Escola “linha dura” em SP

Escola “linha dura” em SP

Lei que prevê as escolas cívico-militares em São Paulo (SP) é sancionada. STF deverá analisar sua constitucionalidade.

Sobre a lei

Acaba de receber sanção pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a lei estadual que prevê a implementação das escolas cívico-militares, conhecidas por sua rigidez e disciplina. O projeto destina-se exclusivamente às escolas públicas.

Após muita polêmica durante a tramitação do projeto de lei na ALESP, com agressão envolvendo estudantes que protestavam e muito bate-boca, houve a aprovação do PL com 54 votos a favor e 21 votos contrários.

Importante destacar que ninguém será obrigado a estudar nessas escolas, e sim, apenas aqueles que quiserem, e desde que o Município opte por aderir ao sistema.

Em carta de defesa da proposta enviada ao governador, o secretário da Educação, Renato Feder, explicou que as comunidades escolares irão optar por participar ou não do programa. Ademais, a prioridade será para as instituições “situadas em regiões de maior incidência de criminalidade“. Expectativa é que de 50 a 100 escolas adotem o modelo no Estado.

A lei paulista é semelhante à lei paranaense que instituiu essas escolas no Estado do Paraná. Lá, vedam-se fotos e gravações de vídeo e áudio sem a autorização dos professores. Também não se deve utilizar piercings e alargadores de orelhas, mesmo que cobertos. Colares, pulseiras, relógios, anéis e tornozeleiras podem ser usados, desde que de forma discreta e sem que ofereçam riscos à segurança dos alunos. As alunas devem manter os cabelos presos em coques, tranças ou rabo-de-cavalo e só podem pintá-los se mantiverem uma cor discreta, semelhante a natural. A proibição também vale para adereços chamativos como “tererê”, que utilizam enfeites coloridos.

Além disso, o descumprimento das normas pode ensejar a aplicação de sanções, como a advertência.

Como funcionará a escola cívico-militar em São Paulo?

A ideia do novo modelo é mesclar a presença de militares aposentados, que ficarão responsáveis pela garantia da disciplina dos alunos e trabalharão desarmados, com profissionais de educação, que cuidarão do conteúdo passado em sala de aula.

Cada escola aderente ao Programa Escola Cívico Militar contará com pelo menos um militar da reserva, que estará subordinado ao Diretor Pedagógico da unidade escolar, e sua atuação será restrita ao projeto de valor do Programa Escola Cívico-Militar“, afirmou o secretário de educação de SP, Renato Feder.

Ainda segundo o secretário,

…o modelo é voltado para as práticas pedagógicas onde os estudantes são estimulados a cultivar o respeito à pátria, aos símbolos nacionais e aos direitos e deveres de cidadania. Além disso, são incentivados a desenvolver habilidades de liderança, trabalho em equipe e responsabilidade social, preparando-os para serem cidadãos conscientes e atuantes na sociedade“.

Assim, a escola que desejar participar não poderá:

  • Ter aulas no período noturno;
  • Ser uma instituição rural, indígena, quilombola ou conveniada;
  • Ter gestão compartilhada entre Estado e municípios;
  • Ter, exclusivamente, ensino para jovens e adultos;
  • Ser a única unidade escolar da rede pública de ensino que oferte ensino fundamental e médio regular na zona urbana do respectivo município.

Os críticos do modelo chamam atenção para a disparidade remuneratória que haverá entre o militar e o profissional de educação, com um salário maior para o profissional da segurança. Outro ponto é o enrijecimento e a militarização do projeto educacional.

Os defensores do modelo, por outro lado, enfatizam que as escolas cívico-militares serão mais uma opção para o aluno que assim a desejar, além do fato de que contribuirão para fomentar a identificação do aluno com valores importantes, como família, dignidade, lealdade, disciplina, amor à pátria, à bandeira e aos símbolos nacionais. Arrematam, ainda, que a experiência já vista desse modelo é exitosa, demonstrando uma diminuição nos índices de violência e um aumento no aprendizado.

Visto todo esse contexto fático, vamos à análise jurídica.

escola
Parte de fardamento do Colégio Cívico-Militar do Paraná (Fonte: Portal da Câmara de Vereadores de Marechal Cândido Rondon)

O modelo cívico-militar escolar é constitucional ou ele viola os preceitos fundamentais da nossa Carta Magna?

Precedentes

O Paraná adotou o formato cívico-militar em 2020. No ano anterior, em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que criou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, possibilitando que os Estados elaborassem leis próprias para implantar esse modelo.

Em 2021, três partidos políticos (PT, PSOL e PcdoB) ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6791, defendendo a inconstitucionalidade de leis paranaenses relacionadas ao sistema escolar cívico-militar.

Segundo os partidos, as normas tratam de um projeto de militarização da escola civil sem previsão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996). Apontam, ainda, violação do princípio da gestão democrática da escola e argumentam que a militarização das escolas públicas representa a antítese institucional do espírito republicano e democrático da Constituição de 1988.

Por conseguinte, em julho de 2023 o presidente Lula assinou um decreto que acabou com o programa nacional das escolas cívicos-militares, com base em um parecer da AGU.

Argumentos

O principal argumento da Advocacia-Geral da União em favor da inconstitucionalidade das leis que instituíram o modelo escolar cívico-militar no Paraná é a invasão da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, prevista no artigo 22, XIV, da CF/88.

“CF/88

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(…)

XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;”

O parecer da AGU prossegue:

“Por sua vez, o artigo 24, inciso IX, da Carta da República estabelece a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal para dispor sobre educação e ensino, cabendo ao ente central a primazia acerca da elaboração das normas gerais sobre a matéria, de modo a fixar, no interesse nacional, as diretrizes que devem ser observadas pelas demais unidades federativas.
Assim, aos Estados e ao Distrito Federal cabe suplementar a legislação nacional…
Desse modo, cabe ao ente central editar as normas gerais sobre educação, de modo a fixar, no interesse nacional, as diretrizes que devem ser observadas pelas demais unidades federativas, remanescendo aos Estados fixar as especificidades, os modos e os meios de cumprimento do regramento estabelecido pelo ente central.”

Como o decreto que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Decreto nº 10.004/2019) foi revogado pelo Decreto nº 11.611/2023, os Estados e os Municípios não poderiam prever esse sistema, pois estariam contrariando as normas gerais editadas pela União.

Ou seja, os demais entes federados devem observar a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação. Se a União entendeu que esse sistema cívico-militar é inconstitucional, e revogou o decreto que o previa, então os demais entes não poderiam legislar em sentido contrário. Esse é o ponto central do parecer da AGU.

No aguardo

A ADI 6791 está em tramitação na Suprema Corte, aguardando julgamento. Entretanto, tudo indica que agilizarão seu processamento em decorrência da criação do sistema escolar cívico-militar no Estado de São Paulo.

O destino dessa ADI, que impugna leis paranaenses, pode ou não se aplicar ao Estado paulista. Isto porque seu principal fundamento é a questão da competência legislativa privativa da União.

Ou seja, o STF dirá se os Estados podem ou não criar sistema escolar cívico-militar mesmo a União tendo acabado com o Programa Nacional.

Essa revogação federal interfere ou não nos demais entes federativos? É o que vamos descobrir, acompanhando o desfecho desse processo.

O tema aqui discorrido, além de ser polêmico, é relevante, e com boas chances de surgir em provas de carreiras jurídicas. Então, muita atenção!

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