão é atacável por agravo de instrumento (aplicação imediata do CPC/2015). | STJ, 3ª Turma, REsp 1.666.321/RS, 07/11/2017 (Info 615) |
Usucapião especial urbana | Há presunção relativa de hipossuficiência, que pode ser afastada com prova em contrário. | Art. 12, §2º, Lei 10.257/2001; STJ, REsp 1.517.822/SP, 21/02/2017 (Info 599) |
Contrato ad exitum | É possível AJG mesmo para quem contratou advogado com cláusula ad exitum. | STJ, 2ª Turma, REsp 1.504.432/RJ, 13/09/2016 (Info 590) |
Sucumbência do beneficiário | Obrigações ficam sob condição suspensiva por até 5 anos. | CPC/2015, art. 98, §3º; STF, Pleno, RE 249003 ED/RS e outros, 09/12/2015 (Info 811) |
Pedido na própria petição recursal | Pode ser formulado diretamente na petição recursal. | STJ, Corte Especial, AgRg nos EREsp 1.222.355/MG, 04/11/2015 (Info 574) |
Recurso contra indeferimento | Não exige preparo; evita-se deserção até decisão sobre AJG. | CPC/2015, art. 101, §1º; STJ, Info 574 |
Eficácia temporal da AJG | Uma vez concedida, vale para todas as fases do processo até revogação expressa. | STJ, Corte Especial, AgRg nos EAREsp 86.915/SP, 26/02/2015 (Info 557) |
Critério subjetivo criado por juiz | Não pode fixar patamar salarial (ex.: 10 SM) como critério automático. | STJ, 1ª Turma, AgRg no AREsp 239.341/PR, 27/08/2013 (Info 528) |
Emolumentos notariais/ registrais | AJG isenta dos emolumentos indispensáveis para cumprimento da decisão. | CPC/2015, art. 98, §1º, IX; STJ, 2ª Turma, AgRg no RMS 24.557/MT, 07/02/2013 (Info 517) |
Concessão de ofício | Vedada concessão de AJG sem pedido expresso. | STJ, 4ª Turma, AgRg nos EDcl no AREsp 167.623/SP, 05/02/2013 |
Momento do pedido | Pode ser requerido a qualquer tempo no processo. | CPC/2015, art. 99, §1º; STJ, REsp 1.261.220/SP, 20/11/2012 |
Honorários periciais | Cabe ao Estado suportar os honorários quando a parte sucumbente é beneficiária de AJG. | CPC/2015, art. 98, §1º, VI; STJ, EDcl no AgRg no REsp 1.327.281/MG, 18/10/2012 (Info 507) |
Requerimento no recurso | STF admite pedido de AJG no ato da interposição do recurso. | STF, 1ª Turma, AI 652.139 AgR/MG, 22/05/2012 (Info 667) |
Como o tema já caiu em provas
CESPE 2024 – Procurador de Camaçari-BA B) Pessoa jurídica sem fins lucrativos faz jus ao benefício da justiça gratuita independentemente da comprovação da impossibilidade de arcar com as despesas processuais. (Errado)
Obs.: por enquanto, há uma presunção relativa para as pessoas físicas quanto ao estado de pobreza que permite ser beneficiário da justiça gratuita. As pessoas jurídicas precisam comprovar.
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