É danado, você estuda muito. E chega perto, perto demais. Você passou! Entretanto, chegou o momento dos “exames médicos”.
Geralmente, o prazo é curto e você precisa apresentar muitos exames médicos…
Bom, o fato é que em janeiro de 2025, um caso chamou a atenção de todo mundo, e que vamos discutir aqui a ótica do Direito do Consumidor.
Entenda o caso
Foi o seguinte, uma candidata foi aprovada no concurso da Polícia Penal do Acre, entretanto, quando da realização do exame toxicológico realizado pelo laboratório DB – Medicina Diagnóstica, houve a indicação de presença de “cocaína”.
Em outras palavras, isso impediria a candidata de tomar posse no concurso público, obviamente. Além disso, a candidata negava veemente que tinha consumido a droga.
Ainda bem, nos dizeres da candidata, que deu tempo de fazer outro exame médico ao tempo da entrega dos “exames” para tomar posse no concurso público.
No entanto, o erro do laboratório, descoberto após a realização de uma contraprova que confirmou a ausência de qualquer substância ilícita, poderia ter custado a eliminação da candidata do certame, bem como, sua reputação profissional. Nesse sentido, a candidata ingressou com uma ação de danos morais.
A juíza do 1º Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco, reconheceu a gravidade da situação e determinou o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, além do ressarcimento de R$ 170,00 referente ao custo da contraprova.
Vamos fazer uma análise jurídica do caso e dos argumentos jurídicos da decisão.
Responsabilidade objetiva
De início, é importante dizer que o direito à reparação por danos morais encontra fundamento no artigo 5º, X, da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas.
Por outro lado, no plano infraconstitucional, o caso é regido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), especialmente seu art. 14, que trata da responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços.
Como ensina Cavalieri Filho:
"O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços." (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 287).
Inclusive, vale ressaltar que esta responsabilidade objetiva decorre da teoria do risco da atividade, desenvolvida por Aguiar Dias em sua obra fundamental (DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 148).
A natureza do serviço laboratorial
Importante mencionar que o Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento consolidado sobre a natureza do serviço laboratorial como obrigação de resultado.
Em outras palavras, no REsp 1.291.576/RS, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino explicou: “Em se tratando de exames laboratoriais, não basta que o fornecedor tenha empregado a melhor técnica e diligência na prestação do serviço – ele deve garantir a exatidão do resultado.”
É interessante porque “nas obrigações de resultado, o devedor se compromete a alcançar um resultado específico, determinado, sendo que o mero desenvolvimento da atividade não o exime de responsabilidade.” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, v. 2, p. 185).
Em outras palavras, o resultado deve ser alcançado, sob pena de haver falha na prestação do serviço ao consumidor, que foi o que aconteceu.
Obviamente, o contexto do “concurso público” adiciona uma camada extra de prejuízo ao caso. Isto porque, um resultado falso positivo para substâncias ilícitas poderia não apenas causar a eliminação da candidata, bem como prejudicar sua reputação profissional.
Outros casos
O STJ já se manifestou sobre situações similares:
"O erro em exame laboratorial que possa impedir o acesso a cargo público configura dano moral in re ipsa, dispensando a comprovação específica do prejuízo, pois o dano decorre da própria natureza do fato" (AgInt no AREsp 1.674.789/SP, Rel. Min. Marco Buzzi).
Perceba, não há necessidade de comprovar que houve “abalo” psíquico, esse fato é presumido.
Inclusive, como houve a contraprova negativa foi fundamental para demonstrar o erro do laboratório.
Em outro caso, o TJ-ES já se manifestou em igual sentido:
“O autor contou que precisou realizar o exame por conta de um processo admissional para ocupar um cargo. Mas antes de fazer o teste para a empresa, ele optou fazer um por conta própria, o qual detectou a substância cocaína, benzoilecgonina e norcocaína. Porém, no mesmo dia em que saiu o resultado ele fez outra coleta para o exame de larga janela de detecção realizado pela contratante, em que não foi detectado o uso de substâncias. O requerente afirmou que não utiliza nenhuma substância ou droga ilícita, por isso, diante da situação, ele solicitou uma contraprova com o mesmo material do primeiro exame. Desta vez, nenhuma substância foi identificada. Ao analisar o caso, a juíza verificou a existência na falha de prestação de serviço por parte do laboratório, tendo como consequência a obrigação de reparar os danos causados. De acordo com ela, a má prestação do serviço, por si só, gera aborrecimentos e transtornos dignos de serem repreendidos. E estes se apresentam ainda mais expressivos no caso em questão, visto que a falha resultou em grave lesão no autor por toda vergonha e transtornos passados por constar em seu exame substâncias ilícitas em seu corpo. Portanto, o autor deve ser reparado pelos danos morais sofridos. Processo nº 5003826-97.2021.8.08.0006 Vitória, 21 de janeiro de 2022” https://www.tjes.jus.br/homem-deve-ser-indenizado-por-laboratorio-devido-a-exame-toxicologico-que-detectou-substancias-que-ele-nao-utilizava/
Lado outro, o Tribunal de Justiça de São Paulo possui precedente relevante:
"A contraprova negativa em exame toxicológico, quando confrontada com resultado positivo anterior, evidencia falha na prestação do serviço e enseja reparação por danos morais" (TJSP, APL 1002354-87.2021.8.26.0001).
Nesse sentido, em outro caso, o STJ decidiu que o simples fato do resultado negativo do exame de DNA agride, ainda, de maneira grave, a honra e reputação da mãe, ante os padrões culturais que, embora estereotipados, predominam socialmente. Isto porque, basta a ideia de que a mulher tenha tido envolvimento sexual com mais de um homem, ou de que não saiba quem é o pai do seu filho, para que seja questionada sua honestidade e moralidade (REsp n. 1.700.827/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/11/2019, DJe de 8/11/2019).
No caso do exame de DNA falso, a indenização foi de R$ 50.000,00.
Assim, guarde, em exames laboratoriais a obrigação é de resultado, não é de “meio” em que ele deve fazer as medidas mais necessárias possíveis a alcançar o resultado pretendido.
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