Olá, tudo bem? Hoje falaremos sobre o dolo presumido na decisão de pronúncia, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Inicialmente, comentaremos sobre a decisão de pronúncia no âmbito do Tribunal do Júri, conforme prevê o Código de Processo Penal (CPP).
Após, veremos o que o STJ entende sobre a possibilidade de se presumir o dolo do agente na decisão de pronúncia.
Vamos entender isso!
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Índice
Dolo presumido na decisão de pronúncia
Pronúncia
O Código de Processo Penal prevê como procedimentos o comum e o especial. O procedimento comum divide-se em ordinário, sumário e sumaríssimo, enquanto o procedente especial tem como exemplo, dentre outros ritos, o rito especial do Tribunal do Júri.
O Tribunal do Júri possui previsão, inclusive, constitucional, na medida em que o artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal reconhece a instituição do júri, assegurando-lhe a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Nesse sentido, o procedimento do júri divide-se em duas fases:
- Juízo de acusação (judicium accusationis): nesta fase o magistrado da causa analisará o acervo probatório e, uma vez concluída a produção de provas, deverá tomar uma decisão, podendo ser ela a de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação do crime para outro rito que não seja o do júri.
- Juízo de mérito da causa (judicium causae): nesta fase, caso o acusado seja pronunciado, o procedimento especial do júri seguirá seu curso com os passos necessários até chegar o momento de julgamento pelos jurados.
Note, portanto, que o magistrado, no procedimento do júri, tão somente toma uma decisão acerca da culpabilidade do acusado na primeira fase do judicium accusationis, que é quando deverá se manifestar acerca da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.
Nos casos especificados no artigo 415 do CPP, deverá, ainda, desde logo absolver o acusado:
Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:
I – provada a inexistência do fato;
II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;
III – o fato não constituir infração penal;
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.
Por fim, não sendo o caso de competência do Tribunal do Júri, deverá desclassificar o delito e remeter ao juízo competente, como ocorre, por exemplo, quando se verifica que o crime contra a vida foi praticado em sua modalidade culposa.
Dolo presumido na decisão de pronúncia?
Caso concreto do AgRG no HC nº 891.584/MA
Para analisar o tema central deste artigo, utilizaremos de exemplo o julgamento da 6ª Turma do STJ, sob a Relatoria do Ministro Antônio Saldanha Palheiro (Relator para Acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior), no Agravo Regimental no Habeas Corpus (AgRG no HC) nº 891.584/MA.
Nesse caso, determinado réu havia sido pronunciado em virtude de ter praticado, em concurso formal, os crimes doloso de homicídio (cinco vezes), lesão corporal (três vezes) e dano (uma vez).
De acordo com a denúncia, esses fatos criminosos teriam sido praticados quando o réu estava na direção de veículo automotor:
(…) o recorrente conduzia o automóvel com sinais de embriaguez e com velocidade acima da permitida, quando esbarrou no meio-fio da Av. Prof. Carlos Cunha, perdeu a direção do veículo e caiu barranco abaixo na Rua 01 do Jaracaty, atingindo um grande número de pessoas, sendo que 5 (cinco) pessoas vieram a óbito no local (…)
Contra a decisão de pronúncia, o réu interpôs recurso em sentido estrito (artigo 581, IV, do CPP), mas o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA), entendeu que a decisão de pronúncia havia sido correta.
Contra a decisão do TJMA, a defesa manejou habeas corpus, o qual foi denegado pelo Relator do feito no STJ de forma monocrática. Esta decisão singular foi combatida através de agravo regimental, levando a julgamento diante de toda a 6ª Turma.
O principal argumento do acusado era o de que não haveria nos autos demonstração cabal de que o ele agiu com dolo eventual e aquiesceu com a ocorrência do resultado morte, assumindo o risco de produzi-la, devendo, então, ser considerado que agiu com culpa consciente e, assim, desclassificado o delito para crime culposo contra a vida, afastando-se a competência do Tribunal do Júri.
→ E o que será que a 6ª Turma do STJ entendeu? A tese defensiva foi acolhida? Vamos conferir agora!
O que o STJ entendeu?
A 6ª Turma do STJ deu provimento ao agravo regimental, reformando a decisão monocrática do Relator que havia denegado a ordem de habeas corpus.
Voto do Relator (voto vencido)
Para o Relator, a ordem de habeas corpus deveria ser denegada, já que, de acordo com o magistrado de primeiro grau e também com o TJMA, haveria fundadas dúvidas a respeito da presença ou não do elemento subjetivo dolo, notadamente porque as instâncias citadas entenderam haver fortes indícios de que o réu estava com sinais de embriaguez, dirigindo perigosamente, imprimindo velocidade excessiva, o que apontaria que tivesse assumido o risco do resultado (dolo eventual).
Nessa esteira, o Relator apresentou precedentes do STJ no sentido de que, quando há dúvidas acerca do elemento subjetivo do crime (ou seja, se o acusado atuou com dolo eventual ou culpa consciente), deve o Tribunal do Júri firmar o entendimento num ou noutro sentido.
Isso porque, nos casos de crimes dolosos contra a vida, a competência é constitucionalmente atribuída ao Tribunal do Júri, o qual, nesses casos, funciona como verdadeiro juiz natural da causa.
Desse modo, sendo o Tribunal do Júri o juiz natural da causa, e havendo teses divergentes igualmente embasadas acerca da existência ou não de dolo, caberia àquele decidir sobre o ponto e decidir por uma das versões apresentadas, a fim de, no que se refere ao cometimento de crimes dolosos contra a vida, condenar, absolver ou, ainda, desclassificar a conduta.
No entanto, esse entendimento NÃO prevaleceu no julgamento, ficando o Relator vencido no caso.
O entendimento que prevaleceu é o que veremos abaixo, capitaneado pela divergência inaugurada pelo Ministro Sebastião Reis Júnior
Divergência inaugurada pelo Ministro
É importante mencionar, no entanto, que o julgamento acima não ocorreu por unanimidade, mas sim por maioria de votos. Isso porque o Ministro Sebastião Reis Júnior inaugurou divergência e foi acompanhado pela maioria dos demais ministros que compunham a 6ª Turma.
O entendimento que prevaleceu é o de que, ao contrário do que afirma o Magistrado singular, a pronúncia é sim o momento em que, após a devida instrução probatória, o Juízo tem condições mínimas de averiguar se se trata de homicídio com intenção de matar.
Nessa esteira, a 6ª Turma apontou que tanto é verdade que, nessa fase (judicium accusationis), podem ser tomadas decisões como as de impronúncia, desclassificação ou a de absolvição sumária.
Desse modo, a pronúncia NÃO se trata de uma mera decisão que avalia a plausibilidade jurídica das acusações e recebe a inicial acusatória, mas sim consiste em um verdadeiro juízo de admissibilidade realizado após produção probatória.
Por esse motivo, NÃO se pode admitir que o acusado seja submetido a julgamento por juízes leigos, apenas por mera presunção. Assim, o dolo deve ser inequívoco, sob pena de incompetência do Tribunal do Júri.
O voto divergente e condutor do acórdão também considerou que:
- Logo após o acidente foram tomadas medidas preventivas pela Prefeitura da Capital, no sentido de reforçar a segurança na via para evitar outros acidentes no local, o que, de acordo com o STJ, reforçaria a fundada dúvida a respeito do dolo eventual do acusado;]
- Outros acidentes ocorrem no mesmo local e uma barreira metálica vinha sendo uma reivindicação constante dos moradores daquela área, que realizaram protestos, fecharam a via, mas só conseguiram uma atitude proativa do Poder Público, após a fatalidade.
- O local era ermo, o acidente ocorreu na madruga e somente ocorreu em virtude de que, anteriormente, um outro veículo caiu de um barranco sobre uma rua de casas em que acontecia um evento, circunstâncias não passíveis de ser previstas pelo condutor do veículo.
Por tais motivos, a 6ª Turma do STJ entendeu que deve ser desclassificada a conduta de homicídio simples doloso para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro), afastando, por consequência, a competência do Tribunal do Júri.
Conclusão
Portanto, pessoal, este foi nosso resumo sobre o dolo presumido na decisão de pronúncia, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Como vimos, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, ainda que a pronúncia seja uma fase em que a decisão é tomada com base em um juízo de probabilidade, não se admite que a presença do dolo, elemento essencial para a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, seja imputado mediante mera presunção.
Não deixe de revisar o assunto em seu material de estudo e praticar com diversas questões.
Até a próxima!
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