Férias podem ser reduzidas por excesso de licença médica? Entenda a decisão do STF na ADPF 1132/SP

Férias podem ser reduzidas por excesso de licença médica? Entenda a decisão do STF na ADPF 1132/SP

licença médica

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento definitivo sobre os limites da autonomia municipal na regulamentação do regime jurídico de servidores públicos, especificamente quanto ao direito constitucional de férias.

No julgamento virtual da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.132/SP, concluído em 23 de maio de 2025, o Plenário reconheceu por maioria a não recepção de dispositivos da Lei municipal nº 1.729/1968 de São Bernardo do Campo que condicionaram o gozo integral de férias à ausência de licenças médicas superiores a trinta dias.

A decisão, sob relatoria do Ministro Cristiano Zanin, reafirma a jurisprudência consolidada no Tema 221 de Repercussão Geral, estabelecendo parâmetros claros sobre a intangibilidade do direito fundamental às férias anuais remuneradas, mesmo quando o servidor necessita de afastamento para tratamento de saúde.

Contornos fáticos da controvérsia municipal

A questão apresentada ao Supremo originou-se da prática administrativa adotada pela Prefeitura de São Bernardo do Campo, que aplicava sistemática restritiva ao direito de férias baseada em dispositivos da lei municipal datada de 1968.

Conforme documentado nos autos, a legislação local estabelecia que o funcionário somente faria jus a trinta dias de férias “desde que, no exercício anterior, não tenha mais de doze faltas ao serviço, por qualquer motivo”. Ademais, o parágrafo segundo do artigo 155 criava exceção para licenças médicas, mas apenas “desde que concedidas por prazo não superior a trinta dias”.

Ora, essa sistemática produzia consequência prática gravosa: servidores que necessitarem de licença médica por período superior a trinta dias tinham suas férias reduzidas de trinta para apenas vinte dias consecutivos, conforme previa o artigo 156 da referida lei.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Públicos Municipais – CONFETAM/CUT questionou tal prática mediante arguição de descumprimento de preceito fundamental, alegando violação ao artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal, que assegura “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”.

Legitimidade ativa e pertinência temática

Antes de adentrar o mérito da controvérsia, o Ministro Cristiano Zanin enfrentou questões preliminares suscitadas pela Advocacia-Geral da União e Procuradoria-Geral da República acerca da legitimidade ativa da requerente.

Nessa linha, o relator aplicou jurisprudência consolidada sobre a legitimidade de confederações sindicais para controle concentrado de constitucionalidade, exigindo não apenas o registro sindical regular, mas também a demonstração de pertinência temática entre os objetivos institucionais da entidade e o objeto da norma impugnada.

Como assentado pelo próprio relator em precedente anterior (ADI 7.475/MG),

“a legitimidade ativa de confederações sindicais exige a demonstração de pertinência temática entre os objetivos institucionais da pessoa jurídica postulante e o objeto da lei ou ato normativo impugnado”.

No caso dos autos, restou demonstrada tal pertinência, uma vez que a CONFETAM/CUT tem como finalidade estatutária “defender os interesses da categoria e zelar pelo cumprimento da legislação e dos instrumentos normativos de trabalho que assegurem direitos à categoria”, incluindo especificamente os servidores públicos municipais afetados pela legislação questionada.

Fundamentação constitucional do direito às férias

A construção jurisprudencial adotada pelo Supremo fundamenta-se na arquitetura constitucional que estende aos servidores públicos os direitos trabalhistas fundamentais previstos no artigo 7º da Carta Magna.

Isto porque, o parágrafo terceiro do artigo 39 da Constituição estabelece que “aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX”, incluindo expressamente o direito às férias anuais remuneradas.

Destarte, como enfatizado no voto condutor, “não se infere do dispositivo constitucional permissão para que o legislador municipal, ainda que dotado de autonomia para legislar sobre assuntos de interesse local, vulnere o gozo pleno do direito fundamental às férias, em razão de eventual licença para saúde usufruída pelo servidor por mais de trinta dias”.

Essa interpretação encontra respaldo na compreensão de que a licença para tratamento de saúde não se confunde com o gozo de férias remuneradas nem com eventual licença voluntária. Como esclarecido no julgado, a primeira “volta-se ao restabelecimento das condições físicas e mentais do servidor e, portanto, supõe fato gerador distinto das férias remuneradas”.

Precedente vinculante: tema 221 de repercussão geral

A decisão da ADPF 1132/SP reafirma entendimento consolidado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.448/MG, paradigma que deu origem ao Tema 221 de Repercussão Geral, sob relatoria do Ministro Edson Fachin.

Naquele precedente, a Suprema Corte examinou caso similar envolvendo lei do Município de Betim/MG que “previa a perda do direito às férias do funcionário que, no período aquisitivo anterior, houvesse gozado mais de dois meses de licença para tratamento de saúde”.

Ademais, o Plenário assentou por maioria ser “inconstitucional dispositivo de lei municipal que prevê a perda do direito de férias a servidor que gozar, no seu período aquisitivo, de mais de dois meses de licença médica, por ofensa ao disposto nos arts. 7º, XVII, e 39, § 3º, da Constituição”.

A tese de repercussão geral fixada estabeleceu parâmetros claros:

“No exercício da autonomia legislativa municipal, não pode o Município, ao disciplinar o regime jurídico de seus servidores, restringir o direito de férias a servidor em licença saúde de maneira a inviabilizar o gozo de férias anuais previsto no art. 7º, XVII da Constituição Federal de 1988”

Harmonia com normas internacionais do trabalho

Por outro lado, a fundamentação da decisão ganha densidade adicional quando analisada sob a perspectiva do direito internacional do trabalho, especificamente da Convenção 132 da Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao ordenamento jurídico nacional pelo Decreto Federal nº 10.088/2019.

Nesse sentido, como registrado no voto do relator, a convenção internacional estabelece expressamente que “as faltas ao trabalho por motivos independentes da vontade individual da pessoa empregada interessada tais como faltas devidas a doenças, a acidente, ou a licença para gestantes, não poderão ser computadas como parte das férias remuneradas anuais mínimas”.

Essa disposição internacional reforça a compreensão de que afastamentos por motivo de saúde constituem direito autônomo e não podem ser interpretados como substitutivos ou impeditivos do direito ao descanso anual, sob pena de violação tanto da ordem constitucional quanto dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Precedentes recentes 

O entendimento consolidado na ADPF 1132/SP alinha-se com orientação jurisprudencial já firmada em casos análogos. Merece destaque, nesse contexto, decisão recente do Ministro Luís Roberto Barroso na Suspensão de Liminar nº 1.800, que reafirmou o entendimento do Tema 221 ao analisar dispositivo que restringia direitos de servidores afastados por licença médica.

Conforme registrado naquele julgado,

“afastamentos por motivo de doença não podem ser interpretados como substitutivos ou impeditivos do direito ao descanso anual. Esse entendimento está alinhado à tese fixada por esta Corte para o Tema 221 da repercussão geral”.

Logo, a jurisprudência do Supremo vem se consolidando no sentido de que a autonomia municipal para legislar sobre regime jurídico de servidores encontra limite intransponível nos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, particularmente o direito às férias anuais remuneradas.

Impactos práticos da decisão

A decisão proferida na ADPF 1132/SP produz efeitos que transcendem o caso concreto de São Bernardo do Campo, estabelecendo parâmetros aplicáveis a toda administração pública municipal brasileira.

Em primeiro lugar, municípios que mantenham legislação similar deverão proceder à adequação normativa, eliminando dispositivos que condicionem o gozo integral de férias à ausência de licenças médicas prolongadas.

Ademais, servidores que tenham sido prejudicados por aplicação de normas similares poderão pleitear judicialmente a restituição de direitos suprimidos, fundamentando-se no precedente vinculante estabelecido.

Por fim, a decisão reforça a compreensão sistemática sobre os limites da autonomia municipal, estabelecendo que, embora os entes locais possuam competência para disciplinar aspectos específicos do regime jurídico de seus servidores, não podem fazê-lo de forma a vulnerar direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.

Assim:

“No exercício de sua autonomia legislativa para disciplinar o regime jurídico dos servidores, o município não pode restringir o período de férias, sob o fundamento de que o servidor esteve em licença para tratamento de saúde” (Info 1180).

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