STF em julgamento: empresa com dívida tributária pode distribuir lucro aos sócios? ADI 5.161

STF em julgamento: empresa com dívida tributária pode distribuir lucro aos sócios? ADI 5.161

Imagine que para uma empresa de médio porte do setor de tecnologia em São Paulo, a diferença entre distribuir dividendos aos sócios ou enfrentar uma multa de 50% do valor poderia significar a sobrevivência ou falência do negócio.

Isso tem sentido, inclusive multiplicado por milhares de pessoas jurídicas no país, encontrando-se no centro de uma das mais relevantes discussões tributárias do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos.

Nessa lógica, em decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.161, o Ministro Luís Roberto Barroso estabeleceu novos parâmetros constitucionais para a aplicação de sanções políticas pela Fazenda Pública, redefinindo quando o Estado pode legitimamente restringir a distribuição de lucros e bonificações por empresas em débito tributário.

Vamos entender o tema que teve o voto do Min. Barroso e está em andamento: STF suspende julgamento sobre proibição de distribuição de lucros por empresas devedoras.

Dispositivos questionados

Ora, para compreender adequadamente o alcance da decisão, cumpre examinar minuciosamente os dispositivos normativos objeto da controvérsia constitucional.

Nessa linha, o artigo 32 da Lei nº 4.357/1964, com redação conferida pelo artigo 17 da Lei nº 11.051/2004, estabelece vedação expressa “de distribuir dividendos” para pessoas jurídicas em débito não garantido com a União.

Conforme dispõe o caput do referido dispositivo:

"As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de imposto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão proceder à distribuição de bonificações ou participações de lucros”.

Assim, a primeira parte proíbe “distribuir … quaisquer bonificações a seus acionistas”, enquanto a segunda veda “dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos”.

Em outras palavras, nessa linha normativa, o legislador buscou abranger todo o espectro societário beneficiário de distribuições patrimoniais.

Outrossim, o regime sancionatório encontra-se disciplinado no § 1º do mesmo dispositivo, que prevê multa incidente sobre duas categorias distintas de sujeitos.

Primeiro, “às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem bonificações ou remunerações, em montante igual a 50% (cinquenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas indevidamente”.

Segundo, “aos diretores e demais membros da administração superior que receberem as importâncias indevidas, em montante igual a 50% (cinquenta por cento) dessas importâncias”.

Por sua vez, o § 2º estabelece limitação temporal ao quantum punitivo, dispondo que “a multa referida nos incisos I e II do § 1º deste artigo fica limitada, respectivamente, a 50% (cinquenta por cento) do valor total do débito não garantido da pessoa jurídica”.

Extensão normativa e aspectos interpretativos

À vista disso, o artigo 52 da Lei nº 8.212/1991, modificado pela Lei nº 11.941/2009, amplia significativamente o âmbito de incidência das restrições.

Com efeito, o dispositivo estabelece que “às empresas, enquanto estiverem em débito não garantido com a União, aplica-se o disposto no art. 32 da Lei no 4.357, de 16 de julho de 1964”.

Logo, essa técnica legislativa de remissão normativa estende automaticamente todas as vedações e sanções.

Assim, a Solução de Consulta COSIT nº 570/2017, esclareceu-se que “a regular constituição do crédito, e não mero procedimento de aferição de valores, seria a instância justificadora de limitações à distribuição de bônus e de demais valores”.

Ademais, reconheceu-se que “na eventualidade de o crédito respectivo estar com a exigibilidade suspensa (independentemente da causa de suspensão – cf. art. 151 do CTN), não se aplica a proibição em debate”.

Em resumo, se uma empresa está em débito com a União, ela não pode distribuir lucro, caso o débito não esteja garantido ou suspenso de sua exigibilidade, sob pena de multa.

E o que decidiu o STF?

Até agora, vamos aprofundar o voto do Min. Barroso

Fundamentos da decisão do Min. Barroso

Nesse diapasão, a análise pelo Ministro Barroso ancora-se primordialmente na doutrina das sanções políticas consolidada pelo Supremo Tribunal Federal.

O que é sanção política?

Os tributos em atraso devem ser cobrados pelos meios judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais (lançamento tributário, protesto de CDA) legalmente previstos. Existem, portanto, instrumentos legais para satisfazer os créditos tributários.

Justamente por isso, não se pode fazer a cobrança de tributos por meios indiretos, impedindo, cerceando ou dificultando a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte devedor. Quando isso ocorre, a jurisprudência afirma que foram aplicadas “sanções políticas”, ou seja, formas “enviesadas de constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário” (STF ADI 173). Exs.: apreensão de mercadorias, não liberação de documentos, interdição de estabelecimentos.

A cobrança do tributo por vias oblíquas (sanções políticas) é rechaçada por quatro súmulas do STF e STJ:

Súmula 70-STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547-STF: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Súmula 127-STJ: É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.

Desse modo, a orientação jurisprudencial do STF e do STJ é a de que não se pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício da atividade econômica, para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso.

Nas palavras do Min. Edson Fachin:

“As sanções políticas consistem em restrições estatais no exercício da atividade tributante que culminam por inviabilizar injustificadamente o exercício pleno de atividade econômica ou profissional pelo sujeito passivo de obrigação tributária, logo representam afronta aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do devido processo legal substantivo.”

Teste de proporcionalidade

Por conseguinte, o teste de proporcionalidade aplicado pelo relator examinou sucessivamente a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito das medidas questionadas.

Quanto à adequação, reconheceu-se que “a proibição de distribuição de importâncias com a aplicação de multa visa a impedir que o sujeito passivo, titular de débito tributário exigível, dilapide o seu patrimônio, sobretudo em favor dos seus sócios, acionistas e diretores, de forma a frustrar a satisfação das obrigações tributárias”. Tal finalidade foi considerada constitucionalmente legítima.

Empresa com

Entretanto, sob a perspectiva da necessidade e proporcionalidade stricto sensu, identificaram-se óbices constitucionais relevantes.

Conforme consignado pelo magistrado, “a distribuição de importâncias aos sócios, acionistas e diretores se enquadra na condução regular de sociedades empresárias. A não prestação de garantia não configura em si um comportamento fraudulento, nem um indicativo claro de que não haverá o adimplemento futuro”.

Dessa maneira, embora adequadas, as medidas revelaram-se desnecessárias ou excessivas face às circunstâncias concretas.

Dispositivo e tese definitivos

Logo, a partir dessa premissa constitucional, o Ministro Barroso conferiu interpretação conforme à Constituição aos dispositivos questionados.

O dispositivo final determina que:

"a penalidade de multa, em razão de distribuição de bonificações e lucro a sócios, acionistas e diretores, pela pessoa jurídica, com crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa e exigível, somente se aplica na hipótese de não terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita".

Nesse contexto, a tese de julgamento propõe:

"Na hipótese de terem sido reservados bens e rendas suficientes ao total pagamento da dívida, é desproporcional a proibição, sob pena de multa, de distribuição de bonificações e lucro a sócios, acionistas e diretores, pela pessoa jurídica que possua crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa e exigível".

Logo, antes dessa decisão do STF, a lei funcionava assim: se sua empresa tivesse qualquer dívida com a Receita Federal, você não poderia distribuir lucros para os sócios, sob pena de pagar uma multa de 50% do valor distribuído.

Agora, com a decisão do Ministro Barroso, a tese estabelece que só é justo aplicar essa multa quando a empresa realmente não tem como pagar suas dívidas tributárias – ou seja, quando ela distribui lucros mas não reservou dinheiro suficiente para quitar o que deve a União.

Isto é, se a empresa mantém em caixa valor suficiente para pagar toda a dívida tributária, então ela pode distribuir lucros normalmente aos sócios, sem risco de multa.

É como se o STF dissesse: “Não faz sentido punir uma empresa que tem condições de pagar suas contas só porque ela escolheu remunerar seus donos primeiro, desde que garanta que o governo também receberá o que lhe é devido”, vide o que explica o art. 185 do CTN sobre fraude à execução fiscal.

Como o tema já caiu em provas

Prova: VUNESP - 2018 - TJ-SP - Juiz Substituto

Em reiteradas decisões ao longo do tempo, o Supremo Tribunal Federal tem mantido firme o entendimento de não admitir sanção política como meio de coerção ao pagamento de tributo. A respeito do tema, é correto afirmar que a Corte considera inadmissível, por constituir sanção política,

Alternativas

A) o condicionamento de impressão de notas fiscais à prestação de garantia real ou fidejussória por parte do contribuinte com débitos fiscais.

B) a vedação de adesão ao Simples Nacional fundada na existência de débitos perante a Fazenda Pública ou INSS.

C) o protesto de certidão de dívida ativa.

D) a dupla exigência do ICMS em operações interestaduais, como consequência de diferença entre a alíquota do Estado remetente e a do Estado destinatário.

Gab: A.

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