* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o caso
A cabelereira Débora Rodrigues dos Santos foi flagrada pichando, com um batom, a frase “perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, em frente ao Supremo Tribunal Federal, durante os terríveis atos de 8 de janeiro de 2023. Ela encontra-se presa há mais de dois anos.
A cabelereira, que é mãe de dois filhos, está sendo acusada dos seguintes crimes:
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP);
- Tentativa de golpe de Estado (art. 359-M);
- Dano qualificado com violência (art. 163, parágrafo único, I, III e IV);
- Associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único); e
- Deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I da lei 9.605/98).
Votos dos ministros
O relator, ministro Alexandre de Moraes, votou pela condenação, com uma pena de 14 anos, além de multa individual de R$ 50 mil. Seu voto foi seguido pelo ministro Flávio Dino.
Luiz Fux pediu vista para melhor analisar o caso, adiando o julgamento. Mas ele já adiantou que irá rever a pena aplicada, dando a entender que a considerou exagerada: “Debaixo da toga bate o coração de um homem”.
“Aqui o ministro Alexandre de Moraes citou um caso que eu pedi vista recentemente, do caso do batom. Eu tenho, e aqui eu falo aos integrantes da minha turma, que nós temos toda a liberdade e respeito à independência de opinião de todos os colegas… que eu vou fazer uma revisão dessa dosimetria. Porque se a dosimetria é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado. E o magistrado o faz à luz da sua sensibilidade, do seu sentimento, em relação a cada caso concreto. E o ministro Alexandre, por seu trabalho, explicitou a conduta de cada uma das pessoas. E eu confesso que em determinadas ocasiões me deparo com uma pena exacerbada. E foi por essa razão, ministro Alexandre, dando uma satisfação para vossa Excelência, que eu pedi vista do caso. Eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava”.
Parte considerável dos estudiosos do Direito penal e do processo penal enxergam a pena como exagerada e desproporcional. Contudo, Alexandre de Morais ressaltou que a punição não está relacionada apenas à pichação da estátua, e sim a fatos muito mais graves.
A questão de discussão, portanto, é a relativa à dosimetria da pena.
Dosimetria da pena

O objetivo da dosimetria da pena é garantir que a pena seja proporcional ao crime cometido e que aja como uma forma eficaz de prevenir futuros crimes.
Sistema trifásico
O código penal brasileiro adotou o sistema trifásico de dosimetria da pena, conforme determina o artigo 68. Temos a seguinte dinâmica:
1ª Fase – Fixação da pena-base: são levadas em consideração as circunstâncias que envolvem o crime, previstas no artigo 59, tais como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima.
2ª Fase – Fixação da pena provisória: após a fixação da pena-base, o juiz avaliará as circunstâncias legais atenuantes e agravantes.
Circunstância atenuantes -> estão previstas no artigo 65 do Código Penal, e são:
• o agente ter menos de 21 anos ou mais de 70 na data da sentença;
• desconhecimento da lei;
• cometer o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
• se o agente minorar as consequências do crime ou, antes do julgamento, reparar o dano de forma espontânea;
• se o crime for cometido sob coação a que podia resistir ou em cumprimento de ordem de autoridade superior;
• sob violenta emoção provocada por ato injusto da vítima;
• se confessar a autoria do crime de forma espontânea;
• se o crime for cometido sob a influência de multidão, caso não tenha provocado o tumulto;
Circunstância agravantes -> estão previstas no artigo 61 do Código Penal, e são:
• reincidência;
• motivo fútil ou torpe;
• se o crime for cometido para assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime;
• mediante traição, emboscada ou dissimulação;
• com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio cruel;
• contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
• com abuso de autoridade;
• prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hostilidade;
• com violência contra a mulher;
• com abuso de poder;
• contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida;
• quando o ofendido estava sob proteção de autoridade;
• em caso de incêndio, naufrágio, inundação ou calamidade pública, ou desgraça particular do ofendido;
• em caso de embriaguez preordenada.
3ª Fase – Fixação da pena definitiva: após a fixação da pena provisória, calcula-se a pena definitiva, sendo aplicadas as causas de aumento ou diminuição da pena, chamadas de minorantes ou majorantes.
As causas de aumento ou diminuição da pena estão espalhadas na parte geral e na parte especial do Código Penal e podem aumentar a pena acima do limite máximo ou reduzi-la abaixo do mínimo.
Teoria das margens
A grande dificuldade na dosimetria da pena, no sistema trifásico, é o quantum que o juiz deve estabelecer na primeira e na segunda fases, porque não há um valor certo previsto na legislação.
Na primeira e na segunda fases, não há o limite mínimo e o máximo, em termos de fração, para o juiz elevar a pena-base acima do mínimo legal ou até mesmo, em eventual agravante, elevar na segunda fase. É um critério discricionário do juiz.
A aplicação da pena, portanto, é uma atividade discricionariamente vinculada, ou seja, o juiz, dentro dos limites e das balizas legais, tem liberdade para analisar o caso concreto, podendo aplicar pena máxima, intermediária ou mínima, dentro da sua discricionariedade.

Individualização da pena
Temos, ademais, o princípio da individualização da pena, pelo qual a pena deve ser individualizada nos planos legislativo, judiciário e executório, evitando-se a padronização da sanção penal. Para cada crime tem-se uma pena que varia de acordo com as circunstâncias do crime e características dos agente.
Medidas cautelares
Voltando ao caso de Débora, a cabelereira afirmou que não invadiu nenhum dos prédios dos Três Poderes, e que apenas tinha pichado, com batom, a estátua com a frase “Perdeu, mané”.
Ela chegou a gravar um vídeo e enviar uma carta ao ministro Alexandre de Moraes, pedindo desculpas pelo ocorrido, e disse que “não fazia ideia” do valor “financeiro e simbólico” do monumento.
"Termino essa carta na esperança de que essa demonstração sincera do meu arrependimento possa ser levada em consideração por Vossa Excelência".
Após a defesa de Débora pedir a liberdade provisória, a Procuradoria-Geral da República defendeu a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, mas foi contra a soltura imediata.
No dia 28 de março de 2025, Alexandre de Moraes concedeu a prisão domiciliar à Débora, apontando que ela já cumpriu quase 25% exigidos de uma possível pena, e definiu as seguintes medidas cautelares, que precisam ser cumpridas:
- Uso de tornozeleira eletrônica;
- Proibição de usar redes sociais;
- Proibição de se comunicar com os demais envolvidos dos crimes, por qualquer meio;
- Proibição de dar entrevistas sem autorização do Supremo;
- Proibição de visitas, exceto de seus advogados.
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