Direito real de habitação impede extinção de condomínio e venda do imóvel – diz STJ

Direito real de habitação impede extinção de condomínio e venda do imóvel – diz STJ

De início, vamos comentar essa notícia no site do STJ:

Direito real de habitação impede extinção do condomínio e alienação do imóvel

Entretanto, para compreendermos adequadamente a relevância do julgado proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 2.189.529/SP, faz-se imperioso, preliminarmente, analisarmos a natureza jurídica do direito real de habitação e suas implicações no ordenamento civil brasileiro.

Exemplo

João era casado com Maria. Faleceu, deixando quatro filhos e, como herança, um único apartamento, que estava em seu nome e onde morava com a esposa. Nesse caso, Maria terá direito real de habitação sobre esse imóvel.

O que significa isso?

A pessoa que tem direito real de habitação poderá residir no imóvel. Logo, mesmo havendo quatro filhos como herdeiros, Maria é quem terá direito de ficar residindo no apartamento.

O direito real de habitação tem por objetivo garantir o direito fundamental à moradia (art. 6º, caput, da CF/88) e o postulado da dignidade da pessoa humana (art. art. 1º, III).

Recai sobre o imóvel destinado à residência da família

O cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no momento da abertura da sucessão (STJ. 3ª Turma. REsp 1273222/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/06/2013).

O direito real de habitação perdura por quanto tempo?

O direito real de habitação é vitalício e personalíssimo, o que significa que o titular (ex.: esposa supérstite) pode permanecer no imóvel até o momento do seu falecimento.

Sua finalidade é assegurar que o viúvo ou viúva permaneça no local em que antes residia com sua família, garantindo-lhe uma moradia digna.

O direito real de habitação precisa de inscrição no registro de imóveis?

NÃO. O direito real de habitação é ex lege, ou seja, emana diretamente da lei (art. 1.831 do CC). Devido à sua natureza, para que produza efeitos, é desnecessária a inscrição no cartório de registro de imóveis (REsp 565.820/PR).

Com efeito, o direito real de habitação, previsto no artigo 1.831 do Código Civil e no artigo 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/1996, constitui prerrogativa de índole personalíssima e vitalícia conferida ao cônjuge ou companheiro sobrevivente. Nesse diapasão, a doutrina civilista tem sustentado que referido direito visa concretizar, no plano infraconstitucional, os princípios constitucionais da proteção à família e do direito fundamental à moradia.

O Código Civil prevê o direito real de habitação em seu art. 1.831:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Outrossim, cumpre destacar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem evoluído no sentido de reconhecer que tal direito prescinde de registro cartorário para sua eficácia, tratando-se de direito que emerge ex lege da própria condição de cônjuge ou companheiro sobrevivente.

Análise do caso concreto

No caso em apreço, a controvérsia surgiu quando Enedina da Cunha Pereira, Edilene da Cunha Pereira, Maria Edeleusa Pinheiro, Maria Elsa Pereira dos Santos, Erasmo do Vale Pereira, Denise do Vale Pereira e Elias do Vale Pereira ajuizaram ação de extinção de condomínio cumulada com cobrança de aluguel em face de Celma Aparecida do Vale Pereira Filisbino.

Destarte, a demanda objetivava atingir dois imóveis integrantes do espólio: um urbano e outro rural, os quais vinham sendo ocupados exclusivamente pelos corréus. Ademais, a parte ré invocou o direito real de habitação da viúva especificamente sobre o imóvel urbano, sustentando a impossibilidade tanto da cobrança locatícia quanto da extinção condominial.

Por conseguinte, o juízo de primeira instância julgou procedentes os pedidos iniciais, determinando o pagamento de aluguéis e a extinção do condomínio relativamente a ambos os imóveis.

Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou parcialmente a decisão, reconhecendo o direito real de habitação da viúva apenas quanto ao imóvel urbano e afastando a exigência de aluguéis, mas mantendo a possibilidade de extinção do condomínio.

A fundamentação jurisprudencial da 3ª Turma

Nessa esteira, a Ministra Relatora Nancy Andrighi, ao apreciar o recurso especial interposto, demonstrou percuciente análise dos fundamentos doutrinários e jurisprudenciais que informam o direito real de habitação.

direito real de habitação

Sobretudo, a Ministra ressaltou que o instituto “atende a razões de ordem humanitária e social”, constituindo forma de concretização do direito constitucional à moradia.

Com efeito, a eminente Relatora invocou autorizada doutrina para sustentar que “o trauma provocado pela morte do cônjuge não deve ser agravado por outro trauma, o do desenraizamento do espaço de vivência”. Tal assertiva revela a dimensão axiológica que permeia o instituto, transcendendo considerações meramente patrimoniais.

Ademais, o acórdão destacou precedente jurisprudencial segundo o qual o direito real de habitação persiste mesmo quando há apenas descendentes exclusivos do falecido, demonstrando que a proteção legal independe da configuração familiar específica.

Impossibilidade de extinção do condomínio

Nesse contexto, a questão jurídica fundamental residia em determinar se o direito real de habitação constituiria óbice apenas à cobrança de aluguéis ou se também impediria a extinção do condomínio.

Destarte, a Corte de origem havia incorrido em equívoco conceitual ao admitir a extinção condominial não obstante o reconhecimento do direito habitacional.

Por conseguinte, a Ministra Nancy Andrighi foi categórica ao assentar que “o direito real de habitação também impede a extinção de condomínio, de modo que o respectivo pedido quanto ao imóvel urbano, sobre o qual recai o referido direito, deve ser julgado improcedente”.

Nessa linha de intelecção, o Superior Tribunal de Justiça fundamentou sua decisão no artigo 1.414 do Código Civil, que estabelece ser o direito real de habitação inalienável e impenhorável.

Outrossim, a Corte Superior invocou o princípio da ponderação de valores, sustentando que “a impossibilidade de as pessoas disporem livremente de seu patrimônio é justificada pela relevante proteção legal e constitucional à família”.

Explicando de outra forma

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Regina e João foram casados por muitos anos e tiveram dois filhos: Ana e Pedro. Além disso, João tinha um filho do primeiro casamento: Carlos.

O casal vivia em uma casa ampla, em um bairro residencial bem localizado. Este é o único imóvel que possuíam.

Após o falecimento de João, a casa passou a ser propriedade comum entre Regina (a viúva), Ana, Pedro e Carlos, em regime de condomínio.

Regina continuou morando na casa com os filhos Ana e Pedro.

Carlos não concordou. Ele queria vender a casa, dividindo o valor entre todos os herdeiros.

Diante disso, Carlos ajuizou uma ação de extinção de condomínio, pedindo a venda judicial do imóvel e o pagamento de aluguéis por parte de Regina, Ana e Pedro que estavam morando no local.

O pedido de Carlos foi acolhido pelo STJ?

NÃO.

Incide, no caso, o direito real de habitação.

Esse direito está previsto no art. 1.831 do Código Civil e art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.278/1996, e garante que o cônjuge ou companheiro que sobrevive ao falecido possa permanecer gratuitamente no imóvel que servia de residência familiar, desde que seja o único dessa natureza a ser inventariado.

Esse direito é ex lege, ou seja, decorre diretamente da lei, sendo vitalício e personalíssimo. Isso significa que ele não depende de testamento nem de registro específico, e só se extingue com a morte do beneficiário.

Além disso, o uso do imóvel é gratuito, não podendo os demais herdeiros exigir pagamento de aluguéis da viúva ou viúvo que ali resida.

O direito real de habitação possui um caráter humanitário e social: o objetivo é proteger a moradia e a dignidade da pessoa que acabou de perder o cônjuge, evitando que ela seja retirada do lar que construiu durante a vida em comum. Essa proteção reflete os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar.

No caso concreto, a viúva residia no único imóvel urbano deixado pelo falecido. Enquanto perdurar o direito real de habitação, não é possível extinguir o condomínio e vender judicialmente o imóvel, ainda que este pertença também aos demais herdeiros. A tentativa de venda forçada do bem violaria a proteção legal conferida à viúva, pois obrigaria sua saída do imóvel, contrariando diretamente o objetivo da norma.

Embora se reconheça que os demais herdeiros têm direitos de propriedade sobre o imóvel, esses direitos devem ser exercidos com respeito à limitação imposta pelo direito real de habitação, que prevalece nesse caso por proteger um interesse mais sensível e prioritário: a moradia do cônjuge sobrevivente.

Em suma:

O direito real de habitação do cônjuge ou companheiro sobrevivente, enquanto perdurar, impede a extinção do condomínio e a respectiva alienação judicial do imóvel de copropriedade dos herdeiros do falecido.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.189.529-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/6/2025 (Info 26 - Edição Extraordinária).

Como o tema já caiu em provas

Ano: 2025 Banca: Fundação Getúlio Vargas – FGV Prova: FGV - TJ CE - Juiz Substituto - 2025

Eduarda faleceu em 2024, sem deixar descendentes e sem testamento. Era casada com Lúcia, sob o regime da separação convencional de bens desde 2012. No entanto, na data do óbito, estavam separadas de fato há dois anos e Eduarda residia sozinha, mantendo apenas contatos esporádicos com a cônjuge sobrevivente.

Lúcia ajuizou o inventário, pleiteando o reconhecimento do direito real de habitação sobre o único imóvel deixado por Eduarda, que servira de residência comum até a separação de fato e o recebimento da herança em concorrência com os pais vivos da falecida.

Os pais de Eduarda contestaram ambos os pedidos, alegando que a separação de fato há mais de dois anos impediria a sucessão de Lúcia e que o direito de habitação não subsistiria após a separação.

Sobre a hipótese apresentada, com base nos dispositivos legais pertinentes e na jurisprudência aplicável, assinale a afirmativa correta.

E. Lúcia terá direito ao quinhão hereditário em concorrência com os ascendentes, mas não ao direito real de habitação, pois este só é assegurado quando o imóvel ainda serve de residência ao cônjuge sobrevivente. (Incorreto)
Ano: 2024 Banca: Centro de Seleção e de Promoção de Eventos UnB - CESPE CEBRASPE

Prova: CESPE/CEBRASPE - TJ PE - Titular de Serviços Notariais e Registrais - Provimento - 2024

Conforme entendimento do STJ, o direito real de habitação do cônjuge supérstite

A. não vigora se o regime de casamento do casal tiver sido o da separação obrigatória de bens.

B. extingue-se se ele vier a contrair novo matrimônio ou falecer.

C. extingue-se se ele vier a constituir nova família sob a forma de união estável.

D. é assegurado em relação ao imóvel em que o casal residia ao tempo da abertura da sucessão, ainda que o de cujus tenha deixado outro imóvel dessa natureza.

E. tem natureza de direito real, vitalício e personalíssimo. (Correto)
Ano: 2023 Banca: Banca Própria, FGV Órgão: DPE-RJ Prova: Defensor Público (DPE RJ - 2023) Carreira: Defensoria Pública Cargo: Defensor Público Estadual 

Armando, um discreto artista plástico nascido em 16/12/1948, casou-se com Marlene numa paradisíaca ilha na cidade de Angra dos Reis, aos 17/12/2019, data em que ela completou a sua quadragésima quarta primavera. Ele fizera, na véspera, seu septuagésimo primeiro aniversário.

Ambos os nubentes estavam muito felizes porque o casamento coroou uma união estável iniciada exatamente há 12 (doze) anos, na inesquecível data de 17/12/2007 quando foram morar juntos, com intuito de constituir família, após a elaboração da escritura pública de união estável no cartório do Ofício Único do Serviço Notarial e Registral de Paraty, na qual não constou qualquer previsão de regime de bens.

Muito embora fosse um casal maduro, ambos estavam completamente apaixonados e com excelente saúde, razão pela qual resolveram adiar os planos para geração de prole comum. No dia 28/12/2019, por insistência de Armando, compareceram a um famoso hospital- especializado em reprodução humana situado no bairro da Lagoa, Município do Rio de Janeiro, e realizaram, gratuitamente, procedimento de reprodução assistida homóloga sem, contudo, implantar os embriões no útero de Marlene naquele momento, porque estavam com viagem de ônibus marcada para a serra de Nova Friburgo, onde fariam a trilha do mirante da Pedra do Cão Sentado.

A partir da fertilização, um único embrião se mostrou viável e foi criopreservado. Marlene nunca teve filhos e Armando era pai de Terseu, brasileiro, solteiro, banqueiro, nascido em 01/04/1970, residente e domiciliado na Avenida Brigadeiro Faria Lima, no XXXX – São Paulo – SP. Terseu não possuía filhos e nutria um ódio mortal por Armando, justificando que ele sempre foi um pai ausente e não se casou com sua mãe que morreu em 01/03/1994, ainda apaixonada por Armando.

No dia 02/11/2023, Armando foi atropelado por um veículo desconhecido e não identificado enquanto pedalava na Rodovia Rio Santos, altura de Paraty e faleceu instantaneamente sem deixar testamento. Desesperada e com intuito exclusivo de eternizar o seu amor por Armando, após os ritos fúnebres de praxe, Marlene voltou à Clínica de Reprodução Assistida em 15/12/2023 e pediu ao médico assistente que implantasse o embrião criopreservado em seu útero.

Para sua surpresa, Terseu havia comprado a clínica de reprodução assistida e mandou avisar esse fato à Marlene, dizendo ainda que não permitiria o nascimento de outro herdeiro de Armando porque, apesar de nunca ter recebido o amor paterno do finado, ficaria exclusivamente com toda a herança estimada em R$ 450.200.000,00, constituída unicamente por bens particulares de Armando da seguinte forma:

a) R$ 450.000.000,00 de sua fortuna distribuída em diversos valores mobiliários custodiados em duas corretoras brasileiras que Armando não movimentava desde de 1o de janeiro de 2005,

b) R$ 200.000,00 composto da fração de um terço do imóvel situado na Rua da Paz, no XXXX – Paraty Mirim – Paraty – RJ (sendo que o valor global do imóvel era de R$ 600.000,00), cuja titularidade pertencia a Armando em condomínio com seus irmãos bilaterais Lúcio Aneu Sêneca e Epicuro de Samos.

Armando e Marlene moravam desde 17/12/2007 no referido imóvel com a concordância dos irmãos de Armando. Contudo, os cunhados só toleravam que Marlene morasse no imóvel cuja copropriedade lhes pertencia por nutrirem um profundo amor e admiração por Armando, irmão primogênito de ambos, já que discordavam do voto de pobreza feito por Armando e reputavam tal escolha filosófica à união com Marlene, de modo que sempre deixaram claro que jamais permitiriam que Marlene morasse sem Armando na referida casa.

Completamente atordoada, Marlene compareceu no dia 16/12/2023 à sede da Defensoria Pública de Paraty solicitando orientação jurídica para assegurar a implantação do embrião excedentário no próprio útero e encontrou você no seu primeiro dia de trabalho como Defensor Público Substituto na aludida Comarca.

Marlene apresentou uma via do contrato padrão de prestação de serviços fornecido pela Clínica de reprodução assistida em que havia expressa uma cláusula dizendo que, em caso de morte de algum dos futuros pais, todos os embriões congelados seriam mantidos sob custódia do outro genitor supérstite, ao invés de descartados ou doados, sendo que tal documento contava com a assinatura de Armando e Marlene. Diante da descrição fática acima, responda fundamentadamente as seguintes questões, SEM A NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE PEÇA:

1)Quais os esclarecimentos que devem ser dados à Marlene acerca do entendimento do STJ sobre os requisitos para a fecundação artificial homóloga, quando falecido o marido, e se ela poderá exigir a implantação do embrião em seu útero?

2)Será atribuível a Marlene valor sucessório decorrente da morte de Armando e, em caso positivo qual o valor que lhe será cabível a título de herança?

3)À luz da jurisprudência do STJ, assistirá à Marlene direito real de habitação quanto ao imóvel em que residia juntamente com Armando?

A prova foi realizada com consulta a códigos e(ou) legislação.

Referências

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O direito real de habitação do cônjuge ou companheiro sobrevivente, enquanto perdurar, impede a extinção do condomínio e a respectiva alienação judicial do imóvel de copropriedade dos herdeiros do falecido. Buscador Dizer o Direito. Manaus. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/13857/o-direito-real-de-habitacao-do-conjuge-ou-companheiro-sobrevivente-enquanto-perdurar-impede-a-extincao-do-condominio-e-a-respectiva-alienacao-judicial-do-imovel-de-copropriedade-dos-herdeiros-do-falecido. Acesso em: 08 set 2025.


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