Fala, pessoal, tudo certo? Hoje faremos um resumo sobre o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios, destacando, inclusive, entendimento jurisprudencial pertinente ao tema.
Desse modo, teceremos algumas considerações iniciais sobre a previsão legal e a conduta tipificada como crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios, analisando, ainda, a definição doutrinária de cada um desses termos.
Na sequência, falaremos tanto das condutas equiparadas quanto da modalidade culposa e da causa de aumento de pena. Também analisaremos as implicações das penas cominadas.
Por fim, comentaremos a compatibilidade do artigo 272 do Código Penal com a Lei n. 8.137/1990, que, dentre outras previsões, trata dos crimes contra as relações de consumo.
Vamos ao que interessa!
Sumário
Crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios
Previsão legal e conduta tipificada
De início, aponta-se que o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios está previsto no artigo 272 do Código Penal.
O dispositivo comina como crime aquele que pratica qualquer um dos núcleos do tipo (qualquer dos verbos previstos no dispositivo) a seguir:
Art. 272 – Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Portanto, nota-se que se trata de infração penal que pune aquele que atenta sobretudo contra a saúde pública.
Tanto é assim que Rogério Sanches Cunha destaca que o bem jurídico protegido por esse dispositivo é a incolumidade pública.
Além disso, valendo-nos das lições de Cunha, o crime do caput pode se caracterizar:
- Corromper: deteriorar, estragar;
- Adulterar: modificar para pior, defraudar;
- Falsificar: conferir aparência enganadora;
- Alterar: modificar de qualquer forma.
Exemplo: imagine que Tício pratique academia e, para manter o “shape” em dia, faça uso de suplementos alimentares, sobretudo aqueles cujas marcas fabricantes tenham maior relevância neste mercado. Ocorre que, certo dia, decidiu comprar o suplemento alimentar pela internet em uma loja que vendia um pouco mais barato. Quando o pedido finalmente chegou em sua casa, Tício notou que a qualidade não era a mesma, havendo fortes indícios de adulteração do produto original – mistura de outros alimentos em pó, de mesma tonalidade, para dar volume. Diante do ocorrido, e sendo conhecedor das leis penais, decidiu noticiar o fato à autoridade policial, que, por sua vez, instaurou inquérito policial para averiguar a prática de delito. Durante as investigações, ficou claro que, embora a adulteração não tivesse o potencial de causar danos à saúde de Tício, reduziu o valor nutritivo do alimento. Nesse caso, fica claro que a autoridade policial se deparou com o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios (art. 272, CP). |
Destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui precedentes no sentido de que a venda de produtos impróprios ao uso e consumo, nocivos à saúde ou com valor nutricional reduzido, constituem delitos que deixa vestígios.
Portanto, é indispensável, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, a realização de exame pericial que ateste a materialidade delitiva, não bastando, para tanto, mero laudo de constatação.
Condutas equiparadas à falsificação ou adulteração de produto alimentício
Para além dos núcleos do tipo constantes do caput (corromper, adulterar, falsificar e alterar), os §§ 1º-A e 1º do artigo 272 do CP preveem as chamadas “condutas equiparadas”.
Com a prática dessas condutas, o agente incorre na mesma pena daquele que praticou qualquer daquelas previstas no caput. Vamos vê-las:
§ 1º-A – Incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado.
§ 1º – Está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas neste artigo em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico.
O § 1º equipara, para fins do artigo 272, bebidas, com ou sem álcool, a substância/produto alimentício.
Já o § 1º-A pune a conduta daquele que atua após a alteração da substância/produto alimentício, praticando os núcleos “fabricar”, “vender”, “expor à venda”, “importar”, “ter em depósito para vender” ou, de qualquer forma, “distribuir” ou “entregar”.
Sobre o § 1º-A, Rogério Sanches Cunha leciona que o sujeito ativo é pessoa diversa do falsificador, agindo sobre coisa já falsificada, adulterada ou corrompida.
Modalidade culposa e causa de aumento de pena
O § 2º do artigo 272 prevê a modalidade culposa do delito em questão, afirmando que, para esses casos, a pena é a de detenção, de 01 a 02 anos e multa.
No entanto, Rogério Sanches Cunha, da mesma forma que aponta para o delito do artigo 273 do CP, destaca que o comportamento de “falsificar” e o de “fabricar” não pode ser abarcado pela modalidade culposa.
Isso porque não se pode dizer que alguém “falsificou” ou “fabricou” de forma imprudente, negligente ou imperita.
Já no que diz respeito à causa de aumento de pena, por força do artigo 285 do CP, aplica-se aquela prevista no artigo 258 do mesmo Código:
Formas qualificadas de crime de perigo comum
Art. 258 – Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.
Neste momento, é oportuno lembrar que a majorante, diferentemente do que ocorre para as circunstâncias agravantes (artigo 61 do CP), pode fazer com que a pena aplicada supere o limite máximo cominado para o delito.
Pena no crime de falsificação ou adulteração de produto alimentício
Como visto acima, a pena das condutas do caput e § 1º-A é a de reclusão, de 04 a 08 anos, e multa.
Nota-se que, tratando-se de crime apenado com reclusão, o regime inicial, em tese, pode ser fechado, nos termos do artigo 33 do Código Penal.
Além disso, cominando a lei pena máxima superior a 02 anos, não é possível a utilização do benefício da transação penal, prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais).
Ainda, por possuir pena mínima superior a 01 ano, também não se pode aplicar, em favor do agente ativo, a suspensão condicional do processo (“sursis processual”), nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/1995.
Outrossim, o acordo de não persecução penal (ANPP) também não é cabível neste caso, haja vista que, para além dos demais requisitos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, o delito não possui pena mínima inferior a 04 anos.
No entanto, tratando-se do crime cometido na modalidade culposa, cuja pena é de detenção, de 01 a 02 anos, e multa,
Compatibilidade com a Lei n. 8.137/1990
O princípio da especialidade (lex specialis derrogat lex generalis) preconiza que deve ser aplicada a lei mais específica para cada caso concreto, em detrimento da lei genérica.
Com isso, é interesse destacar que a Lei n. 8.137/1990 prevê, em seu artigo 7º, os crimes contra as relações de consumo, atribuindo, para as condutas descritas, a pena de detenção, de 02 a 05 anos, ou multa. Vejamos:
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
I – favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores;
II – vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial;
III – misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, para vendê-los ou expô-los à venda como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidades desiguais para vendê-los ou expô-los à venda por preço estabelecido para os demais mais alto custo;
IV – fraudar preços por meio de:
a) alteração, sem modificação essencial ou de qualidade, de elementos tais como denominação, sinal externo, marca, embalagem, especificação técnica, descrição, volume, peso, pintura ou acabamento de bem ou serviço;
b) divisão em partes de bem ou serviço, habitualmente oferecido à venda em conjunto;
c) junção de bens ou serviços, comumente oferecidos à venda em separado;
d) aviso de inclusão de insumo não empregado na produção do bem ou na prestação dos serviços;
V – elevar o valor cobrado nas vendas a prazo de bens ou serviços, mediante a exigência de comissão ou de taxa de juros ilegais;
VI – sonegar insumos ou bens, recusando-se a vendê-los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de especulação;
VII – induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária;
VIII – destruir, inutilizar ou danificar matéria-prima ou mercadoria, com o fim de provocar alta de preço, em proveito próprio ou de terceiros;
IX – vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;
Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte.
No entanto, notem que esses incisos do artigo 7º da Lei n. 8.137/90 dizem respeito, basicamente, à proteção dos consumidores contra a adulteração de informações, preços, e outros aspectos das relações de consumo.
Tanto é assim que o inciso IV, alínea “a”, dispõe que constitui crime contra as relações de consumo a prática de fraudar preços por meio de alteração de elementos, desde que sem modificação essencial ou de qualidade.
Portanto, nesses casos, quando se tratar de substância ou produto alimentício e houver modificação essencial ou de qualidade, estaremos diante do delito do artigo 272 do CP.
Além disso, embora o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.137/1990 disponha sobre as condutas relacionadas a matéria-prima ou mercadoria “em condições impróprias ao consumo”, é importante destacar as lições de Guilherme Nucci, citado pelo STJ no julgamento do HC 45.171 – SC, quanto a esse dispositivo e sua relação com o § 1º do artigo 272 do CP:
Os dois crimes imputados aos recorrentes possuem similaridade quanto ao objeto material. O crime descrito no art. 272, §1º-A, CP, tem como objeto material a substância alimentícia ou produto falsificado, corrompido ou adulterado, e como objeto jurídico a saúde pública (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1219). Já o crime descrito no art. 7º, IX, da Lei 8.137/90, possui como objeto material a matéria-prima ou mercadoria imprópria a consumo, e como objeto jurídico a proteção às relações de consumo (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 605) .
Note-se que os dois delitos imputados aos recorrentes possuem o mesmo objeto material: produtos alimentícios. Nos dois casos, produtos com prazo de validade vencido e impróprios para o consumo, ou produto corrompido e nocivo à saúde ou reduzido o valor nutritivo, necessitam assim ser constatados por meio de perícia técnica. Portanto, inexistente justo motivo para o prosseguimento da ação penal também quanto ao tipo descrito no art. 272, §1º-A, CP.
Conclusão
Portanto, pessoal, esse foi nosso breve resumo sobre o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios.
Vimos que o crime de falsificação ou adulteração de produto alimentício pode se consumar por diversas condutas previstas no caput do artigo 272 e, de forma equiparada, nos § 1º e § 1º-A do mesmo dispositivo legal.
Até a próxima!
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