STF conclui julgamento e define teses envolvendo Testemunhas de Jeová

STF conclui julgamento e define teses envolvendo Testemunhas de Jeová

O Supremo Tribunal Federal deu um passo importante em relação ao direito das Testemunhas de Jeová de recusarem transfusões de sangue.

* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas

testemunhas de jeová

Direito à Liberdade

O direito à liberdade está previsto em diversos dispositivos da Constituição Federal, a exemplo do art. 5º, II, IV, VI, IX e art. 220.

Legislação de Apoio

CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;



Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

De acordo com o direito à liberdade, o Estado não pode impedir ações ou omissões, desde que não existam razões suficientes para justificar a restrição da liberdade, tal como direitos de terceiros ou interesses coletivos (liberdade formal).  Além disso, em situações de colisão ou conflito, o valor relativo da “liberdade geral de ação” deve ser sopesado com maior densidade material (liberdade material).

Entenda o caso

Primeiramente, ressalta-se que o tema polêmico refere-se a questão das Testemunhas de Jeová e a recusa à transfusão de sangue. Trata-se de importante exemplo, que irá envolver a ponderação de direitos fundamentais. Em algumas situações teremos em conflito o direito à vida em contraponto com a liberdade consciência e de crença. 

Em apertada síntese, para essa religião, por meio de uma interpretação bíblica, a aceitação de sangue (considerado algo especial), violaria as leis de Deus. Por certo, aceitam-se tratamentos alternativos para o tratamento médico. O dilema surge quando não existe outra opção, senão a transfusão para salvar a vida.

Qual o caminho seguido pelo STF?

A Suprema Corte, em decisão unânime, entendeu que é constitucional a recusa de testemunhas de Jeová à transfusão de sangue. Assim, as Testemunhas de Jeová poderiam se recusar a realizar transfusão de sangue em tratamentos realizados pelo SUS. A seguir, demonstraremos as teses fixadas e eventuais condicionantes.

Os recursos extraordinários julgados pelo STF tiveram repercussão geral reconhecida. O tema 952 envolvia conflito entre a liberdade religiosa e o dever do Estado de assegurar prestações de saúde universais e igualitárias. Por seu turno, o tema 1.069 abordava o direito de autodeterminação das testemunhas de Jeová de submeterem-se a tratamento médico realizado sem transfusão de sangue, em razão da sua consciência religiosa.

Detalhes dos votos na Suprema Corte

De acordo com os ministros que votaram até o momento, a recusa ao tratamento com transfusão de sangue seria possível desde que feita por maior de idade, manifestada pelo próprio paciente e não se estendendo a terceiros.

Além disso, a manifestação deve ser realizada após esclarecimento médico, sem coação, de maneira autônoma, expressa e prévia ao ato médico.

Conforme o ministro Barroso:

“A dignidade humana exige o respeito à autonomia individual na tomada de decisões sobre a saúde e o corpo. Já a liberdade religiosa impõe ao Estado a tarefa de propiciar um ambiente institucional, jurídico e material adequado para que os indivíduos possam viver de acordo com os ritos, cultos e dogmas da sua fé, sem coerção ou discriminação”.

Nesse sentido, em seu voto, esclareceu o ministro Gilmar Mendes:

“Em razão da liberdade religiosa e da autodeterminação, mostra-se legítima a recusa pelas Testemunhas de Jeová de tratamento que envolva transfusão de sangue, não sendo possível ao médico impor procedimento recusado por paciente no gozo de sua capacidade civil plena, de forma livre, consciente e informada”.

No material de Direito Constitucional para Defensoria Pública, defendemos aos nossos alunos o seguinte posicionamento para as provas como sugestão de resposta: 

  • 1ª parte: Paciente absolutamente capaz e consciente no momento de manifestar a decisão: não pode ser imposto o tratamento, respeitando-se a autonomia da vontade. 
  • 2ª parte: Paciente inconsciente ou incapaz: não podemos suprir a vontade do paciente pela de seus familiares ou representantes, devendo realizar a transfusão caso exista perigo de morte, sob pena de responsabilização do médico e do responsável.

Sobre o tema, importante destacar o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: 

Julgado de Apoio - STJ - HC 268459 / SP. (...) No juízo de ponderação, o peso dos bens jurídicos, de um lado, a vida e o superior interesse do adolescente, que ainda não teria discernimento suficiente (ao menos em termos legais) para deliberar sobre os rumos de seu tratamento médico, sobrepairam sobre, de outro lado, a convicção religiosa dos pais, que teriam se manifestado contrariamente à transfusão de sangue. Nesse panorama, tem-se como inócua a negativa de concordância para a providência terapêutica, agigantando-se, ademais, a omissão do hospital, que, entendendo que seria imperiosa a intervenção, deveria, independentemente de qualquer posição dos pais, ter avançado pelo tratamento que entendiam ser o imprescindível para evitar a morte. Portanto, não há falar em tipicidade da conduta dos pais que, tendo levado sua filha para o hospital, mostrando que com ela se preocupavam, por convicção religiosa, não ofereceram consentimento para transfusão de sangue - pois, tal manifestação era indiferente para os médicos, que, nesse cenário, tinham o dever de salvar a vida. Contudo, os médicos do hospital, crendo que se tratava de medida indispensável para se evitar a morte, não poderiam privar a adolescente de qualquer procedimento, mas, antes, a eles cumpria avançar no cumprimento de seu dever profissional (...).

Dessa forma, nosso posicionamento é realizado à luz dos princípios constitucionais da isonomia, da razoabilidade, da liberdade e da proteção integral de crianças e adolescentes.

Tratamentos alternativos

Em seus votos, os ministros defendem a progressiva implementação de tratamentos alternativos no Sistema Único de Saúde, ainda que indisponíveis em seu domicílio, quando os métodos utilizados em seu local de residência não forem adequados.

Assim, hospitais credenciados devem oferecer o tratamento, ainda que em outro domicílio.

Teses fixadas – testemunhas de jeová

Seguindo essa linha de raciocínio, vejamos as teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal:

RE n. 979742:

  1. Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.
  2. Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.

RE n. 1212272:

  1. É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, recursar-se a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por motivos religiosos é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade.
  2. É possível a realização de procedimento médico disponibilizado a todos pelo Sistema Único de Saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente.

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