Estudantes da PUC são demitidos após casos de racismo contra estudantes da Universidade de São Paulo, gerando debates sobre o tema.
*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso Estudantes de PUC
Durante os Jogos Jurídicos Estaduais, em partida esportiva entre estudantes do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, alguns estudantes da PUC foram flagrados proferindo comentários racistas e aporafóbicos.
O grupo gritou ofensas contra estudantes da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), insultando-os pelo fato de supostamente serem cotistas, sendo tal fato associado negativa e preconceituosamente à pobreza, fazendo sinal de dinheiro com as mãos.
Em imagens que circularam nas redes sociais e sites de notícias é possível ver alguns integrantes da torcida da PUC-SP chamando os estudantes da USP de “cotistas” e “pobres” e proferindo insultos raciais.
Os fatos aconteceram no último sábado (16/11/2024) e provocaram rápida reação dos escritórios de advocacia onde os ofensores atuavam como estagiários. Tanto o escritório Pinheiro Neto, como o escritório Castro Barros Advogados demitiram os envolvidos, que não integram mais o time das renomadas bancas advocatícias. Já o escritório Machado Meyer informou que realizará as apurações necessárias e avaliará as medidas a serem tomadas.
Análise Jurídica Estudantes da PUC
Na parte dedicada aos seus princípios fundamentais, a Constituição Federal de 1988 prevê como fundamento da República a dignidade da pessoa humana. Além disso, a Carta Magna arrola como um dos princípios da República Federativa do Brasil o repúdio ao terrorismo e ao racismo.
E a CF/88 traz, ainda, como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
No artigo 5º, inciso I a Constituição Federal nos diz o seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
O princípio da igualdade impõe que todos os seres humanos sejam tratados de forma igual perante a lei, sem discriminação infundada. Apenas é possível diferenciar o tratamento entre pessoas quando houver especificidades relevantes que precisem de proteção.
No âmbito internacional a Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que todo ser humano tem capacidade de gozar de direitos e liberdades estabelecidos na Declaração independente de qual seja sua espécie, raça, cor, sexo, língua, origem nacional ou social, riqueza entre outros.
Por sua vez, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) prevê o direito de igualdade perante a lei. Segundo o texto convencional, todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.
Feito este panorama geral das normas constitucionais que tratam do direito a igualdade, bem como as normas convencionais (que no direito brasileiro tem, em regra, status supralegal) nota-se que a igualdade e a não discriminação são direitos fundamentais de todos os cidadãos, devendo ser respeitado pelo Estado e pelos outros cidadãos.
O racismo representa um tema que corresponde a um mandato constitucional de criminalização.
Mas o que vem a ser este mandato?
Os mandados de criminalização indicam matérias sobre as quais o legislador ordinário não tem a faculdade de legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados bens ou interesses de forma adequada e, dentro do possível, integral.
E onde está a previsão constitucional da criminalização do racismo?
Está no Art 5º, XLII da Constituição Federal. Vejamos:
Art. 5º.
(...)
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Como se vê, a Constituição Federal de 1988 determina que a prática do racismo é crime.
Entretanto, tal previsão abstrata não é suficiente para tornar tal conduta típica, sendo necessária a intermediação legislativa. E tal intermediação foi realizada pela Lei 7.716/1989 que criminalizou condutas resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Importante destacar, ainda, que a CF/88 previu que a prática de racismo é crime inafiançável e imprescritível e que se sujeita à pena de reclusão.
Cotas nas Universidades Públicas
E para contextualizar melhor esta análise jurídica, é relevante relembrar o que são as cotas nas universidades públicas. As cotas na universidades públicas são:
- políticas afirmativas
- que visam buscar uma reparação histórica e;
- superar um passado de desigualdades
A previsão das cotas nas universidades públicas está na Lei 12.711/201,2 que traz o seguinte:
Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas ou em escolas comunitárias que atuam no âmbito da educação do campo conveniadas com o poder público, referidas na alínea b do inciso I do § 3º do art. 7º da Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020. Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservadas aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1 (um) salário mínimo per capita.
Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No caso narrado os repugnantes atos praticados por alguns estudantes da PUC de São Paulo, em desfavor de alunos da USP, notadamente por conta de sua cor, condição social e acesso à Universidade de São Paulo através das cotas, aparentemente pode tipificar o crime de injúria racial, previsto no artigo 2º-A da Lei 7.716/1989, com redação dada pela Lei 14.532/2023.
Vejamos a previsão da referida norma criminal:
Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas.
Assim, as condutas praticadas em detrimento de alunos cotistas da Universidade de São Paulo, caso confirmada em inquérito policial ou durante eventual processo penal, além de demonstrar um claro déficit civilizatório por parte de seus autores, deve ser punida nos termos do artigo 2º-A acima transcrito, sujeitando seus autores à pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, possivelmente incidindo a causa de aumento do parágrafo único, pela existência de concurso de agentes.
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