Das 46 vagas previstas para a residência jurídica do TRF 6, apenas 3 são destinadas para a ampla concorrência
O caso
Em agosto de 2024, o TRF da 6ª Região publicou edital para a residência jurídica, com a previsão de 46 vagas mais cadastro de reserva de 100 candidatos.
Porém, o que chamou a atenção dos candidatos foi que, das 46 vagas, apenas 3 (três) estavam destinadas à ampla concorrência. Todas as demais vagas (43) foram reservadas para cotistas.
O edital previu a reserva de:
- 5 vagas para pessoas com deficiência
- 14 vagas para negros
- 1 vaga para indígenas
- 23 vagas para pessoas do gênero feminino.
Reserva de vagas e discriminações legítimas e ilegítimas em provas e concursos públicos
Alguns dos princípios fundamentais do concurso público são a isonomia e a impessoalidade, de forma a proporcionar condições iguais para os candidatos. Não obstante, é possível o estabelecimento de tratamento diferenciado por meio de lei, desde que fundamentados em critérios constitucionais, proporcionais e razoáveis.
Portanto, em concursos públicos, para que seja estabelecida qualquer restrição de acesso para candidatos da ampla concorrência, é necessário que haja uma lei prevendo em qual hipótese essa restrição ocorrerá.
Além disso, se a restrição decorre de reserva de vagas para outros candidatos, é necessário que os princípios subjacentes à medida de política afirmativa sejam, no caso concreto, mais pesados que os princípios subjacentes ao concurso público, quais sejam: a impessoalidade, a isonomia e a eficiência.
Cotas Raciais e o Entendimento do STF sobre Igualdade Material
Por exemplo, no caso das cotas raciais, previstas na lei federal nº 12.990/2014, o STF entendeu que deveriam ser observados os princípios da igualdade material, de maneira que, no entendimento da Corte Suprema, havia o seguinte contexto fático-jurídico (ADC 41):
- necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira e garantir a igualdade material;
- não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência, pois a reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público; e
- a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos.
Princípio da Proporcionalidade e reserva de vagas para pessoas do gênero feminino
Por outro lado, a Corte Suprema já reconheceu a possibilidade de reserva de vagas mínimas para pessoas do gênero feminino, desde que o critério tenha sido estabelecido em lei e essa reserva de vagas não pode ser interpretada como autorização legal que as impeça de concorrer à totalidade das vagas disponíveis em concursos públicos, isto é, com restrição e limitação a determinado percentual fixado nos editais (ADI 7.492/AM, relator Ministro Cristiano Zanin, julgamento virtual finalizado em 09.02.2024).
Pois bem, a questão da reserva de vagas, aparentemente, se encontra superada, de maneira que é possível a sua existência, desde que:
- Prevista em lei;
- Tem por objetivo a concretização de princípios mais pesados, no caso concreto, do que os princípios que exigem tratamento isonômico no concurso público;
- Exista proporcionalidade e razoabilidade.
O caso do TRF da 6ª região
A grande questão no caso do edital para residência jurídica do TRF da 6ª Região é saber se a reserva de vagas realizada pelo Tribunal está de acordo com as premissas acima.
Primeiro, por se tratar de prova para residente jurídico que, por sua natureza, não possui caráter permanente nem se enquadra em “cargo ou emprego público”, não há exigência de lei para que sejam estabelecidos os parâmetros e restrições da seleção.
No entanto, por se tratar de Administração Pública, ainda devem ser observados os demais princípios, sobretudo deve ser realizado o sopesamento entre os princípios que se busca concretizar com as medidas afirmativas do edital com os princípios subjacentes ao concurso público.
Além disso, deve-se observar a razoabilidade e a proporcionalidade. Razoável é a conduta que se insere dentro dos padrões de normalidade aceitos pela sociedade, isto é, dentro dos limites aceitos pela coletividade. Não é a concepção pessoal do administrador, mas os valores adotados pelo chamado “homem-médio”.
O princípio da proporcionalidade, por sua vez, relaciona-se com o excesso de poder. Possui a finalidade de conter os atos públicos que ultrapassem os limites adequados para atingir o objetivo pretendido. A doutrina e o STF entendem que este princípio é subdividido em três subprincípios: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade strictu sensu.
E é nesse ponto que, em nossa opinião, a medida carece de juridicidade. Ao criar a previsão de apenas 3 vagas para a ampla concorrência, a medida se mostra amplamente desproporcional e irrazoável, tornando o que é regra do sistema em exceção.
E você, o que acha desse caso?
Referências
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