* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Emenda Constitucional 136
O Congresso Nacional acaba de promulgar a Emenda Constitucional nº 136/2025, que traz um novo regime de precatórios, ou seja, novas regras para o pagamento das dívidas pela administração pública por conta de decisões judiciais transitadas em julgado (precatórios).
A emenda também libera espaço orçamentário de R$ 12 bilhões para despesas com salário-maternidade, após decisão do STF que estendeu o benefício a trabalhadoras autônomas e seguradas especiais com apenas uma contribuição ao INSS.
Podemos apontar como principais mudanças no regime de precatórios:
- Retira os precatórios federais do limite de despesas primárias do Executivo a partir de 2026;
- Limita o pagamento dessas dívidas por parte de estados e municípios; e
- Refinancia dívidas previdenciárias desses entes com a União.
O grande objetiva da EC 136 é aliviar as finanças de estados e municípios e garantir equilíbrio fiscal da União.
Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, festejou a promulgação. Ele ressaltou que a emenda reafirma o compromisso do Parlamento brasileiro com a responsabilidade fiscal e com a solidariedade e a racionalidade federativas.
“Ao estabelecer limites para o pagamento de precatórios pelos municípios a nova emenda constitucional confere maior previsibilidade às administrações locais e assegura que as obrigações determinadas pela Justiça não resultem no colapso financeiro desses entes federados...
Ao mesmo tempo, abre um novo prazo de parcelamento especial de débitos tanto com os seus regimes próprios quanto com o Regime Geral de Previdência Social, dando fôlego às prefeituras e permitindo que possam organizar suas contas com vistas ao equilíbrio atuarial e à sustentabilidade do sistema”.
No mesmo sentido foram as palavras de Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional:
“Temos a clareza de que esses novos dispositivos constitucionais não resolverão, como um passe de mágica, os graves e recorrentes problemas financeiros dos municípios, mas oferecem uma porta de saída, uma salvação para aqueles que souberem se organizar financeiramente e aproveitar esta oportunidade para equacionar suas contas”.
Análise jurídica
Em regra, a Fazenda Pública, quando tiver contra si, em virtude de decisão judicial, uma dívida reconhecida, deverá realizar o pagamento por meio dos chamados precatórios, conforme art. 100 da CF.
CF/88
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Deve-se fazer o pagamento exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios. O pagamento dependerá, ainda, de haver previsão no respectivo orçamento público.
Além do precatório, existem as chamadas requisições de pequeno valor (RPVs), que funcionam como uma espécie de exceção à regra dos pagamentos por precatório e que dizem respeito às dívidas de valor inferior.
Créditos superpreferenciais
Os créditos superpreferenciais entram no contexto do pagamento dos precatórios.
O Supremo Tribunal Federal formou maioria para determinar que créditos superpreferenciais – devidos a idosos, pessoas com doenças graves ou com deficiência – só podem ser pagos mediante expedição de precatório, salvo quando o valor estiver dentro do limite fixado em lei como obrigação de pequeno valor.

Apesar da regra seja seguir exclusivamente a ordem cronológica de apresentação dos precatórios, conforme caput do artigo 100 da CF/88, há duas exceções:
- Os créditos de natureza alimentícia: estão compreendidos os valores decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
- Os créditos superpreferenciais: terão ainda mais preferência os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei.
CF/88
Art. 100...
§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes da relação laboral ou previdenciária, independentemente da sua natureza tributária, inclusive os oriundos de repetição de indébito incidente sobre remuneração ou proventos de aposentadoria, bem como indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 136, de 2025)
§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.
Fracionamento
Os precatórios relativos a essas pessoas beneficiadas pelos créditos superpreferenciais (idosos, deficientes e portador de doenças graves) serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins de RPVs. A Constituição permite o fracionamento para essa finalidade.
Portanto, se alguém possui um crédito grande em relação à Fazenda Pública, poderá cobrar até 3x o valor de uma RPV como sendo crédito superpreferencial, e o restante do pagamento será na ordem cronológica de apresentação do precatório.
O Supremo Tribunal Federal, interpretando o § 2º do art. 100 da CF/88, entendeu que há possibilidade do pagamento de mais de um precatório dentro da sistemática da “superpreferência” estabelecida no referido dispositivo, a um só credor e no mesmo exercício orçamentário, conforme decidido no RE 964.577.
Portanto, para o STF, a norma constitucional não impossibilita o beneficiário participar na listagem de credor preferencial por mais de uma vez no mesmo exercício financeiro, perante um mesmo Ente Político.
Também vale destacar que, para o Superior Tribunal de Justiça, o crédito de natureza alimentícia é indispensável para a subsistência do titular, tendo fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e visando à proteção de bens jurídicos da mais alta relevância, tais como a vida e a saúde.
Tema 1.156
O Supremo julgou o TEMA 1.156, onde se discutia a possibilidade de pagamento de precatórios de natureza alimentícia, pela via da requisição de pequeno valor (RPV), a credores idosos, ou portadores de doenças graves, ou pessoas com deficiência – os chamados créditos superpreferenciais -, até o limite do triplo do que for definido em lei como obrigações de pequeno valor.
A Constituição exige a elaboração de lei para a definição das obrigações que podem ser adimplidas por requisição de pequeno valor, o que não se verificou em relação aos créditos superpreferenciais.
Ao final, a tese fixada no TEMA 1.156 foi a seguinte: “O pagamento de crédito superpreferencial (art. 100, § 2°, da CF/88) deve ser realizado por meio de precatório, exceto se o valor a ser adimplido encontrar-se dentro do limite estabelecido por lei como pequeno valor.” |
Mudanças da EC 136
Dentre as principais mudanças trazidas pela EC 136/2025, podemos destacar de forma mais detalhada1:
Regras para estados, municípios e DF
A Emenda Constitucional 136 limita o pagamento de precatórios de acordo com o estoque em atraso.
- Se o valor em atraso for de até 15% da receita corrente líquida (RCL) do ano anterior, o pagamento anual será de 1% dessa receita.
- Se o estoque ultrapassar 85% da RCL, o limite de gastos subirá gradualmente até 5%.
Quando houver atraso no pagamento, as regras ficam suspensas. O Tribunal de Justiça poderá determinar o sequestro de contas. O ente federativo não poderá receber transferências voluntárias, e o prefeito ou governador responderá por improbidade fiscal e administrativa.
Parcelamento de dívidas previdenciárias
A emenda reabre o prazo para que estados, municípios e o Distrito Federal parcelem dívidas com os regimes próprios de Previdência Social.
O parcelamento será em até 300 prestações, para débitos vencidos até 31 de agosto de 2025. Para aderir, o ente deve se inscrever no Programa de Regularidade Previdenciária do Ministério da Previdência Social.
Governo federal e meta fiscal
Para o governo federal, a EC 136 retira os precatórios do limite de despesas primárias em 2026, ajudando a cumprir a meta fiscal de R$ 34 bilhões (0,25% do PIB projetado). O estoque de precatórios para 2026 é de cerca de R$ 70 bilhões.
A partir de 2027, 10% do estoque de precatórios será incluído anualmente nas metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
A data limite para apresentação de precatórios transitados em julgado passa de 2 de abril para 1º de fevereiro. Os apresentados depois dessa data serão pagos no segundo exercício seguinte, sem juros de mora até 31 de dezembro.
A emenda também autoriza a criação de linha de crédito em bancos públicos para quitar precatórios que superem a média de comprometimento da RCL dos últimos cinco anos.
A partir de 1º de agosto de 2025, a atualização monetária dos precatórios será pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), salvo se a soma do índice com juros de 2% ao ano ultrapassar a taxa Selic, que então será usada.
Desvinculação de receitas municipais
A EC 136 aumenta de 30% para 50% a desvinculação de receitas municipais até 31 de dezembro de 2026. Assim, parte das receitas de impostos, taxas, contribuições e multas poderá ser usada livremente.
De 2027 a 2032, o percentual volta a ser 30%. Nesse período, os superávits financeiros dos fundos municipais só poderão ser usados em saúde, educação e adaptação às mudanças climáticas.
Recursos para crise climática
Entre 2025 e 2030, o governo federal poderá usar até 25% do superávit financeiro de fundos públicos para projetos de enfrentamento das mudanças climáticas e de transformação ecológica.
Esses recursos virão de fundos do Executivo, como o Fundo Social do pré-sal e o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).
Atualmente, 30% desses recursos já são desvinculados para despesas federais pela Desvinculação de Receitas da União (DRU). A partir de 2031, os valores não usados serão devolvidos gradualmente aos fundos, conforme cronograma.
Ótimo tema para provas de direito constitucional, direito administrativo e direito financeiro. Portanto, muita atenção!
- SOUZA, Murilo. Congresso Nacional promulga emenda constitucional com novas regras sobre pagamento de precatórios. Câmara dos Deputados. 2025. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/1198404-congresso-nacional-promulga-emenda-constitucional-com-novas-regras-sobre-pagamento-de-precatorios/>. ↩︎
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