Uma situação que nenhum pai gostaria de viver: a filha de dois meses internada com bronquiolite aguda, médicos alertando sobre risco de morte, e o plano de saúde negando UTI pediátrica porque a família ainda estava em carência.
Nessa linha, foi o drama enfrentado por Allyson Robert Ribeiro Viana e sua esposa em Sergipe, que resultou numa decisão paradigmática do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, em junho de 2025, a Terceira Turma decidiu por unanimidade que a Plamed deve pagar R$ 4 mil de indenização por danos morais aos pais da menor A.V. de J.V., confirmando jurisprudência consolidada sobre a abusividade de recusas emergenciais baseadas em períodos de carência.
Fundamentação técnica da abusividade contratual
De início, a Ministra Daniela Teixeira, relatora do Recurso Especial nº 2.198.561-SE, fundamentou sua decisão na violação aos deveres contratuais inerentes aos planos de saúde.
Logo, conforme destacado no voto, “a negativa de cobertura da internação de recém-nascida em UTI pediátrica, em estado grave de saúde, caracterizou conduta abusiva, por contrariar os deveres contratuais de boa-fé objetiva, cooperação e proteção da vida e da saúde”.
Nesse sentido, a relatora invocou o entendimento consolidado da Corte Superior segundo o qual “a recusa indevida de cobertura por plano de saúde em situações de urgência ou emergência enseja danos morais, em virtude do agravamento do sofrimento físico e emocional do paciente e de seus familiares”.
Por conseguinte, a conduta da operadora extrapolou os limites do exercício regular de direito contratual, configurando abuso passível de reparação moral.
Ademais, o caso concreto revelou elementos que evidenciam a gravidade da situação. Conforme consta dos autos, a menor foi diagnosticada com bronquiolite aguda, com laudo médico categorical afirmando que “a retirada da criança da UTI ocasionaria risco à vida”.
Destarte, não havia margem para discussões interpretativas sobre cláusulas contratuais diante da iminência do perigo de morte.
Evolução jurisprudencial sobre carência versus emergência
Como se sabe, o Superior Tribunal de Justiça possui orientação pacífica sobre a matéria, conforme explicitado pela relatora: “a jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer que a existência de cláusula de carência contratual não justifica a negativa de atendimento em casos de urgência”.
Em vista disso, citou precedentes específicos que corroboram tal entendimento, notadamente o AgInt no REsp n. 2.139.391/SP e o AgInt no AREsp n. 2.733.383/RN.
Outrossim, a decisão se alinha com julgados recentes da própria Terceira Turma.
No AgInt no AREsp n. 2.540.508/DF, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Corte reiterou que "a recusa ilegítima de cobertura de tratamento necessário ao beneficiário do plano de saúde enseja danos morais na hipótese de agravamento da condição de dor, abalo psicológico e demais prejuízos à saúde já fragilizada do paciente".
Com efeito, tal jurisprudência decorre da aplicação principiológica do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.
A interpretação sistemática das normas consumeristas impõe às operadoras o dever de colaboração e boa-fé objetiva, especialmente quando estão em jogo direitos fundamentais como vida e saúde.
Consequentemente, cláusulas de carência devem ser interpretadas restritivamente quando colidem com situações emergenciais.
Aspectos processuais e iter jurisdicional
O caso percorreu longo trajeto processual até o desfecho no STJ.
Primeiramente, o juízo de primeiro grau reconheceu a procedência da pretensão autoral, condenando a Plamed ao pagamento de R$ 4 mil por danos morais.
A sentença foi categórica ao afirmar que “os danos morais ocorreram diante da negativa do plano de saúde em cobrir o internamento de urgência/emergência da demandante”.
Todavia, o Tribunal de Justiça de Sergipe reformou parcialmente a decisão originária.

O acórdão, nas palavras da própria ementa, entendeu pela “reforma da sentença para afastar os danos morais”, ao considerar que não restou comprovado “abalo psicológico relevante que justificasse compensação moral”.
Tal posicionamento contrariou frontalmente a jurisprudência consolidada do STJ sobre a matéria.
Por essa razão, A.V. de J.V., representada pelos advogados Ana Carolina Menezes Moura e Alan Almeida Sales de Campos, interpôs recurso especial com base no art. 105, III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal.
O recurso foi devidamente admitido pelo próprio TJ-SE, que reconheceu atendidos os requisitos de prequestionamento e indicação precisa da legislação violada.
Unanimidade
Dessa maneira, a decisão unânime da Terceira Turma produz efeitos que transcendem o caso concreto.
Inicialmente, reforça a proteção jurídica de consumidores vulneráveis, especialmente quando envolvem recém-nascidos em situação de risco.
Nesse diapasão, estabelece parâmetros claros para operadoras sobre os limites da aplicação de cláusulas restritivas em contextos emergenciais.
Do ponto de vista econômico, a condenação serve como importante fator dissuasório para práticas abusivas.
Conforme salientado pela relatora, “a sentença de primeiro grau aplicou corretamente a orientação do STJ ao reconhecer o dano moral pela conduta abusiva da operadora e ao fixar indenização razoável e proporcional ao caso concreto”. O quantum de R$ 4 mil observa tanto a função compensatória quanto a educativa da responsabilidade civil.
A unanimidade dos ministros Nancy Andrighi, Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro, além da relatora, demonstra a solidez do entendimento jurisprudencial sobre a configuração de danos morais em recusas emergenciais durante períodos de carência.
Como o tema já caiu em provas
Prova: FCC - 2022 - DPE-MT - Defensor Público de 1ª Classe
João realizou contratação de plano de saúde há 1 mês. O plano de saúde previa cláusula contratual de carência de 180 dias para internações de um modo geral. Contudo, João sofreu um AVC logo após a contratação completar 30 dias e foi para a emergência de hospital particular que constava na rede referenciada de cobertura do plano de saúde. Ao chegar no hospital, teve a notícia de que o plano não cobriria o atendimento em razão do período de carência. Nesse caso, de acordo com entendimento sumulado do STJ, a conduta do plano é
Alternativas
A) ilícita, porque, em situações de urgência ou emergência, a carência máxima deve ser de 24 horas da contratação.
B) lícita, pois a discussão acerca da cobertura pode ser feita a posteriori com eventual reparação de danos.
C) ilícita, porque, em situações de urgência ou emergência, a carência máxima deve ser de 72 horas da contratação.
D) ilícita, porque não é possível a imposição pelo plano de qualquer período de carência para casos de emergência ou urgência.
E) lícita, pois a previsão de carência contratual é liberalidade do plano de saúde.
Gab: A.
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