STF estabelece novos critérios para a responsabilização da imprensa, reforçando a liberdade de expressão e os limites da responsabilidade civil

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O Supremo Tribunal Federal, de forma unânime, fixou novos critérios para responsabilização de empresas jornalísticas que divulgarem acusações falsas.
A Suprema Corte aperfeiçoou seu entendimento sobre as condições em que empresas jornalísticas estão sujeitas à responsabilização civil, ou seja, ao pagamento de indenização por danos morais, no caso de publicação de entrevista em que o entrevistado atribua falsamente a outra pessoa a prática de um crime (calúnia).
A decisão foi tomada em embargos de declaração apresentados pelo Diário de Pernambuco, que é parte no processo, e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que é terceira interessada, no RE 1.075.412, que acabou gerando a tese de repercussão geral no Tema 995.
Dentre os pontos da nova decisão, destacam-se:
- Entrevistas ao vivo: no caso de entrevistas ao vivo, o veículo não pode ser responsabilizado por declarações feitas exclusivamente pelo entrevistado. Entretanto, precisa assegurar à pessoa a quem for falsamente atribuída a prática de crime o direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque.
- Responsabilização por má-fé ou negligência: foi reafirmado o entendimento de que a empresa jornalística só poderá ser responsabilizada civilmente se for comprovada sua má-fé, caracterizada pelo conhecimento prévio da falsidade da declaração ou por evidente negligência na apuração da informação, sem que seja dada a possibilidade de resposta do terceiro ofendido ou, ao menos, de busca do contraditório. Além do mais, o veículo poderá ser responsabilizado caso o conteúdo com a acusação falsa não seja removido de plataformas digitais por iniciativa própria ou após notificação da vítima.
- Responsabilização apenas em situações concretas: a responsabilização deve ficar restrita a situações concretas e comprovadas, evitando a censura prévia.
Ao final, a atualização da tese fixada no TEMA 995 ficou assim:
Tese do Tema 995, do STF:
1 – Na hipótese de publicação de entrevista, por quaisquer meios, em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprovada sua má-fé caracterizada:
(I) Pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou
(II) Culpa grave decorrente da evidente negligência na apuração da veracidade do fato e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou, ao menos, de busca do contraditório pelo veículo.
2 – Na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivamente de terceiro, quando este falsamente imputa a outrem a prática de um crime, devendo ser assegurado pelo veículo o exercício do direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque, sob pena de responsabilidade, nos termos dos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal.
3 – Constatada a falsidade referida nos itens acima, deve haver remoção de ofício ou por notificação da vítima, quando a imputação permanecer disponível em plataformas digitais sob pena de responsabilidade.
Direito de Resposta – Responsabilização da imprensa
A Lei 13.188/2015 disciplina o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.

A Referida norma garante ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social, o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo.

Os comentários realizados por usuários da internet nas páginas eletrônicas dos veículos de comunicação social não são classificados como “Matéria”.
O exercício do direito de resposta é regido pelo princípio da imediatidade (ou da atualidade da resposta), ou seja, a ação que reconhece esse direito encerra procedimento cuja efetividade depende diretamente da celeridade da prestação jurisdicional, o que justifica os prazos exíguos fixados na lei.
Lei nº 13.188/2015
Art. 5º Se o veículo de comunicação social ou quem por ele responda não divulgar, publicar ou transmitir a resposta ou retificação no prazo de 7 (sete) dias, contado do recebimento do respectivo pedido, na forma do art. 3º, restará caracterizado o interesse jurídico para a propositura de ação judicial.
Art. 6º Recebido o pedido de resposta ou retificação, o juiz, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, mandará citar o responsável pelo veículo de comunicação social para que:
I - em igual prazo, apresente as razões pelas quais não o divulgou, publicou ou transmitiu;
II - no prazo de 3 (três) dias, ofereça contestação.
Parágrafo único. O agravo consistente em injúria não admitirá a prova da verdade.
Art. 7º O juiz, nas 24 (vinte e quatro) horas seguintes à citação, tenha ou não se manifestado o responsável pelo veículo de comunicação, conhecerá do pedido e, havendo prova capaz de convencer sobre a verossimilhança da alegação ou justificado receio de ineficácia do provimento final, fixará desde logo as condições e a data para a veiculação, em prazo não superior a 10 (dez) dias, da resposta ou retificação.
Sobre o direito de resposta, o STF, na ADI 5436, deixou assentado que:
- As liberdades de imprensa e de comunicação social devem ser exercidas em harmonia com os demais preceitos constitucionais, tais como a vedação ao anonimato; a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas; o sigilo da fonte e a vedação à discriminação e ao discurso de ódio;
- Eventual ofensa aos direitos da personalidade cometida no exercício da liberdade de expressão será sempre aferida a posteriori, ou seja, após a livre manifestação. É nessa aferição a posteriori que se insere o direito de resposta, o qual deriva do balizamento entre liberdade de expressão dos meios de comunicação social e a tutela de direitos da personalidade;
- O direito de resposta possibilita que a liberdade de expressão seja exercida em sua plenitude, pois é acionado apenas após a livre e irrestrita manifestação do pensamento. Além disso, o direito de resposta concede ao ofendido espaço adequado para que exerça, com o necessário alcance, seu direito de voz no espaço público. O direito em tela é, ainda, complementar à liberdade de informar e de manter-se informado, já que possibilita a inserção no debate público de mais de uma perspectiva de uma controvérsia;
- O direito de resposta não se confunde com a retratação do autor do texto originário ou do órgão de imprensa, pois é faculdade conferida ao ofendido de obter a veiculação de conteúdo em nome próprio, em efetiva liberdade de expressão.
Com base nesse último entendimento, o STJ decidiu que o direito de resposta não se confunde com publicação de sentença condenatória, já que essa publicação não tem por objetivo assegurar à parte o direito de divulgar a sua versão dos fatos, dando ao público, apenas, o conhecimento da existência do teor de uma decisão judicial a respeito da questão.
A Constituição Federal protege tanto a dignidade da pessoa humana, a honra, a privacidade, quanto o direito à liberdade de expressão, vedando a censura.
CF/88
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
...
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
...
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Por fim, ressalta-se que não existem direitos absolutos. Todos os direitos devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea, mas não pode ser exercida de maneira a ofender os direitos da personalidade de outrem.
Caberá ao Judiciário fazer esse controle e essa ponderação no caso concreto, a posteriori, devendo ser afastada, de forma contundente, a censura prévia, característica própria das ditaduras e dos regimes totalitários.
Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito civil.
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