Estelionato contra pessoa com qualquer deficiência é crime de ação pública incondicionada: entenda a Lei n° 15.229/2025

Estelionato contra pessoa com qualquer deficiência é crime de ação pública incondicionada: entenda a Lei n° 15.229/2025

Prof. Gustavo Cordeiro

A mudança silenciosa que pode definir a sua aprovação no concurso

Imagine a seguinte situação: Maria, portadora de deficiência visual, foi vítima de um golpe do falso motoboy. O criminoso ligou dizendo que seu cartão havia sido clonado e que precisava buscar o cartão para “bloquear” as transações fraudulentas. Confiante, Maria entregou o cartão e a senha. Resultado: prejuízo de R$ 15.000,00.

Até outubro de 2025, Maria precisaria manifestar expressamente sua vontade de processar o golpista – a famosa representação – para que o Ministério Público pudesse oferecer a denúncia contra o autor do delito. Caso não fizesse isso em 6 meses, o Estado perderia o direito de punir o criminoso em razão da decadência. Mas tudo mudou com a Lei nº 15.229/2025.

Por que essa mudança é estratégica para concursos?

A alteração legislativa promovida pela Lei nº 15.229/2025 representa mais do que uma simples mudança textual no Código Penal. Trata-se de uma revolução silenciosa no sistema de proteção às pessoas com deficiência, ampliando significativamente o escopo da tutela penal.

O legislador brasileiro finalmente reconheceu que toda pessoa com deficiência – seja física, sensorial, mental ou intelectual – merece proteção especial do Estado quando vítima de estelionato. Antes, apenas as pessoas com deficiência mental gozavam dessa proteção diferenciada.

A anatomia da mudança legislativa

O que mudou exatamente?

A Lei nº 15.229/2025 alterou a redação do art. 171, § 5º, inciso III, do Código Penal, substituindo a expressão “pessoa com deficiência mental” por simplesmente “pessoa com deficiência”.

Comparativo da evolução normativa:

PERÍODO 1940-2019:

  • Regra Geral: Ação pública INCONDICIONADA para todos os estelionatos
  • Exceções: Não havia exceções

PERÍODO 2020-2024 (Pacote Anticrime):

  • Regra Geral: Ação pública CONDICIONADA à representação
  • Exceções (Ação Pública Incondicionada):
    • a) Administração Pública, direta ou indireta
    • b) Criança ou adolescente
    • c) Pessoa com deficiência MENTAL
    • d) Maior de 70 anos ou incapaz

APÓS 02/10/2025 (Lei 15.229/2025):

  • Regra Geral: Ação pública CONDICIONADA à representação
  • Exceções (Ação Pública Incondicionada):
    • a) Administração Pública, direta ou indireta
    • b) Criança ou adolescente
    • c) Pessoa com deficiência (QUALQUER TIPO)

O fundamento da proteção ampliada

estelionato

A mudança legislativa alinha-se perfeitamente aos princípios constitucionais de proteção às pessoas com deficiência (art. 227, § 1º, II e § 2º da CF) e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), que possui status de emenda constitucional.

O legislador reconheceu que pessoas com deficiência física também podem enfrentar barreiras adicionais para buscar a tutela jurisdicional: dificuldades de locomoção para comparecer à delegacia, barreiras arquitetônicas, falta de acessibilidade nos sistemas de justiça, entre outras.

A questão temporal: o grande desafio dos concursos

Natureza jurídica da norma

Aqui reside um dos pontos mais cobrados em provas de concurso: a natureza jurídica das normas que alteram a espécie de ação penal. Trata-se de normas híbridas ou mistas, pois possuem tanto conteúdo de direito material quanto processual:

  1. Aspecto processual: regulam o procedimento de persecução penal
  2. Aspecto material: interferem diretamente no jus puniendi estatal, afetando causas de extinção da punibilidade (decadência e renúncia)

Aplicação no tempo

Por possuírem reflexos penais (conteúdo material), as normas híbridas seguem a regra do art. 5º, XL, da CF: não retroagem, salvo para beneficiar o réu.

Análise prática:

  • Estelionato praticado ANTES de 02/10/2025 contra pessoa com deficiência física: permanece como ação pública condicionada à representação
  • Estelionato praticado APÓS 02/10/2025 contra pessoa com deficiência física: ação pública incondicionada

A mudança é desfavorável ao réu, pois elimina a possibilidade de decadência do direito de representação. Logo, não retroage.

Como isso cai em prova?

Questão simulada

João, portador de paraplegia decorrente de acidente automobilístico, foi vítima de estelionato praticado por Maria em 15 de setembro de 2025. O golpe consistiu na venda de um aparelho celular inexistente através de site de compras online, causando prejuízo de R$ 3.000,00 à vítima. Descoberto o crime em 20 de outubro de 2025, João procurou a Delegacia de Polícia para registrar boletim de ocorrência. Considerando a situação hipotética apresentada e a legislação vigente, assinale a alternativa correta:

a) A ação penal será pública incondicionada, pois João é pessoa com deficiência, aplicando-se imediatamente a Lei nº 15.229/2025.

b) A ação penal será pública condicionada à representação, pois o crime foi praticado antes da vigência da Lei nº 15.229/2025, que não retroage por ser prejudicial ao réu.

c) A ação penal será privada, cabendo a João contratar advogado para oferecer queixa-crime no prazo decadencial de seis meses.

d) A ação penal será pública incondicionada, mas apenas se João comprovar que sua deficiência física impediu o exercício do direito de representação.

e) A ação penal será pública condicionada, mas o prazo decadencial não correrá enquanto João comprovar impossibilidade de locomoção para oferecer a representação.

GABARITO: B

Comentários:

  • Alternativa A (incorreta): A Lei nº 15.229/2025, embora vigente quando descoberto o crime, não retroage para alcançar fatos praticados antes de sua vigência (15/09/2025), pois seria prejudicial ao réu.
  • Alternativa B (correta): Como norma híbrida com reflexos penais desfavoráveis ao réu, a nova lei não retroage. O crime permanece como ação pública condicionada à representação.
  • Alternativa C (incorreta): O estelionato comum nunca foi crime de ação penal privada.
  • Alternativas D e E (incorretas): Não há previsão legal para essas condicionantes.

Conclusão estratégica: o que memorizar para a prova

Três pontos fundamentais para fixar:

  1. AMPLIAÇÃO DA PROTEÇÃO: A Lei nº 15.229/2025 estendeu a proteção da ação penal pública incondicionada para TODAS as pessoas com deficiência vítimas de estelionato, não apenas aquelas com deficiência mental.
  2. IRRETROATIVIDADE: Por ser norma híbrida desfavorável ao réu, não retroage. Crimes praticados antes de 02/10/2025 contra pessoas com deficiência física permanecem como ação pública condicionada.
  3. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL: A mudança alinha-se à proteção constitucional das pessoas com deficiência e aos tratados internacionais de direitos humanos.

A próxima vez que você se deparar com uma questão sobre estelionato em sua prova, lembre-se: o examinador adorará testar se você sabe diferenciar os períodos temporais e a natureza jurídica dessa alteração legislativa.


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