Tirullipa é condenado por despir influenciadora na farofa da Gkay

Tirullipa é condenado por despir influenciadora na farofa da Gkay

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Condenação de Tirullipa

O humorista Tirullipa, filho do palhaço Tiririca, foi condenado a pagar R$ 20 mil de indenização por danos morais à influenciadora digital Vitória Lopes Dias de Souza, conhecida como Vitória Guedez.

A sentença é da 1ª vara Cível do Foro Regional do Butantã, em São Paulo/SP, que entendeu ter havido violação à dignidade e imagem da autora após Tirullipa puxar a parte superior de seu biquíni durante o evento “Farofa da Gkay”, em 2022.

Nesse mesmo evento – Farofa da Gkay – o humorista já havia praticado atos semelhantes com outros participantes, o que resultou em sua expulsão da festa. Em 2024, Tirullipa foi condenado por baixar a sunga da drag queen Halessia.

A juíza da mais recente condenação, Mônica de Cassia Thomaz Perez Reis Lobo, ressaltou que a conduta do artista foi imprudente e inadequada, causando constrangimento público que gerou consequências profissionais e emocionais à vítima.

“Embora o réu alegue que sua conduta não teve intenção lasciva, tampouco que tenha promovido a divulgação do conteúdo, é certo que, ao participar do evento e interagir fisicamente com a autora de forma inadequada, contribuiu diretamente para a ocorrência do fato que deu ensejo à veiculação das imagens impugnadas.”

Entenda o que aconteceu

A vítima relatou que, durante a “Farofa da Gkay” – que é a festa de aniversário da influenciadora Gkay – teve seu biquíni desamarrado por Tirullipa sem consentimento. A cena foi gravada, publicada e acabou viralizando nas redes sociais.

Segundo a vítima, a exposição indevida gerou repercussões negativas em sua vida profissional, incluindo a perda de contratos publicitários, além de impactos psicológicos.

Na ação, Vitória pediu a condenação de Tirullipa e do Facebook em:

  • Danos morais no valor de R$ 300 mil;
  • A remoção do conteúdo das redes sociais; e
  • A identificação dos responsáveis pelas postagens.

O humorista se defendeu argumentando que não teve qualquer intenção ofensiva. Afirmou que sua conduta teve natureza humorística e que não promoveu nem teve relação com a divulgação dos vídeos.

Já o Facebook alegou não ser responsável pela plataforma Instagram. Argumentou ainda que não havia como remover conteúdo sem indicação precisa das URLs das postagens, exigência prevista no Marco Civil da Internet.

Mesmo não tendo sido responsável pela publicação dos vídeos, a magistrada ressaltou que o humorista deu origem a exposição vexatória e aos danos sofridos pela influenciadora.

“No tocante ao réu Everson de Brito Silva, é incontroverso que, durante a participação da autora no evento denominado "Farofa da Gkay", ele teve conduta que resultou na exposição pública da autora em situação vexatória, conforme amplamente divulgado pela mídia e pelas redes sociais.”

Mesmo sem intenção ofensiva, a interação inadequada de Tirullipa com a vítima foi determinante para colocá-la em situação vexatória, gerando a reparação dos danos.

Danos à

Já o Facebook teve sucesso em sua defesa, já que a ausência de fornecimento, pela autora, das URLs específicas das postagens com os conteúdos ofensivos – requisito legal essencial para responsabilização dos provedores de aplicações, conforme o art. 19 do Marco Civil da Internet e jurisprudência do STJ – é motivo suficiente para afastar a responsabilização da plataforma.

Indicação da URL específica

Marco Civil da Internet

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.

§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.

§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

O entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, manifestado no julgamento do REsp n. 1.328.706/MG, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, vai neste mesmo sentido:

“O cumprimento do dever de remoção preventiva de mensagem, imagem ou propaganda consideradas ilegais e/ou ofensivas fica condicionado à indicação, pelo denunciante, do URL da página em que estiver inserido o respectivo post e, quando necessário, especificação exata do conteúdo ofensivo e/ou ilícito contido na página.”

Somente através da indicação precisa do URL é possível identificar e individualizar determinado conteúdo na rede social, permitindo que o provedor adote as providências técnicas necessárias à sua remoção.

Ao final, a juíza considerou que Tirullipa (Everson de Brito Silva), ao atuar de forma imprudente, excedeu os limites do razoável. Ele expôs a vítima à situação constrangedora e humilhante, com ampla repercussão social e profissional, o que configura dano moral indenizável.

Análise jurídica

A Constituição Federal protege a integridade, a dignidade da pessoa, o direito à honra e o direito à liberdade de expressão.

CF/88

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III - a dignidade da pessoa humana;



Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

...

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

...

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

...

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Mas não existem direitos absolutos. Todos os direitos devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea, mas não se pode exercê-la de maneira a difamar ou injuriar o destinatário da mensagem, causando danos à honra da vítima.

E o código civil não deixa dúvidas ao determinar a reparação dos danos decorrente da prática de ato ilícito:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.  

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

...

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

...

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Importante não confundir as espécies de danos existentes e considerados pelos estudiosos do direito.

  • Dano material (ou dano patrimonial): é o prejuízo que ocorre no patrimônio da pessoa, ou seja, perda de bens ou coisas que tenham valor econômico. Estão inseridos nos danos materiais os prejuízos efetivamente sofridos (danos emergentes), bem como valores que a pessoa deixou de receber (lucros cessantes);
  • Dano moral: é a violação da honra ou imagem de alguém, sendo resultado de ofensa aos direitos da personalidade (intimidade, privacidade, honra e imagem);
  • Dano estético: configura-se por lesão à saúde ou integridade física de alguém, que resulte em constrangimento, e que geralmente deixam marcas permanentes no corpo ou diminuem sua funcionalidade (cicatrizes, sequelas, deformidades). Erros médicos ou agressões físicas mais graves podem ser as causas.

Caberá ao Judiciário fazer esse controle e essa ponderação no caso concreto, devendo-se afastar, de forma contundente, a censura prévia, característica própria das ditaduras e dos regimes totalitários.

O tema é polêmico e cobrado constantemente em provas de direito constitucional e direito civil. Portanto, muita atenção!


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