* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do TST
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), através de sua 1ª Turma, confirmou entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), segundo o qual a simples participação de trabalhadora em aulas de crossfit, durante o auxílio saúde, não é, por si só, hipótese configuradora de justa causa.
A trabalhadora, uma bancária residente no Distrito Federal e admitida na instituição financeira em 1993, argumentou que a dispensaram em fevereiro de 2015 por mau procedimento, sem saber formalmente o que motivou a decisão do banco.
Segundo ela, o contrato de trabalho estava suspenso desde março de 2013 em razão de uma inflamação dos tendões do cotovelo direito, conhecida como “cotovelo de tenista”.

O cotovelo de tenista, ou epicondilite lateral, é uma condição dolorosa que causa dor na parte externa do cotovelo devido à inflamação dos tendões que ligam os músculos do antebraço aos ossos do cotovelo. É comum em pessoas que realizam movimentos repetitivos do punho e do braço, como jogadores de tênis, mas pode afetar qualquer pessoa.
Argumentos
Na reclamação trabalhista, a bancária argumentou que tinha estabilidade provisória no emprego e pediu a anulação da justa causa e indenização por danos morais.
Na contestação, o Bradesco rebateu a reclamante. Argumentou que a dispensou porque soube que ela, embora considerada incapacitada para trabalhar, estaria “apta a realizar atividades físicas expressivas, envolvendo levantamentos de pesos”.
A dispensa foi motivada por fotos da bancária numa academia, postadas por ela numa rede social. Considerando-se enganado, o banco rescindiu o contrato por justa causa.
O juízo de primeiro grau manteve a justa causa com base em perícia que constatou a capacidade de trabalho da bancária. Segundo a sentença, “ninguém vai empurrar um pneu de trator se não estiver apto para tanto, nem tampouco erguer peso acima da linha dos ombros”.
No TRT-10, a bancária apresentou provas de que a atividade física fora prescrita por seu ortopedista e era devidamente acompanhada por profissional da área. Contou também que, numa ação previdenciária contra o INSS, reconheceu-se que ela tinha lesões ortopédicas nos braços decorrentes das atividades de trabalho.
Sentença reformada
Esse conjunto probatório levou o Tribunal Regional do Trabalho a reformar a sentença e declarar a nulidade da dispensa, determinando a reintegração da bancária.
A decisão considerou, entre outros pontos, o depoimento da personal trainer, que declarou que treinava a bancária desde 2013, com fortalecimento e reabilitação da lesão no ombro direito, de acordo com a recomendação médica.
Na tentativa de rediscutir o caso no TST, o banco sustentou que a bancária, que alegou estar fisicamente incapacitada para o trabalho, “apresenta força e vigor para realizar exercícios físicos envolvendo o levantamento de pneu de trator, aliado à performance de exercícios com barras e anilhas combinadas, que beiram 27 quilos”.
Mas, para o relator do agravo, ministro Hugo Scheuermann, não se pode afirmar, sem respaldo técnico, que o trabalho como bancária e as atividades físicas praticadas interferem da mesma maneira em relação à doença.
“Ou seja, não há como concluir que a trabalhadora, por estar capacitada para a prática de determinados exercícios físicos, também está apta para o desempenho das atividades laborais”.
Ainda de acordo com o ministro, o TRT não reconheceu as alegações sobre a intensidade dos exercícios. O Tribunal registrou apenas a prática de atividade física e a contratação de personal trainer.
Ao final, julgou-se procedente a reclamação trabalhista, com a anulação da justa causa aplicada pelo banco, com a consequente reintegração da bancária.
Análise jurídica
Justa causa
As hipóteses configuradoras da justa causa estão arroladas no artigo 482, da CLT, e são:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.

No caso da bancária, o ato de praticar crossfit durante licença médica foi enquadrada pelo banco como hipótese de ato de improbidade e incontinência de conduta ou mau procedimento.
O relator do recurso no TST ressaltou que a imputação da justa causa, notadamente pelos prejuízos que causa à vida profissional e à subsistência do trabalhador, com possíveis reflexos na esfera íntima, requer prova contundente da prática de falta grave, suficiente a justificar a aplicação da penalidade máxima.
O mero registro de que a reclamante praticava atividade física não pode servir para deduzir que ela não sofria da doença ocupacional (epicondilite lateral no cotovelo direito), ou que essa doença não seria incapacitante para o labor no reclamado.
Até porque a pessoa acometida por epicondilite lateral do cotovelo não está incapacitada para toda e qualquer atividade física.
Conforme consta em publicação especializada:
“Independentemente do tratamento instituído, uma vez que se tenha conseguido o controle da dor, o paciente iniciará o alongamento e o ganho da amplitude articular do punho e cotovelo, seguido de exercícios isométricos e isocinéticos. Não existindo dor, inicia-se o processo de reforço muscular, recomendando-se a utilização de um brace para controle da expansão muscular. O paciente realizará exercícios e estará autorizado a retornar à prática esportiva ou atividade laborativa quando for capaz de realizar exercícios de repetição até o cansaço, sem que ocorra dor e exista força muscular comparável aos níveis que precederam a epicondilite” (Epicondilite lateral do Cotovelo. Marcio Cohen; Geraldo da Rocha Motta Filho. Rev Bras Ortop. 201247(4): 414 - 420 – Atualização).
Reintegração
A reintegração de um empregado acarreta o retorno do obreiro à função laborativa (refaz o vínculo empregatício), com a devolução de todas as garantias existentes antes do desligamento, como salário, benefícios, cargo, férias integrais ou proporcionais, 13º salário, entre outras, ou seja, anula-se a rescisão de contrato e o empregado volta a exercer suas atividades normalmente como se a rescisão não tivesse acontecido.
Portanto, na reintegração, não é necessário firmar outro contrato de trabalho, prevalecendo as anotações já existentes na ficha ou folha do livro de registro. A anotação na carteira de trabalho quanto ao desligamento deverá ser anulada.
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