Críticas com viés político a pessoa pública

Críticas com viés político a pessoa pública

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STJ

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, através de sua quarta turma, que críticas políticas relacionadas a fatos de interesse geral não geram danos morais, notadamente, se a pessoa pública for ré em várias ações de improbidade administrativa e não ficar demonstrada a intenção de propagar informação inverídica (fake news).

O caso envolveu o ex-governador de São Paulo, João Doria. A outra parte publicou, nas redes sociais, uma foto de Doria com os seguintes dizeres: “Doria é réu no maior caso de corrupção da história de São Paulo!!!”.

O ex-político não gastou nada da publicação, achando que ela excedeu os limites do direito de liberdade de expressão, configurando ato ilícito passível de indenização. Doria então decidiu judicializar a questão.

Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo entenderam que não há justa causa para a condenação. O Superior Tribunal de Justiça também seguiu esse entendimento e negou provimento ao recurso especial de João Doria.

A controvérsia sob julgamento passa por definir se a postagem feita na rede social, com tom crítico, era falsa ou não e se foi capaz de ofender a imagem do ex-governador, gerando dano moral indenizável.

Livre manifestação do pensamento

As redes sociais viabilizam a conexão entre usuários e constituem uma forma facilitada de comunicação, compartilhamento e disseminação de informações, e o uso da internet fundamenta-se no respeito à liberdade de expressão, de comunicação e de manifestação do pensamento, como garantido pela Constituição Federal e por dispositivos legais, como os previstos na Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).

O artigo 220, caput, da Constituição Federal, prevê que a livre manifestação do pensamento, apesar de ser uma liberdade fundamental, não é um direito absoluto, já que pode ser considerada abusiva a expressão se tiver por objeto promover ofensa, difamação ou injúria, pois em dissonância com garantias constitucionais de proteção à honra, à imagem e à privacidade.

CF/88

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

 § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística...

Portanto, é livre a manifestação do pensamento, mas devem ser garantidos, também, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

As fake news constituem notícias falsas ou informações inverídicas difundidas na internet por meio das redes sociais e dos aplicativos de compartilhamento de mensagens como se verdadeiras fossem.

A propagação dessas fake news é extremamente problemática. Isso porque a facilidade de acesso às redes sociais permite que qualquer pessoa, independentemente de sua credibilidade e caráter, colabore com a disseminação espantosamente veloz (viralização) das notícias falsas.

“As notícias falsas deliberadamente criadas, publicadas e disseminadas, como as satíricas, por exemplo, podem ter objetivo lícito se estiverem em conformidade com a livre manifestação do pensamento. 

Todavia, a fake news de conteúdo ilícito e causadora de ofensa a pessoa ou coletividade causa dano indenizável, devendo ser repudiada.”

Na esteira do entendimento do STJ, o direito à livre manifestação do pensamento consagra-se no art. 220, caput, da CF/88. No entanto, esse direito não é absoluto, sendo considerado abusivo se exercido com o intuito de ofender, difamar ou injuriar (animus injuriandi), em flagrante violação a outros direitos e garantias constitucionais, tais como a honra, a privacidade e a imagem.

Direitos da personalidade

A esfera de proteção dos direitos da personalidade de pessoas públicas ou notórias, notadamente dos agentes políticos, é reduzida, à medida em que são responsáveis pela gestão da coisa pública.

Assim, nos termos da jurisprudência do STF e do STJ, inexiste ato ilícito se os fatos divulgados forem verídicos ou verossímeis, ainda que eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, notadamente quando se tratar de figuras públicas que exerçam atividades típicas de estado, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica dizerem respeito a fatos de interesse geral e conexos com a atividade desenvolvida pela pessoa noticiada.

No caso de João Doria, a justiça entendeu que a acusação feita (“Doria é réu no maior caso de corrupção da história de São Paulo!!!”) não desbordou do exercício do direito à liberdade de expressão. Logo, configurou-se mera crítica política.

Se é certo afirmar que o usuário das redes sociais pode livremente reivindicar seu direito fundamental de expressão, também é correto sustentar que a sua liberdade encontrará limites nos direitos da personalidade de outrem, sob pena de abuso em sua autonomia, já que nenhum direito é absoluto, por maior que seja a sua posição de preferência, especialmente se tratar-se de danos a outros direitos de elevada importância.

O Supremo Tribunal Federal, julgando o TEMA 786, fixou a seguinte tese:

É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.

Importante ressaltar que a esfera de proteção dos direitos à personalidade de pessoas públicas ou notórias é reduzida, considerando-se a primazia do controle e fiscalização de seus atos pela população.

Contudo, deve-se respeitar a intimidade dessas pessoas quando o ato não tiver ligação com o desempenho da atividade pública, hipótese em que não há interesse público que justifique sua divulgação pela imprensa.

No caso de João Doria, o Judiciário entendeu que não ficou demonstrada a intenção de propagar informação inverídica, apenas crítica com viés político abarcado pelo direito à liberdade de expressão.

A tese de julgamento, por fim, foi a seguinte:

"1. A liberdade de expressão não é absoluta e deve respeitar os direitos da personalidade de outrem.

2. A esfera de proteção dos direitos da personalidade de pessoas públicas é reduzida, especialmente em críticas políticas relacionadas a fatos de interesse geral.”

Direito de crítica e danos morais1

O direito de crítica é um importante aspecto da liberdade de expressão, e consiste na possibilidade de emitir uma opinião (juízo de valor) sobre um fato, uma pessoa, uma obra ou uma instituição, e tem por objetivo garantir o pluralismo de ideias, o debate público e a fiscalização dos poderes públicos e privados. Ele é fundamental para garantir o exercício da cidadania, da democracia e do controle social.

Mas, como sabemos, não existem direitos absolutos. O direito de crítica também tem seus limites, devendo respeitar os demais direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como o direito à honra, à imagem, à intimidade e à vida privada. Também deve observar os princípios da veracidade, da proporcionalidade e da boa-fé.

Recomendações para o exercício regular do direito de crítica:

• A crítica deve ser fundamentada em fatos verídicos e comprováveis. Não se pode atribuir falsamente a alguém a autoria de um crime (calúnia) ou imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação (difamação).

• A crítica deve ser proporcional ao fato criticado. Não se pode usar termos desproporcionais ou excessivos que ofendam a dignidade ou o decoro de alguém (injúria).

• A crítica deve ser feita com respeito e civilidade. Não se pode usar palavras ou expressões que incitem o ódio, a violência ou a discriminação contra alguém por motivo de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (injúria qualificada).

• A crítica deve ter uma finalidade legítima e socialmente aceitável. Não se pode usar a crítica como pretexto para atacar pessoalmente alguém ou para obter vantagem indevida.

Quando uma pessoa exerce o direito de crítica além dos limites impostos pelo ordenamento jurídico ela comete abuso de direito. Nesse caso, pode haver ofensa à honra, à dignidade ou à imagem de alguém por meio de injúria, difamação ou calúnia, gerando danos passíveis de indenização.

O direito de crítica é considerado um direito fundamental, e tem por base, dentre outros, o artigo 5º, IV, da CF.

Mas a Constituição também alberga o direito à honra/imagem (artigo 5º, X).

Além disso, o código civil não deixa dúvidas ao punir os danos decorrente da prática de ato ilícito:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.   

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

...

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Ótimo tema para provas de direito civil e constitucional.


  1. ANCILLOTTI, Leon. O direito de crítica na sociedade democrática. Jusbrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-direito-de-critica-na-sociedade-democratica/1814237525>. ↩︎

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