A falsa jurista e os limites da fraude acadêmica: análise penal da condenação de Cátia Raulino

A falsa jurista e os limites da fraude acadêmica: análise penal da condenação de Cátia Raulino

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e hoje vim fazer uma análise de um caso bastante interessante e que foi objeto muita repercussão nos últimos anos. Trata-se do caso da falsa jurista Cátia Raulino, agora condenada pela justiça baiana. Faremos a análise jurídica do caso, sob o aspecto de uma possível cobrança em provas de concursos de carreira jurídica.

Em data recente, a 2ª Vara Criminal Especializada de Salvador/BA, no processo nº 0511404-75.2020.8.05.0001, emitiu julgamento de Cátia Raulino a 10 anos de reclusão, em regime inicial fechado, além da fixação de 50 dias-multa e indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil a cada vítima de plágio.

Contextualização dos fatos: a fraude sistemática e os danos causados

O processo revelou que, durante quase uma década, a suposta advogada construiu uma carreira com base em falsificações, apresentando diplomas inexistentes atribuídos a universidades federais como a UFMA, a UFSC, a UFBA e a UFPE. Com esses documentos falsos, ela chegou a assumir cargos de grande relevância, incluindo a coordenação de curso de Direito e a participação em bancas acadêmicas. Também utilizou esse prestígio para se inserir em eventos jurídicos e consolidar uma imagem pública de autoridade acadêmica. Ministrou cursos, palestras e ganhou notoriedade nas redes sociais com o seu falso currículo.

A conduta, no entanto, não se limitou à falsificação documental. Conforme apurado nos autos, a ré apropriou-se de trabalhos de conclusão de curso de alunas, publicando-os em revistas e livros especializados como se fossem de sua própria autoria. Laudos periciais confirmaram índices elevadíssimos de similaridade entre os textos, chegando a ultrapassar 70% em alguns casos.

Segundo consta, as vítimas, em seus depoimentos, relataram impactos emocionais e acadêmicos significativos, desde a impossibilidade de reaproveitar seus artigos até o bloqueio em prosseguir carreiras de pesquisa na mesma área.

Tipificação penal

Ante a repercussão dos fatos, o Ministério Público do Estado da Bahia formulou acusação pelos crimes de uso de documento falso, previsto no art. 304 do Código Penal, e violação de direito autoral qualificada, prevista no art. 184, §1º, do mesmo diploma.

A falsa
Na sentença, a juíza Virginia Silveira Wanderley dos Santos Vieira reconheceu duas condenações pelo uso de documentos falsos — vinculadas à obtenção de cargos na UniRuy e na Unifacs — e três condenações pela violação de direito autoral, relacionadas aos plágios identificados nos autos.

A juíza afastou, entretanto, duas imputações específicas: absolveu a ré quanto ao plágio de uma quarta aluna, diante de dúvida razoável sobre a materialidade, e rejeitou a acusação de fraude processual, por ausência de dolo. Além disso, no que se refere às teses defensivas, a decisão destacou que não houve demonstração de adulteração ou quebra de cadeia de custódia das provas digitais, que o dolo restou evidenciado pela publicação dos trabalhos integralmente sob a autoria da acusada e que não se verificou qualquer cerceamento de defesa, já que a acusada obteve pleno acesso aos autos e à produção probatória.

Fé Pública vs direitos autorais (autoria intelectual)

A conduta praticada pela acusada, portanto, revela que houve a violação de dois bens jurídicos distintos, mas igualmente relevantes.

O primeiro deles é a fé pública, que fora comprometida pelo uso de diplomas falsos que conferiram à acusada credibilidade institucional indevida, ensejando a obtenção de vantagem ilícita e enriquecimento sem causa.
O segundo é a autoria intelectual, protegida pela legislação de direitos autorais, que, ao criminalizar o plágio, assegura não apenas a proteção individual do autor, mas também a integridade do ambiente acadêmico.

Esse ponto merece destaque, pois historicamente o plágio foi tratado com maior ênfase em instâncias éticas e administrativas, mas não com a mesma severidade penal. O reconhecimento da violação de direitos autorais como crime em sua modalidade qualificada, quando há fins de lucro ou vantagens indevidas, como no caso em análise, reforça a função simbólica da pena: mostrar que a apropriação indevida da produção intelectual não é tolerada nem social nem juridicamente.

Aproveitando este ponto, trago aqui, para reflexão, o futuro da autoria acadêmica frente a uma nova tecnologia: o uso de inteligência artificial para disfarçar, ou até mesmo enganar um suposto plágio. E o mais perigoso: a criação de conteúdo inexistente, decorrente das já notórias alucinações. Mas, aqui, deixemos para um artigo futuro.

Reflexos práticos no âmbito dos concursos públicos

Do ponto de vista didático, o caso é altamente relevante para concursos das carreiras jurídicas.

📄 Questões objetivas podem explorar a correta subsunção dos fatos aos arts. 304 e 184 do Código Penal, bem como a diferenciação entre responsabilidade administrativa, civil e penal em casos de plágio.

✍️ Provas discursivas podem indagar sobre a função do Direito Penal na proteção da fé pública e da autoria intelectual. Pode-se questionar, por exemplo, se o ordenamento brasileiro já não dispunha de mecanismos suficientes fora da esfera criminal.

🗣️ Já em provas orais, é possível que se explorem os limites do dolo nos crimes de plágio e a compatibilidade da fixação de indenização mínima no processo penal com a natureza da jurisdição criminal.


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Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
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