Introdução
A legalidade das abordagens policiais fundamentadas em denúncias anônimas é uma questão de grande relevância no direito penal e processual penal.
Recentemente, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão importante sobre o tema, ao validar provas obtidas através de uma busca veicular decorrente de denúncia anônima especificada.
Assim, este artigo analisa os detalhes do caso e as implicações da decisão.
Peculiaridades do Caso
Primeiramente, para ilustrar, imagine a seguinte situação:
A polícia recebeu uma denúncia anônima indicando que um carro específico, com a placa detalhada na denúncia, estaria transportando drogas.
A abordagem resultou na apreensão de aproximadamente 1,2 kg de cocaína, levando à prisão em flagrante dos ocupantes, que posteriormente tiveram suas prisões convertidas em preventivas por tráfico de drogas em concurso de agentes.
Decisão de Primeira Instância
A decisão de primeira instância que decretou a prisão preventiva fundamentou-se na gravidade da conduta. Considerou-se, assim, a grande quantidade de entorpecentes apreendida e o concurso de agentes.
Além disso, a reincidência específica de um dos acusados foi um fator determinante para a manutenção da medida cautelar, com o tribunal estadual justificando a necessidade de preservar a ordem pública diante das circunstâncias do crime.
Pedido de Habeas Corpus
A defesa dos acusados ingressou com habeas corpus no STJ, alegando a nulidade das provas obtidas. Dessa forma, a argumentação foi que a abordagem policial baseou-se exclusivamente em uma denúncia anônima, o que não configuraria justa causa para a revista pessoal e do veículo.
E o que decidiu o STJ?
O relator do caso, desembargador convocado Jesuíno Rissato, considerou válida a fundamentação da prisão preventiva. Assim, ele destacou as circunstâncias do crime e a reiteração criminosa do acusado, o que corroborava a necessidade de custódia cautelar para evitar a reiteração delitiva.
A jurisprudência do STJ entende que a preservação da ordem pública justifica a prisão preventiva quando há indícios de periculosidade, como maus antecedentes e reincidência.
Quanto à nulidade da busca veicular, o relator entendeu que houve fundada suspeita apta a justificá-la, mesmo que proveniente de denúncia anônima.
Ademais, a decisão citou precedentes afirmando que a denúncia anônima especificada, com informações minimamente confirmadas pela investigação, legitima a busca veicular.
Responsabilidade e prerrogativas da abordagem policial
Conforme a jurisprudência do STJ, a validade da abordagem policial baseia-se na fundada suspeita gerada por elementos concretos.
A decisão enfatizou que a denúncia anônima especificada, quando apoiada por elementos confirmados, configura justa causa para a busca veicular, garantindo a legalidade das provas obtidas.
No caso específico analisado, o STJ negou o pedido de habeas corpus, mantendo a prisão preventiva dos acusados.
A decisão foi fundamentada na grande quantidade de drogas apreendida e na reincidência dos acusados, justificando a necessidade de manter a ordem pública. A busca veicular foi considerada legítima, uma vez que a denúncia anônima foi confirmada por elementos concretos durante a investigação policial.
A decisão do STJ reforça a importância da investigação policial criteriosa e da confirmação de elementos concretos ao lidar com denúncias anônimas.
A jurisprudência consolidada do tribunal ressalta que a preservação da ordem pública e a prevenção da reiteração criminosa são fundamentos válidos para a decretação de prisão preventiva e para a realização de buscas veiculares.
Outros julgados importantes do STF e do STJ
1. Ingresso em domicílio com consentimento do morador
A Sexta Turma do STJ determinou que o consentimento do morador para a entrada de agentes estatais em sua residência deve ser voluntário e livre de coação. Em caso de dúvida, a prova da legalidade e voluntariedade do consentimento incumbe ao Estado, devendo ter registro em áudio-vídeo e sua preservação enquanto durar o processo.
- Fundamentação: No julgamento do AgRg no HC 821.494, a corte declarou nulas as provas obtidas sem o consentimento livre e inequívoco do morador, configurando violação da inviolabilidade do domicílio (Info 800).
2. Fundada suspeita e busca pessoal em via pública
A tentativa de se esquivar da guarnição policial pode evidenciar fundada suspeita de que o agente oculta objetos ilícitos, justificando a busca pessoal em via pública. No entanto, a simples denúncia anônima ou impressões subjetivas não são suficientes para caracterizar fundada suspeita.
- Fundamentação: No caso do HC 889.618-MG, o STJ decidiu que a fuga do suspeito ao avistar policiais legitima a busca pessoal, corroborada pela apreensão de drogas (Info 810).
3. Inspeção de segurança em bagagens
A inspeção de segurança nas bagagens dos passageiros de ônibus, realizada pela Polícia Rodoviária Federal, tem natureza administrativa e não requer fundada suspeita. Esta inspeção visa garantir a integridade física dos usuários e a segurança dos serviços e instalações.
- Fundamentação: No julgamento do HC 625.274-SP, o STJ afirmou que a busca realizada em contexto de fiscalização de rotina é legal, mesmo na ausência de fundada suspeita (Info 796).
4. Atitude suspeita e ingresso em domicílio sem mandado
O STF decidiu que o ato de um indivíduo correr para dentro de sua casa ao avistar uma ronda policial pode ser considerado como atitude suspeita, autorizando o ingresso dos policiais na residência mesmo sem autorização ou ordem judicial. Este entendimento se aplica principalmente em casos de crimes de natureza permanente, como o tráfico de drogas.
- Fundamentação: No julgamento do HC 169.788/SP, o STF entendeu que, em situações onde há fundadas razões para crer que ocorre um flagrante delito, como no caso de tráfico de drogas, a entrada forçada no domicílio é justificada. O Ministro Alexandre de Moraes destacou que o comportamento suspeito, como a fuga ao avistar a viatura, justifica a medida (Info 1126).
5. Casos em que a busca é considerada ilícita
É importante destacar situações em que o STJ considerou ilícita a entrada e a busca, mesmo diante de denúncias anônimas ou comportamentos suspeitos:
- Denúncia anônima isolada: Não autoriza a busca (STJ, HC 512.418).
- Fuga com veículo após desobedecer blitz: Não autoriza a busca e apreensão na casa da pessoa (STJ, HC 561.360).
- Cheiro de droga sentido por cão farejador: Não autoriza a busca (STJ, HC 566.818).
Como o tema já caiu em concursos
(CESPE/CEBRASPE - 2024 - Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim - ES - Procurador) Delegacia de polícia do município X recebeu denúncia anônima de possível desvio de verbas públicas por servidores públicos municipais que estariam envolvidos em esquema de corrupção para desviar, para benefício pessoal, fundos destinados a projetos de infraestrutura. A partir dessa situação hipotética, julgue o item que se segue. A denúncia anônima é elemento suficiente para o deferimento de mandado de busca e apreensão contra os servidores citados na denúncia anônima (Errado)
Conclusão
A decisão do STJ no caso do habeas corpus nº 825.690 reafirma a legitimidade das ações policiais baseadas em denúncias anônimas especificadas.
Esse entendimento jurisprudencial garante a legalidade das provas obtidas e fortalece a atuação policial na prevenção e combate ao crime.
Por fim, a análise detalhada dos elementos do caso demonstra a necessidade de equilíbrio entre os direitos individuais e a segurança pública, assegurando a justiça e a ordem na sociedade.
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