Erro no enquadramento de bancários por vendedores (Magazine Luiza). Entenda

Erro no enquadramento de bancários por vendedores (Magazine Luiza). Entenda

Notícia

Hoje, viemos trabalhar um tema interessante sobre o prisma do Direito do Trabalho. Trata-se de uma denúncia que foi apresentada ao Ministério Público do Trabalho de São Paulo sobre trabalhadores que envolvem a Magazine Luiza e o Itaú:

O que aconteceu?

De análise da denúncia apresentada, temos que o caso refere-se a LuizaCred, que é uma parceria entre as duas grandes empresas, que empregam aproximadamente 7 mil funcionários em todo o país.

Nesse sentido, o problema é que esses trabalhadores ficam instalados dentro das lojas da Magazine Luiza, mas oferecem amplos serviços financeiros, incluindo empréstimos pessoais, consignados, cartões de crédito e títulos de capitalização…

Dessa maneira, para realizar estas atividades, utilizam os sistemas bancários do Itaú e seguem diretrizes típicas de instituições financeiras.

O problema é que: são registrados formalmente como vendedores da Magazine Luiza, isto é, enquadrados na categoria dos comerciários do varejo, ao invés de serem “bancários”.

Assim, aponta o site que a denúncia aduz que esta forma de contratação poderia configurar uma manobra para evitar o pagamento de salários maiores e a concessão de jornadas de trabalho menores, benefícios típicos das categorias bancária e financeira…

Inclusive, consta que há documentos probatórios anexados à denúncia incluindo panfletos com orientações sobre abordagens de consumidores para venda de produtos financeiros, especialmente consignados para aposentados…

Bom… diante disso, vamos ao que nos interessa que é enfrentar os seguintes questionamentos:

  1. Como se determina juridicamente o enquadramento sindical de um trabalhador?  O que prevalece: a atividade formal ou a real?
  2. Quais são os direitos específicos dos bancários que estariam sendo ofendidos?

Análise jurídica

Como se determina juridicamente o enquadramento sindical de um trabalhador?  O que prevalece: a atividade formal ou a real?

Vamos começar pela questão mais fundamental do caso: o enquadramento funcional dos trabalhadores.

Para entender por que isso é tão importante, precisamos primeiro compreender como a lei determina a categoria profissional de um trabalhador.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece em seu artigo 511:

Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.

§ 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.

De início, perceba que a lei não fala em “nome do cargo” ou “designação formal”, mas sim em “condições de vida oriunda da profissão” e “trabalho em comum”.

Ora, por que isso é importante?

Porque no caso da LuizaCred, embora os funcionários sejam formalmente registrados como vendedores, suas atividades diárias são tipicamente bancárias. Não importa para fins legais, a denominação do cargo que você exerce o trabalho, e sim qual é a função realmente desempenhada.

O que se caracteriza como atividade bancária?

Quem diz isso é a Lei 7.430/85 que estabelece quais são as características do trabalho bancário, adicionando dispositivos na CLT como o art. 224. No caso noticiado, há as seguintes atividades que são desempenhadas conforme a denúncia:

  1. Acesso a sistemas bancários do Itaú (que é um banco);
  2. Oferta de empréstimos consignados (que é uma atividade bancária);
  3. Venda de produtos financeiros (que é uma atividade bancária);
  4. Manipulação de dados bancários sigilosos (que exige uma especialização).

Assim, no fundo, estas atividades se enquadram perfeitamente na descrição legal do trabalho bancário, conforme estabelecido também pela Súmula 55 do TST:

As empresas de crédito, financiamento ou investimento, também denominadas financeiras, equiparam-se aos estabelecimentos bancários para os efeitos do art. 224 da CLT.

Nessa linha, aqui entra um princípio fundamental do Direito do Trabalho: o princípio da primazia da realidade. Como ensina Maurício Godinho Delgado:

"O princípio da primazia da realidade sobre a forma (chamado ainda de princípio do contrato realidade) amplia a noção civilista de que o operador jurídico, no exame das declarações volitivas, deve atentar mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal através de que transpareceu a vontade."

Quais são as conclusões?

No caso concreto, isso significa que:

  1. Em que pese os trabalhadores serem formalmente registrados como vendedores, isso não é determinante para que de fato, seja um “vendedor”;
  2. Logo, o que importa são as atividades efetivamente desempenhadas;
  3. Isto porque as condições reais de trabalho têm prevalência sobre os documentos formais, ainda que esteja escrito no contrato que os funcionários seriam “vendedores”.

Quais seriam as consequências práticas do enquadramento incorreto?

O enquadramento incorreto gera prejuízos financeiros aos trabalhadores bem como de carga horária, como por exemplo…

Jornada de Trabalho:

  • Bancários: 6 horas diárias (Art. 224 da CLT)
  • Comerciários: 8 horas diárias (Art. 58 da CLT)
Art. 224. A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.

Perceba, no caso dos funcionários da LuizaCred, eles estão trabalhando 8 horas diárias, como estabelecido para comerciários no artigo 58 da CLT, quando deveriam fazer jornada de 6 horas – pois é a jornada dos bancários.

Remuneração:

Há um site que inclusive fez uma comparação, ao qual vamos trazer aqui para vocês por uma média de mercado, obviamente.

Direito/BenefícioBancáriosComerciáriosImpacto Financeiro Mensal*
Jornada de Trabalho6 horas diárias (30h semanais)8 horas diárias (44h semanais)Perda de aprox. R$ 1.200 (em horas extras)
Piso SalarialR$ 3.750,00R$ 1.850,00Perda de R$ 1.900,00
PLR (anual)90% do salário + parcela fixaNão prevista em CCTPerda média de R$ 1.000/mês
Vale RefeiçãoR$ 50,00/diaR$ 25,00/diaPerda de R$ 550,00
Auxílio Cesta AlimentaçãoR$ 800,00 + 13ª cestaNão previstoPerda de R$ 800,00
Gratificação SemestralValor de um salário por semestreNão previstaPerda média de R$ 625,00
Auxílio Creche/BabáR$ 650,00 até 71 mesesR$ 300,00 até 36 mesesPerda de R$ 350,00**
TOTALAté R$ 6.425,00/mês***

Entendeu, agora, quais são as diferenças? Bom, é óbvio que o caso será apreciado pela justiça do trabalho, mas agora, você sabe exatamente o que é mais importante.

Até a próxima!


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