Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e hoje vamos fazer uma análise jurídica de uma declaração bastante polêmica do governador do Estado de Santa Catarina.
No último dia 16 de janeiro de 2025, o governador do Estado de Santa Catarina, Jorginho Mello, durante a abertura da 40ª Festa Pomerana em Pomerode (SC), fez a seguinte declaração: “a cidade se destaca pela cor da pele das pessoas”.
A fala do governador gerou indignação e repercutiu nacionalmente. Assim, o objetivo do presente artigo é analisar as implicações jurídicas dos fatos, tanto no aspecto de direito material (eventual crime), quanto no aspecto processual (procedimento a se seguir em caso de persecução penal).
Contextualização dos fatos
A cidade de Pomerode é conhecida na região como “a cidade mais alemã do Brasil”. Segundo o Censo de 2022, a cidade possui população composta por 80,4% de pessoas brancas e 19,6% de pessoas negras ou pardas.
Em sua fala, o governador destacou a cor da pele da população como uma característica que distinguiria a cidade das demais. Para muitos, o governador teria feito uma manifestação de discriminação racial ou preconceito.
Da eventual prática do crime de racismo
A Lei nº 7.716/89 trata dos denominados crimes de racismo. Nos termos do artigo 20 da citada Lei:
“Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional: pena – reclusão de um a três anos e multa.”
No caso em concreto, percebe-se que, ao enfatizar um aspecto físico (cor de pele) relacionado a um contexto racial, pode-se considerar a fala do governador, em tese, como uma modalidade de incitação ao preconceito de cor, ainda que de maneira implícita.
Os crimes de racismo, em regra, são delitos que não só podem ofender pessoas determinadas, mas, geralmente, ofendem toda uma coletividade. Quando o governado menciona, em público, uma espécie de “superioridade da pele branca”, atinge e discrimina outros grupos de forma coletiva.
Vale destacar, ainda, que se considera o racismo como crime inafiançável e imprescritível nos termos da Constituição Federal (art. 5º, XLII).
Claro que diversos são os aspectos a se analisar no caso em concreto, dentre eles o elemento subjetivo (dolo) da conduta.
Da eventual responsabilização criminal e da prerrogativa de função do Governador
Com efeito, os governadores de Estado possuem o denominado “foro por prerrogativa de função”, conhecido vulgarmente como “foro privilegiado”. Isso porque a Constituição Federal, em seu art. 105, inciso I, “a”, confere aos detentores de referido cargo político a prerrogativa de serem processados e julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ressalte-se, neste ponto, que o STF têm restringido essa prerrogativa, aplicando-a apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
Note-se que a fala polêmica do governador ocorreu durante um evento político. Ou seja, aconteceu no momento em que ele exercia um papel de representação do Estado, o que é uma das suas funções. Neste caso, eventual persecução penal deverá necessariamente observar a referida competência privativa do STJ.
Do dever internacional de combater o racismo
O Estado brasileiro é signatário de diversos tratados internacionais de direitos humanos que repudiam a discriminação racial.
Dentre eles, é importante destacar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada em 1965 pela ONU e ratificada pelo Brasil em 1968.
Referida normativa internacional define a discriminação racial como qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada em raça, cor ou origem que tenha como objetivo anular ou restringir o reconhecimento ou exercício de direitos em igualdade.
No mesmo sentido, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe em seu art. 20 que “será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência” (item 2).
Portanto, para aqueles que estudam para concursos que costumam cobrar a disciplina de Direitos Humanos, é importante destacar que a criminalização da conduta atende a uma exigência internacional decorrente de tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil faz parte.
Conclusão
Por todos os motivos listados acima é importante reforçar que as falas do governador de Santa Catarina, ainda que eventualmente não venham a repercutir criminalmente, devem ser veementemente combatidas, já que estimulam um racismo estrutural existente em nossa sociedade.
Durante muitos anos, o Brasil vem adotando diversas políticas para um mínimo de reparação a grupos sociais tão vulnerabilizados ao longo da história, de modo que falas como a noticiada neste artigo somente mostra que as políticas públicas de combate à discriminação racial ainda estão longe de serem ideais.
É evidente, em determinados setores, como no da política brasileira, a necessidade de melhor conscientização daqueles que representam órgãos e poderes públicos.
Como sugerido ao longo do artigo, o governador mencionado poderá sofrer responsabilização criminal e até mesmo outras sanções, como, por exemplo, um dever de reparação coletiva.
No que tange ao processamento, em razão de sua prerrogativa de função, eventual denúncia e condenação deverá tramitar perante o STJ, consoante previsto no art. 105, I, “a”, da CF/88.
Portanto, a análise cuidadosa desse caso será essencial para evitar impunidade e reforçar os valores democráticos e constitucionais que sustentam o Estado brasileiro, em especial diante de condutas de políticos que deveriam dar o exemplo em suas falas.
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